quinta-feira, julho 29, 2010

Passem Ao Próximo Post

Ora bem, estou aborrecido. Atingi aquele estado de paralisação mental decorrente da falta de actividade física e mental que muitos designam de “letargia”. Mas isso tem uma sonoridade demasiado patológica. Aquilo que eu sinto está mais próximo de “preguiça”. Ou “abrutalhamento”. Se fosse noite, ia dormir. Se estivesse em casa, ia ver pornografia. Ou melhor, ia sentir a pornografia da forma que só eu sei. Porém, aqui não posso. Estou bloqueado. Talvez seja uma boa ideia. Aqui também não poderia apreciar a pornografia da forma adequada. Há muita gente a ver. Quase que aposto que iriam dizer “eh pá, tu gostas dessas gajas”? Ou “tens uma maneira esquisita de agasalhares o macho”. Ou “devias ter trazido mais papel higiénico”. Ou simplesmente “não tens vergonha de sacares do teu mangalho enquanto nós estamos no coffee-break”? Não iria ser o mesmo. Até porque há mais gente ao lado e a intimidade é uma coisa que valorizo. Sim, prefiro ser bloqueado de aceder a pornografia quando não estou em casa. Não é a mesma coisa. É melhor guardarmos a pornografia para quando pudermos usufruir dela na sua plenitude. Como se fosse uma garrafa de vinho velho que nós guardamos durante anos e anos, apenas para nós constatarmos que quando a abrimos por ocasião da visita dos nossos amigos a viver no estrangeiro o vinho já está azedo dos fragmentos de cortiça apodrecidos que caíram em cima do conteúdo. E os nossos amigos nem bebiam álcool. Lamentável. Tanta precaução para nada. Nem boa impressão conseguimos causar.
Devemos guardar as coisas certas para os momentos certos. Se bem que pornografia calha sempre bem, desde que já tenha passado meia-hora depois da última ejaculação. Com 15 anos só precisava de esperar 5 minutos e bastavam-me imagens mentais. Mas a idade é tramada. As coisas vão-se alterando. Percebi isso quando houve uma preta que ganhou o concurso de Miss Escola na minha C+S, que agora é 2+3 e qualquer dia é só =5 ou qualquer coisa do género. A única coisa boa que a gaja tinha era ser magra. Fazia bem ginástica. Mas depois era vesga, ou lá o que era aquilo, tinha um olho mais fechado que o outro. Nem sequer tinha a dentição perfeita que as guineenses costumam ter. Tinha totós às cores na cabeça. Chamava-se N’Qualquer-Coisa, o que é logo um balde de água fria para quem quer ver misses e só lhe vem à cabeça N’Dinga, ou N’Kono, ou o resto da Selecção dos Camarões, ou o tipo que fez “Os Deuses Devem Estar Loucos”. Não fazia, decididamente, o meu género. Mas ganhou com alto avanço. Devia ter constatado que aquele era um ponto de não-retorno na evolução da sociedade. Adeus às Marés Vivas. O rock morreu. Já não se podem contar piadas racistas ou escrever slogans como “Morte à Chuva”. Nada disso. O paradigma mudara abruptamente e eu, na minha feliz ignorância, ainda pensei que aquilo fosse um prank-joke, “ah, ninguém vai dizer que aquela coisa é a melhor gaja da escola e não considerar sequer a S. que é girinha e tudo, apesar dos broches todos que ela faz ao pessoal ali do cantinho”. Mas era a verdade. Nua e crua, como eu nunca quis ver a Miss Escola desse ano. A N’Qualquer-Coisa era formalmente a miúda mais respeitável desta escola. Candidatou-se, sabe-se lá mandatada por quem, e venceu democraticamente aquele fantochada de eleição. Assim eu acredito. O que queria significar que 1) a nossa escola estava secretamente dominada por uma minoria que se calhar era bem maior do que esperávamos e que votou em massa na sua amiga ou 2) quem votou pensou estar a votar noutra pessoa, o que era francamente possível dadas as péssimas notas a português e o avolumar de gente que lia sílaba a sílaba, em voz alta e com o indicador a percorrer as linhas de texto, mesmo do 10º ano para cima 3) o meu gosto era incrivelmente superior ao dos outros todos. E, por inerência, toda a minha pornografia.
O certo é que ela ganhou e voltou a ganhar no ano seguinte. Conformei-me com a ideia de que ela é que seria sempre a imagem feminina da nossa escola e procurei dissociar-me do status quo. Fiquei com a minha imagem de ideal feminino e eles que ficassem com aquilo. No fundo, o mundo estava errado e eu estava certo, mas eles eram muitos e alguns armados e eu era um, tímido e com um espírito de liderança semelhante ao do João Moutinho – queria era sair dali. E ir para casa, ver pornografia.
Sucedi neste propósito. Vi muita pornografia. Especialmente da boa. A má pornografia também existe. Dizer que isso é mito é mentira. A má pornografia é, basicamente, aquela que não conseguimos ver. Mas também pode ser um vídeo ranhoso em que nem se percebe quem é que está a praticar coito com o quê. Ou aquelas vacas americanas que gemem por tudo e por nada e se fartam de dizer de coisas tão improváveis durante o acto. Vi uma pornografia de um suposto incesto entre mãe e filho e achei aquilo dos melhores pedaços de comédia de sempre. Por respeito e por falta de memória nem vou reproduzir. Não gosto dessas gajas nem dessa pornografia. Ainda por cima, elas estão geralmente carregadas de tatuagens e silicone. Está um gajo a enterrar-lhes e elas “Do you wanna fuck my ass? Yeah?! Oh yeah, go ahead, fuck my ass, big boy. It’s time to take a chance. I’ve never given my ass before, but you make me wanna try it with your big, stiff cock [aquilo é tanta treta que um gajo captou logo que ela levava na peida só pelo diâmetro do cu dela em repouso, que era quase semelhante ao buraco de qualquer sanita normal] Wanna fuck my ass? Yeah? Yeah? Oh!... So good! Yeah! Fuck my ass, baby. And I want you to come over me and I wanna swallow your cum and taste it real good and then you can slap my face and call me dirty names. I’m your bitch, boy! Yeah, yeah, gimme all you have, yeah, so good, yeah, I feel it all inside, cum, baby, cum! Yeah, yeah, yeah!!!”… e podia estar aqui horas e horas, aquilo é sempre o mesmo. Soa tão forçado que me faz perder a vontade. E então vou para filmes de leste. Elas são melhores, parecem menos vacas e não percebo o que dizem. É só vantagens.
Agora de repente, já me sinto menos aborrecido. Já passou algum tempo, que era aquilo que pretendia. Daqui a pouco saio daqui… e não, não deverei ver pornografia. Parecendo que não, há outras coisas importantes para fazer. Como jogar Football Manager. Ouvir música. Até comer. Entretanto, produzi uma literatura de tão baixo nível que este é um texto que não recomendo nem a mim mesmo. Bolas, desci mesmo baixo. Há dias, semanas, meses, anos assim. Um dia voltarei a uma forma razoável. Não tão má, pronto. Assim espero.

terça-feira, julho 27, 2010

Carlitos

O Carlitos toca com os dinossauros do rock, porém não é bem da cena rock. É da cena “’tá-se bem”. É o gajo que se vai aguentando ao longo dos tempos. É o gajo que a gente pensa, “se ele não está ali com o resto da banda é porque teve de ir fazer um xixi. Ele volta não tarda nada”. Ele esteve sempre lá. Mas a banda não é dele. É do Miguel e do Kinas. Eles é que sabem o que há para fazer, como se há-de fazer, quando vai ser feito. O Carlitos faz aquilo que é preciso ser feito. E é só. Sem grandes ondas. Nem precisa de abrir a boca. Não precisa de ir às conferências de imprensa. Pode ir escolher fatos nesse momento. Ele pode parecer velho e cortar o cabelo como se fosse um tipo velho e sem cabelo, como todos os outros tipos da idade dele. O Miguel e o Kinas não. Ou melhor, o Kinas pode; quanto mais rebentado, melhor. O sonho do Kinas é chegar ao 80 anos e parecer jurássico. O Kinas saberá que o seu tempo estará a chegar perto do fim quando tiver uma ressaca que não passe nem com 50 Guronsans. Porque até agora nenhuma foi demasiado forte. Demasiado feia. Demasiado fria. Todas as suas indulgências com substâncias ilegais, ou não, foram pequenos Martinis que foi tomando antes, durante e depois dos espectáculos. Um risco aqui, um chuto ali, uma passa acolá. Um rodízio de drogas, um festival de tapas alucinogénicas onde cabe sempre mais uma. O Miguel saltava e abanava-se como uma mulherzinha estridente. Tinha uma boca que só mesmo ele a poderia tornar num sex-symbol. Noutra pessoa qualquer seria um defeito Manuela-Moura-Guedesco. Tinha um cu apertado em calças de lycra ou cabedal que faziam as Scissors Sisters virem-se a seco mal o vissem a gingar no palco. O Miguel há-de chegar à idade do Manoel de Oliveira e pensar que está na puberdade. O Miguel nunca teve sequer uma pequena barriguita de cerveja para amostra. O tipo continua com a mesma elegância e o mesmo cabelo de há 40 anos. O Miguel é tramado. E o Kinas também. Por serem tão tramados é que a banda é deles. E de mais ninguém. O Carlitos é o sidekick de eleição. E ele está bem assim. Ele pode fazer cara de frete. E faz muitas, especialmente quando está mais gente a ver. Será mesmo uma cara de frete genuína e ninguém o levará a mal. “Ah, é porque ele é tímido mas é um grande profissional e o pessoal curte-o bué”. Se o Miguel ou o Kinas fizerem cara de frete é porque algo está podre e logo se fala na separação ou em parar o espectáculo antes que eles se aborreçam a sério. O Carlitos pode apanhar grandes mocas e fazer cara de “ena pá, ‘tou mêm’ c’uma ganda moca!” porque ele, na verdade, está mesmo a tripar com ácidos. Mas o Miguel e o Kinas estão sempre no seu estado normal. Eles nunca estiveram mais ou menos malucos. Eles são malucos e é assim que devemos aceitar a ordem das coisas.
Mas nem tudo é mau no Carlitos. Ele tem aquela imagem de ser um tipo calmo e profissional que o Miguel e o Kinas jamais terão. Porquê? Porque um tipo com aquela cara de parvo não pode fazer mal a ninguém. Ele só pode ser bom para estar ali e para ir estando por ali, mesmo quando todo o mundo à volta se desmoronou. O Miguel e o Kinas é que têm o exclusivo de serem maus. Mas eles é que fazem as canções todas – podem e devem ser maus só por isso. O Carlitos só tem de aparecer e a papinha estará quase toda feita. O Miguel e o Kinas já pensaram em mandá-lo embora e trazer um gajo que toque bem. Mas isso dá trabalho e, eh pá, “é o Carlitos, pá”, “o tipo está sempre na boa”, “não há ninguém que nos ature tanto como ele”. Então vingam-se e não dão créditos a mais ninguém. Aquilo é deles. O Carlitos que lhes agradeça a oportunidade de estar com eles. Quando agradecer, será com um empático, “yeah, whatever, I’m in” e depois revirará os olhos e estampará aquele sorriso enjoado sem nunca mostrar os dentes.
Primeiro houve o Abrenúncio. Era um ganda maluco. Vinha com uma ideias esquisitas e mais não sei o quê e o Miguel e o Kinas já estavam a olhar-lhe de lado. É que o Abrenúncio era ainda mais maluco que o Kinas, muito mais bonito que o Miguel e mais polivalente que qualquer um dos dois. Mas o Abrenúncio fez um grande favor em aparecer morto numa piscina. O Miguel e o Kinas lá disseram “tough luck” e seguiram em frente. O Carlitos continuou a fazer cara de parvo e a tocar a música da mesma forma, durante 50 minutos, até que se sentiu cansado e foi beber um chá verde e dar um chuto na veia. E aquele sorriso enfadado nunca mais se lhe descoseu da cara. Depois veio o Miguelito. Tinha boa pinta e tocava guitarra como nunca se vira por aqueles lados. O Miguel até curtia o gajo, faziam uma parelha jeitosa e naquela relação o Miguel tinha a certeza que ficava sempre por cima. Mas o Kinas estava roído de ciúmes. Como solução drogou-se. Ainda mais. E tentava sempre meter o Miguelito a um canto. A sorte do Kinas foi o Miguelito ter-se fartado. “Quer dizer, eu é que faço as músicas, toco os solos e dou um melhor aspecto visual à banda e fico apenas com um co-crédito numa música perdida na imensidão do “Exile On Main St.”? Então e a “Sway”? Todo o “Sticky Fingers”? Vão-se mas é lixar” , disse o Miguelito. O Miguel ainda ficou naquela, mas o Kinas até bateu palmas. E deu mais um risco para comemorar. Estava com um ritmo impressionante. Já era quase fenomenal o Kinas conseguir agarrar numa guitarra, quanto mais ser parte da maior banda do planeta. Mas se nada o matava, as coisas só podiam torná-lo mais fortes. O Carlitos deve ter dito qualquer coisa como “yeah, right” e foi curtir a sua moca para um sítio qualquer. A rainha podia desmaiar a seus pés e o Carlitos se calhar nem lhe dava um pontapé, numa de contestação. Mas também não a iria ajudar a levantar-se. Iria ficar ali, na sua, a tocar de forma repetitiva, num volume imutável, num ritmo constante, no mesmo timbre durante horas e horas a fio e o pessoal ia tomá-lo como um dado adquirido até que o Miguel ou o Kinas saíssem do palco. E aí o Carlitos iria para casa com a mesma roupa, o mesmo sorriso de conveniência, a mesma inexpressão de felicidade. O Carlitos não achava piada a nada mas também não achava que nada fosse especialmente trágico. Muito menos a saída do Miguelito. Provavelmente, o Carlitos nem ficou a saber. E se calhar ainda não sabe hoje. Não tem que saber. Que lhe interessa que entretanto o Ronaldo tenha chegado? A toda a gente o Carlitos envia-lhes um “bah!” insolente e mudo.
O Ronaldo é fixe. Se não fosse fixe não se aguentava mais de 30 minutos com a banda, quanto mais 30 anos. Aprendeu as regras desde o início: droga-te bastante, toca o suficiente e não reclames. O Ronaldo também se permite a mexer como o Miguel, também parece rebentado como o Kinas. Fica ali no meio. É um tipo do rock. O pessoal gosta dele, ele gosta de ser assim, de estar logo abaixo do Miguel e do Kinas e de ser respeitado por isso. É muito mais do rock do que o Carlitos. Até a minha avó conseguia ser mais do rock que o Carlitos. Nada que lhe interesse realmente. O desinteresse do Carlitos parece congénito. Ele aos 5 anos já devia estar chateado com qualquer coisa. Já devia bater nas panelas horas a fio e sempre da mesma forma e nunca batendo demasiado nas tampas para não as deformar. Aquilo não é defeito, é feitio.
Ah, e havia o Gui, que tocava baixo. Sei que ele teve uma filha com uma tipa que tinha idade para ser sua filha. E depois saiu da banda. Este nem sequer tinha cara de parvo. Ou tinha, e muito. Sei lá. Tocava baixo no baixo e estava sempre ao canto. Se perguntarmos ao Carlitos pelo Gui ele vai encolher os ombros. Aposto que já não se lembra dele. Eu próprio me surpreendo por me lembrar do Gui. Mas sei que ele existiu, ao contrário de uma gargalhada ou de um palavrão do Carlitos, que não sei se não serão coisas que pertençam a uma dimensão paralela à nossa. O Gui conseguiu ser ainda mais discreto que o Carlitos, talvez porque, apesar de tudo, o Carlitos fazia mais barulho. Uma proeza que é capaz de admirar toda a gente. Menos o Carlitos, claro. O Carlitos não se impressiona por nada. E olhem que ele já deve ter visto coisas que fariam o Chuck Norris ir chorar para baixo das saias da mamã.