quarta-feira, dezembro 31, 2008

Proposta de Cessar-Fogo

“Israel recusou proposta francesa de cessar-fogo”

Israel – Nem pensar!...
França – Pensem lá bem, é bastante razoável…
Israel – Quê? Só isso pelo cessar-fogo? Pfui! Ele ainda vai ficar connosco a crescer durante mais algum tempo e depois sim, explodirá. E aí iremos vendê-lo por muito mais. Esqueçam. Não têm mãozinhas para o cessar-fogo.
França – OK, OK, pronto. Vamos considerar um esforço adicional.
Israel – Não estou a ver, mas diz lá.
França – 1 monumento judeu em Paris e 1 caixa de champanhe.
Israel – Ora!...
França – 2 caixas de champanhe.
Israel – Queres lá ver que…
França – E 1 queijo.
Israel – Ah!
França – E…
Israel - …
França - … acho que é tudo.
Israel - …
França – Pois. Já fomos muito longe.
Israel – E…
França – Diga…
Israel – O monumento… é grande? Assim… tipo, sei lá, uma coisa… gloriosa, triunfal? Ou assim mais para o lamechas, com criancinhas e animais? É que não gosto de coisas lamechas…
França – Sim, sim, claro! Que cabeça a minha!... Esqueci-me de dizer que o monumento será o maior do género na Europa. É mesmo pujante. É uma espécie de Campo Pequeno, mas muito melhor. É do melhor que há.
Israel – Ah!...
França – Pronto, agora é que já disse tudo. Que tal? Temos o cessar-fogo?
Israel – O queijo… é de Provença?
França – Claro, claro.
Israel – 2 queijos, um para mim e outro para o Spielberg.
França – Como? Está a brincar comigo, não?!
Israel – Ai, ai, estou a ver que vamos ter um reveillon aos tiros, olá se vamos…
França – O que você está a pedir pelo cessar-fogo demonstra a sua irresponsabilidade! Tenha vergonha, sua personificação de país! Tenha vergonha! Onde já se viu, dois queijos por um cessar-fogo! Dois queijos franceses de Provença! Mon dieu, mon dieu !
Israel – Vocês é que sabem. Um queijo é razoável para o esforço do cessar-fogo.
França – Hmmm… Está bem, está bem. Isto é descer ao limiar da indignidade, mas desta vez passa. Temos cessar-fogo?
Israel – Acho que estou a fazer um mau negócio… mas pronto, vá lá… ficam vocês com o cessar-fogo.
França – Bom, devo admitir que não foi fácil, você está de parabéns. Então e quando é que ele chega?
Israel – Eh pá, pode ser já amanhã, se vocês quiserem. Não nos faz muita diferença.
França – Como assim?
Israel – Daqui a uma semana já temos aqui outro cessar-fogo ainda mais bonito a despertar-vos a cobiça. Mas esse deve ir para os americanos.
França – Raios ! Devia saber ! Vocês são mesmo propensos a… judiarias !
Israel – Ahahahah! Bang-bang, mon ami !
França – Maldito sejas !
Israel – Tem calma, pá. Nós somos a maior escola de cessar-fogos do Mundo. Somos a Academia de Alcochete dos tiroteios. Estão sempre tiros a despontar nos nossos palcos de guerra. É só promessas. Vem sempre um cessar-fogo que dá cartas durante mais algum tempo que outro, há sempre uma renovação. Nunca pára.
França – Irra ! Que este cessar-fogo me faça ao menos um bom-proveito !...
Israel – Olha, por falares em bom-proveito e para mostrar o meu espírito desportivo, vou convidar-te para comeres uma fatia do teu ex-queijo.
França – É como a estar a comer um pouco de mim… mas vamos lá. Vamos lá solidificar as nossas relações diplomáticas…
Israel – É isso mesmo, pá ! Shalom !

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Gente Comum


A gente comum não vai a lado nenhum.
A gente incomum diz que não lhes conhece de lado algum.
A gente comum é muito mais que um conjunto de anónimos da classe média, é toda uma sociedade anestesiada.
E a classe média nem sequer é mediana, é medíocre.
Troca de carro e muda de telemóvel mas a merda é insubstituível.
Quer ser ajudada e nunca ajudar, quer sacrifícios sem dor e ganhos espontâneos.
A classe média caminha a passos largos para a sua extinção.
E julga-se feliz porque pensa que está a evoluir para uma classe superior, mas está a afundar-se nas areias movediças dos interesses que a manipulam.
A gente comum pensa que é o suporte moral da sociedade.
Mas é apenas um repositório de invejas e gabarolices.
É apenas gente que quer comprar especialmente o que não se vende.
Eles não sentem a crise. Eles são a crise.
Continuam a ladrar para a caravana que os explora.
Gostam do espectáculo mórbido que é a sua própria aniquilação.
Fazem número e enchem espaço.
Agitam bandeiras e preenchem cruzinhas.
Vendem a alma por um plasma.
Desenham esquemas para sacar subsídios.
Estacionam o automóvel em lugares reservados.
Acham engraçado o cão defecar no quintal do vizinho.
Plantam couves no meio da capital.
Atribuem as culpas a entidades fictícias.
Vestem um fato para serem doutores.
Têm soluções que só colocam mais problemas.
Divertem-se a destruir as iniciativas dos outros.
A gente comum faz com que a gente reles seja algo a ter em conta.
A gente comum não percebe que está a rir-se ao espelho.
A gente comum não percebe alguma coisa de muitas coisas.
A gente comum tem demasiados olhos para uma barriga tão mirrada.
A gente comum queixa-se por tudo e por nada.
Bem o merecem.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

A Popota Mata!

Não é uma novidade recente; a Popota, segundo sei, nasceu em 2003 e era então uma hipopótama rosadita e sem grandes tiques antropomórficos, uma espécie de peluche secundário do back catalogue da Disney. Porém, foi-se sofisticando com o tempo; agora a Popota mostra que é uma hipopótamo-mulher multifacetada, que tanto denota um vanguardismo ímpar na forma como assume o papel central no seu próprio rap/ hip-hop (nunca sei como classificar este género de som…), como conserva as referências clássicas ao “Titanic”, “Pulp Fiction” e “Saturday Night Fever“ (isto é, uma certa fixação pelo John Travolta…) que a elevam a um patamar multigeracional impossível de verificar em Leopoldina, a sua grande rival, que apenas se identifica com as faixas etárias mais próximas do topo da pirâmide pelo seu vetusto nome. Popota personifica o romantismo feminino para a pequenada, seguindo o caminho outrora traçado por Miss Piggy, e enquanto que esta tinha o seu Cocas de estimação, Popota parece encontrar os seus Cocas em cada esquina, fascinando todo um grupo de rappers/ hip-hoppers (???) meio hipopótamos, meio dreads. Popota, por ter menos tempo de antena, ainda não é uma personagem muito complexa (parece ser somente uma rapariga-hipopótamo sonhadora), nem é tão grotescamente patética ou violenta quanto Miss Piggy, mas dêem-lhe mais uns aninhos.

Pois é. Quando tentamos analisar a Popota sob o prisma do realismo, vemos que o marketing do Modelo assenta em pilares de quase absurdo. Se calhar, o Natal é uma época plena de parvoíce e o Modelo até faz bem em realçar o absurdo, mas isto são outras contas.
A Popota é, em rigor, uma hipopótama. Na realidade, um hipopótamo não é isto…
… mas sim isto:

Para quem não sabe, o hipopótamo é um assassino sem piedade. É feroz como poucos animais em África e morrem mais pessoas vitimadas por hipopótamos que por leões. Uma fêmea hipopótamo com crias não é flor que se cheire e um macho acossado por outro também não. São bestas tramadas e mesmo um grupo de leoas tem relutância em atacar um hipopótamo adulto solitário.
Estamos, portanto, a criar uma falsa imagem do hipopótamo. Como já criámos com o ursinho de peluche, essa fera cruel que de fofinho tem muito pouco e que foi dos maiores embustes da história do brinquedo.
Crianças, o hipopótamo aplicava-vos uma dentada letal se pudesse. Se forem com ideias de dar festinhas ao animal, o mais provável é ficarem sem mão ou o hipopótamo pura e simplesmente esborrachar-vos.
Crianças, a Popota não é querida, é uma máquina de morte.
Crianças, a Popota mata.
Especialmente a ti, que estás aí parada em frente à mãe hipopótamo para lhe dar um abraço e pensas que estes quadrúpedes são lentos a movimentar-se em terra.
Quando deres por ti, já não terás mais prendas para pedir.
Os hipopótamos atingem velocidades consideráveis para o seu tamanho. Correm mais que qualquer criança humana. É claro que não usam saltos altos como a Popota, mas também não usam ténis Adidas.

A imagem da Popota é uma imagem de candura. O rap/ hip-hop surge como algo muito na moda, o que até é verdade, mas sempre sem nenhuma maldade associada. Na verdade, esse estilo musical nasceu nos bairros pobres e era a banda-sonora para a delinquência, o que também não está muito afastado da realidade. Tudo é belo no mundo literalmente cor-de-rosa da Popota, mas a realidade não é nada assim.
Mas ninguém se importa. Para os adultos, é tudo a brincar, estamos apenas a falar a língua das crianças. E estas também não se importam, porque não vêem hipopótamos na rua todos os dias e os rappers/ hip-hoppers que costumam ver por aí são os seus vizinhos que acabaram de sair de uma loja de roupa devidamente equipados com o traje “da moda”. E, além do mais, estamos no Natal, é dar às crianças o que elas querem, que é felicidade e prendas, ou melhor, a felicidade por intermédio de prendas (de preferência, no Modelo e com fins humanitários em vista). Não há caso. Aliás, há muito mais para nos preocuparmos para além da Popota.

Porém, a Popota é uma aberração. Uma hipopótama carinhosa que canta um rap de Natal? Ainda há-de chegar o dia em que vamos ter o tigre de Natal, o escorpião de Natal, o Luís Filipe Vieira de Natal, o Hitler de Natal e todos vão ser muito fofinhos quando dançarem o ritmo dos tops com o seu enxame de abelhas, o seu cardume de piranhas, o seu grupo de NN Boys e a sua Gestapo. Porque não?

Um dia destes pondero concentrar-me na concorrência Popota – Leopoldina. Para já, parece-me que a Leopoldina, que representa uma cegonha ou lá o que é, sendo, portanto, um animal inofensivo, está a ganhar terreno na faixa que vai até aos 6-7 anos. A partir daí até aos 12-13 anos, ganha a Popota, um animal claramente mais arrojado e mais modernaço. E dos 13 aos 19 ganham os Morangos com Açúcar e a Floribella na fase sem mamas de plástico, ou apenas a Floribella fase FHM para os rapazes com mais de 15 anos. Poderei investigar melhor estas preferências. Ou só a FHM, ainda estou indeciso.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Será Amor?

O que me suscita mais curiosidade no programa semanal da Liga dos Campeões da RTP não é tanto o espectáculo dos golos nem as fintas diabólicas desses grandes astros que libertam magia por essa Europa fora. Pode ser eventualmente interessante, mas há algo que me merece muito mais atenção: é a tensão sexual que existe entre a bela Inês Gonçalves e o comentador António Tadeia.
Inês é capaz de dilacerar corações com aqueles olhos. E Tadeia não é excepção. Ele bem tenta falar de tácticas e fazer os seus comentários, mas convenhamos que não é fácil ter aquela miúda de tez morena a olhar para nós de blusa desabotoada e perna cruzada e dizer algo de jeito que envolva gajos musculados e bolas disputadas com excesso de virilidade.
Primeiro ponto positivo: Tadeia não precisa de se desculpar pelos maus comentários.
Segundo ponto positivo: Inês não precisa de fazer perguntas muito difíceis.
A audiência está apenas à espera que alguém assuma que deseja carnalmente o outro, ver a Inês ainda mais desnuda que no “Dança Comigo” ou ver resumos comentados pelo Alexandre Albuquerque – a conversa em si não interessa para nada.
Aliás, Inês nem sequer precisava de ser jornalista, podia ir ali ao café da esquina e compilar três ou quatro bitaites junto daqueles senhores que estavam a apreciar um bagacinho, voltar ao estúdio e fazer as perguntas, ninguém iria notar a diferença – pois a maior parte apenas iria notar se algo de muito anormal se passasse com a Inês. Por exemplo, se ela pintasse o cabelo de vermelho.
Não raras vezes, Tadeia atrapalha-se momentaneamente no seu raciocínio, gagueja um pouco e notam-se os seus olhos a brilhar, balançando de um lado para o outro, para cima e para baixo, devorando a bonita Inês. É humano, nós compreendemos. Inês pergunta “O BATE Borisov acaba por ser uma pequena surpresa, não é?”, e Tadeia diz “Sim… hãããã… Podemos dizer que sim”, mas pensa, amordaçado, “Irra, que esta gaja quer acabar comigo, enquanto homem e enquanto comentador que quer ser respeitado!”. Inês questiona “Mas o Werder Bremen ainda tem hipóteses, recebe o líder em casa…” e Tadeia imagina “Se tu fosses à minha casa, não te dava hipóteses”.
O programa acaba por ser um tormento para Tadeia, que ultimamente até tem revelado um profissionalismo notável – ficar sério e concentrado apenas no futebol é difícil, sem dúvida, e deve ser sublinhado o seu estoicismo. Deve ser muito mais confortável, embora menos excitante, escrever pataquadas nos pasquins diários. É que Inês provoca, vai buscar as lesões no eixo defensivo, mexe no cabelo, procura nos apontamentos algo sobre a história recente das equipas espanholas e depois aparece de blusa aberta em pleno Outono-Inverno. E Tadeia vai acompanhando o dress-code, abusa do estilo informal e, não por acaso, dispensa as gravatas que apertam ainda mais a garganta. O que Tadeia quer é identificar-se com Inês, talvez com a secreta esperança que ela perceba que ele consegue falar a mesma língua, que consegue perceber as necessidades e anseios de Inês e que ele próprio tem as suas vicissitudes hormonais, tudo com o propósito de arranjar um encontro em horário pré ou pós-laboral.
Acho que o Tadeia já está por tudo. Ficar um serão em frente à Inês e trabalhar ao mesmo tempo não é para todos. Desejo-te a melhor sorte, Tadeia, e que vocês se entendam e que façam muitas Inesezinhas bonitas e muitos Tadeiazinhos opinativos.
E quanto a ti, Inês, aprecio o teu esforço para fazeres perguntas pertinentes, mas aprecio muito mais o teu físico e os teus sexy games insinuantes. Verdade seja dita, és muito melhor que a Cecília Carmo.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Beto II

- Beto, posso fazer-lhe uma pergunta?
Galdino só podia estar a sonhar. Mas ainda lhe reconhecem na rua? Espectacular! O objectivo concretizado de uma vida inteira. Orgulho. Vaidade. Espera aí!... Estaria o anónimo a dirigir-se mesmo a ele?
- Ocê tá falando com eu? – tenta certificar-se Galdino, pouco crédulo nas suas próprias qualidades.
- Claro que sim, Beto.
- Pôxa, qui légáu. Ocê ainda si lembra dji eu?! Ôba! – parece uma criança, o Galdino. Aquele sorriso fininho e trocista como só os bons brasileiros amantes de caipirinha com elevado teor de cachaça conseguem desenhar num rosto, os olhos afundando-se num refastelado comprazimento, os dentes meio lascados e com enormes espaços entre si – Galdino ficou muito contente. A alegria foi tanta que os papéis inverteram-se: Galdino seria a estrela, mas comportava-se como um fã adolescente perante o seu próprio fã. Paradoxal, mas em Galdino já esperamos de tudo um pouco.
- Beto, você é mesmo beto?
- Ué?
- Se você é mesmo beto?
- Pôxa, acabei dji dizê qui sim… – “mau”, pensa Galdino (já traduzido para português), “mas queres ver que este gajo afinal está enganado? Logo vi, era bom demais para ser verdade…”
- Sim, eu sei que você é o Beto, mas queria saber se era beto…
- Não tô entendendo, não…
- Pois, se calhar os brasileiros não sabem bem o que é um beto… Bolas, não me diga que após tanto tempo em Portugal não sabe de nada disso…
- Não sei dji qui ocê está falando… – Galdino já só pensa em se vir embora rápido, não vão encontrar nele as culpas para qualquer coisa. A única culpa que Galdino assume é a de ter marcado uma vez um golo que alimentou as expectativas do clube das grandes expectativas. Isso quer dizer que Galdino não assume a culpa de ter defraudado as expectativas de quem construiu essas desmesuradas expectativas, pois eles sempre as construíram enquanto bebiam vinho de mesa pelo garrafão em cima de um pano da louça num banco de jardim. Mas, pronto, já se tinha resignado e não valia a pena estarem sempre a zombarem com a figura dele. Já nem sequer tinha o cabelo amarelo, situação de que agora se arrepende largamente – consta que o milhafre Vitória até o quis arrancar à bicada, julgando estar ali um canário indefeso…
- Eu explico: “beto” em português quer dizer um tipo de Cascais… com sapatinho de vela e cabelo que foi ao barbeiro dentro de uma forma de alumínio… com um gosto execrável para a moda… filhinhos do papá que adoram pólos de râguebi…
- Não sei dji nada… Eu sô apênais o Beto… Por favô, não xinga eu…
- Não viste nada? Bolas, não conheceste ninguém assim?
- Não meismo. Eu só via sujeitos gorrdos, dji bigodji, falando alto e com palavrão…
- Ah, pois é, eras do Benfica… realmente, aquilo é só xungaria e tipos do 9º ano para baixo… se bem que há sempre um beto ou outro adepto do Benfica… afinal, os tipos são para cima de 12 milhões…
- Ué? Não eram seis?
- Ó Beto, pá… És tão bom a ler jornais desportivos como para jogar no meio-campo… Nunca leste “A Bola”? Eram seis milhões quando lá estavas, agora são sensivelmente o dobro e por volta de 2015 será o mundo inteiro, menos o Dias Ferreira.
- Nossa, qui clubi grandji…
- Sim, o maior na fanfarronice e na propaganda para idiotas, mas eles gostam de acreditar que são mesmo os maiores. É uma espécie de esquizofrenia congénita. Também acreditam no Pai Natal, que o Nuno Gomes tem dois testículos e nas promessas do Governo. Mas não nos desviemos da conversa: então tu não és beto?
- Sou Beto, sim. Não é meu nome dji batismo, mais sô conhecido por Beto.
- Irra, que ainda és mais parvo do que pareces… Jogaste nos vermelhos pouco tempo, mas isso afectou-te mesmo, pá… Mas deixa estar, olhando para esse aspecto, não tens mesmo perfil de beto.
Galdino amargura. Já lhe tinham dito que não era grande jogador, já lhe tinham dito que cheirava mal, já lhe tinham acusado de perder os jogos sozinho mesmo quando era o único que corria… mas nunca lhe haviam dito que não tinha perfil para ser ele próprio. Pelo menos, ele assim o entendeu – os meses que passou no grémio do pássaro a que chamam águia toldaram-lhe o pouco raciocínio lógico que possuía e agora já não compreendia nenhum trocadilho. Só grunhidos “hum-hum” e arrotos sonoros. Chamem-lhe o preço da (má) notoriedade efémera. Galdino fica triste.
- Pôxa… Não tá justo, eu sô bom profissionau…
- És, pá, tu até és… mas havia necessidade de ter aquele cabelo? Perdeste toda a aura, Abel Xavier só há um!...
Ah!, o cabelo amarelo! Tinha de vir à conversa.
- Foi uma fase… houvi a fasi do clubi fora das competições européias, houvi a fasi do DVD do presidentji, houvi a fasi do Deus Manuel Costa e houvi a fasi dji eu com cabelo amarelo. Já passou, né?
- Eh pá, mas agora ainda pareces pior… podiam confundir-te com um assaltante de bancos…
- O presidentji estava disponíveu para mi dá lições… mais dipois disse que eu já não era preciso, qui iria fazê todo o trabalhinho sozinho…
- Deixa estar. Foi um bocado parvo da minha parte pensar que podias ser beto… és apenas mais um brasileiro banal que teve o seu momento de glória. Salvo seja.
- Isso é bom?
- Acho que sim, pá, acho que sim… bem, visto que não és beto, já pensaste em usar outra alcunha? É que tu, bem vistas as coisas, estás a utilizar uma alcunha que nada condiz contigo… tu és mesmo um bronco de primeira… devias usar uma alcunha tipo Bronco, ou Bruto, … ou então nem alcunha tinhas, eras mesmo o Galdino… Beto? Beto!
Galdino foi-se embora. Farto de aturar gente que nunca compreendeu o seu génio indecifrável, foi recortar pedaços de jornal do seu grande herói Koeman. Depois iria afogar mágoas com uma bela picanha, sonhando com o dia em que seria finalmente reconhecido pelo seu valor… qualquer que ele fosse.

terça-feira, novembro 25, 2008

Beto I

- Beto, posso fazer-lhe uma pergunta?
Roberto vira o pescoço na direcção do som. É um tornar de pescoço pleno de enfado, as sobrancelhas lamentam “que maçada!” e a boca engelha-se, revelando o tédio que assola Roberto. Porém, a carreira de Beto, no ano da graça de 2008, ainda não se encontra totalmente arrumada, pelo que não será de bom-tom recusar a atenção do público em geral. Por enquanto, ainda não. Daqui a um ano logo se vê, se calhar já os pode mandar passear à vontade, se ainda tiver o jipe com vidros fumados para fugir deles. Roberto exala então um pesado suspiro e anui.
- Sim, sim, à vontade.
É claro que é mentira. Roberto não está à vontade. Está atrasado para jogar Playstation até que o seu colega chegue com umas meninas lá a casa.
- Beto, você é mesmo beto?
- Sim, claro. É uma alcunha que me persegue ao longo da vida. Já faz parte de mim ser Beto – responde, com naturalidade. Afinal é apenas mais um daqueles fãs estúpidos com perguntas parvas. Roberto faz aquela cara de quem já fumou cinco ou seis ganzas no balneário, um sorrisinho levemente aturdido, pálpebras carregadas e olheiras proeminentes.
- Não, Beto. Eu queria era saber se você é mesmo beto?
- Como assim?
- Beto… assim um tipo sem jeito…
- Não estou a alcançar… – e Roberto começa a pensar que isto é uma brincadeira de mau gosto. Qualquer dia ainda lhe dizem que a sua ex-mulher era um homem. Ou que o Custódio era um tipo porreiríssimo. Ou que o Real Madrid estava mesmo a contar consigo. Ou que os extraterrestres ergueram a Casa da Música no Porto.
- Beto, assim à primeira vista não me parece que sejas o beto que te perguntei se eras… mas pode ser que sejas…
- Ai, então pá? Então não estás a ver que sou o Beto? – Roberto deduz com algum grau de certeza que está a ser vítima de um espertinho qualquer e começa a franzir o sobrolho, pronto para cuspir insultos e mandar um banano ao tipo. Como se ainda fosse um capitão de equipa que, na sua mente, nunca deixou de ser. Marcava-lhe já um livre directo com a ponta da bota nos dentes do espertinho e… toma lá que é fresquinho!, a ver se aprendes a respeitar o Beto – Eu sou mesmo o Beto, pá! – diz Roberto, puxando dos empoeirados galões que ostenta algures na sua imaginação.
- Ó Beto, o que eu quero saber é se te consideras mesmo um beto… daqueles de Cascais… com sapatinho de vela e cabelo que foi ao barbeiro dentro de uma forma de alumínio… com um gosto execrável para a moda… filhinhos do papá que adoram pólos de râguebi…
- Ah!!! – Roberto percebe e condescende – Ah, estou a ver…
- … daqueles tipos que exibem três nomes ou um nome estrangeiro que fazem questão de mostrar em cada ocasião para mostrar que são os maiores… que têm um carro de alta cilindrada logo aos 18 anos…
- Sim, sim, claro…
- … daqueles tipos que nunca precisaram de fazer fretes na vida porque os papás sempre lhes deram tudo… daqueles tipos que não vivem sem que a empregada lhes faça tudo e mais alguma coisa…
- Pois, pois, certo…
- … daqueles tipos que gostam de touradas só porque é giro gostar da tradição… e que tratam por você toda a gente… e que só admitem ser chefes…
- Já percebi, já percebi…
- … daqueles tipos extremamente presunçosos que só se dão com outros amigos betos e cujas gajas só estão com eles pelo dinheiro e pelo facto de poderem andar a cavalo…
Roberto sofre um clique:
- Eh pá… a Filipa gostava de andar a cavalo? Foi por causa disso?
- Se calhar, pá… se calhar…
- Esquece, esquece… deixa lá estar… – a mágoa percorreu Roberto, estava a delirar, ia marcando um auto-golo. Recompôs-se rapidamente.
- Afinal és beto ou não, Beto?
- Bem… julgo que não. Creio que a maior parte dos betos que referes são do Sporting, mas nem todos os sportinguistas são betos. Eu, por exemplo, sou só Beto de nome.
- Então e como é que te defines?
- Eu sou mais do estilo metrossexual tímido. Ali entre o Beckham e o Rui Patrício, mais ou menos.
- Se é assim… Ainda pensei que fosses mesmo um beto… Não achas que podes criar um conflito na mente das pessoas? Todos nós pensamos que és beto… senão não te chamavas Beto, que é uma alcunha assim a atirar para o rasco… chamavas-te Berto, ou Róbi, ou Sr. Filipa de Castro…
- Sr. quê?!? Como assim? – Roberto abespinha-se: o cabelo espeta-se ainda mais, mesmo sem recurso ao gel, as tatuagens de Roberto incendeiam-se de fúria, agora é que vai sair um carrinho destravado aos tornozelos do engraçadinho, ai isso é que vai – Ouve lá, pá, a minha mulher…
- Ex.
- … a minha ex-mulher não é para aqui chamada, ouviste? Não sei nem quero saber nada sobre ela!
- Ai não?
- Não!
- Então deixa estar, já não quero saber se és beto ou não. Sempre pensei que a Filipa andou contigo só por causa de seres um beto, Beto. Se já não sabes nada dela, já não me interessas. Vou tentar saber mais sobre ela noutro lado.
Roberto fica com dúvidas sobre a sanidade mental do adepto e demonstra a sua costumeira expressão de reprovação e repulsa com que amiúde confrontava os árbitros. O fã ainda mete mais conversa:
- Mas, por outro lado, ainda bem que não és beto, Beto. Os betos são muito mal vistos. Mesmo se o Beto do Leixões se ande a safar.
- Boa, boa, porreiro – disfarça Roberto, a ver se o amigo já lhe mandou alguma mensagem para o telemóvel.
- Achas que é ele que agora anda com a tua mulher? Ou será um beto qualquer do Estoril, tipo Soares Franco? Ou um dos filhos dele? Ou se ela já se cansou de Betos e de betos? Será que ela agora prefere bêbados broncos do Benfica? Não sabes mesmo nada sobre a tua mulher? Aquele par de mamas não pode andar à solta! Como é que deixaste que ela fugisse?!? Vá lá, vá lá, conta-me tudo! Eu quero saber!
Roberto tomou balanço, cerrou os lábios e disparou uma cotovelada que só parou no crânio do fã. Cá vai disto! Uma pessoa pode perder alguma dignidade durante a sua vida, pode perder a sua mística e o seu brilho… mas nunca perde o jeito que lhe imortalizou. Foi uma cotovelada galáctica, todos o disseram. Está em forma, o Roberto.
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Apesar de neste post poder ficar a ideia de que tenho algo contra a Scarlett, não é verdade – se lerem com atenção, até notam que não me importava nada que ela me piscasse o olho. A minha crítica visava essencialmente o empolamento unânime que os “paineleiros cinematográficos” e afins fazem da miúda, como se não houvesse nada melhor que esta estrela de cinema.
Para mim, há – em termos meramente físicos, entenda-se. Inclusivamente, há portuguesas de muito bom nível que se tivessem o marketing da Scarlett, um Woody Allen qualquer por trás, poderiam tornar-se num caso sério. E esta até é do Sporting. E, por acaso, não é a minha vizinha, mas é uma modelo com alguma projecção – doutra forma, nunca a veríamos nestas poses.
Isto não coloca em causa o que se deve reter do meu ponto: existem muito mais cidadãs anónimas (e também do Sporting, que funciona como uma espécie de selo de qualidade extra) com condições para nos encher o olho como a Scarlett ou como a Vanessa.
PS: Agora que já inventei uma desculpa para pôr estes links, devo confessar: não gosto das tatuagens no pé e a Scarlett dispensa silicone, mas pronto; pormenores são pormenores.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Corpo Depenico

Eu sei que ela tem mau gosto. Ela ainda ouve Iran Costa e delira com a dança do bicho sem estar a brincar. Ela gosta mesmo. E quanto mais o tempo passa, mais devota ela se torna.
E depois ela tem uma boca à Stallone, torta, parece uma porca deformada à espera de um parafuso. Se calhar dá jeito para o sexo oral. Se calhar.
O mau gosto alarga-se a outras vertentes. Não chegava aquele cabelo oleoso, mal penteado e mal apanhado com um elástico imundo; aquelas roupas cor-de-rosa e os mesmos jeans de há dez anos atrás, gastos e rotos, também não eram suficientes. Agora ela colocou uns óculos com grossas hastes avermelhadas… os olhos até são azuis e fortes, mas aquelas hastes berrantes e com um design de imitação vêem-se a uma grande distância, como se ela quisesse chamar todos os touros até si.
É capaz de ser verdade: ela quer que os cornudos venham até si. É fácil de compreender que ela tenha sido traída pelo próprio marido e que agora queira vingar-se de alguma forma. Ela já deve ter sido traída e traído mais vezes do que nós julgamos. Mas isso não é nada de especial. É a vida, é o salve-se quem puder.
Seria giro considerar uma vingança a sério, para variar. Do género trair-lhe com o maior amigo ou inimigo e extrair algum gozo verdadeiro com isso. Porém, ela não tem sofisticação, nem tempo, nem forma física para augurar uma vingança das boas, servidas a frio – ela apenas pode aspirar a aspirar os restos da sociedade, sem sentir demasiado nojo com isso, despachar a coisa com uma automatização quase animalesca. A vingança dela será sempre a quente, gratuita e de baixo nível, com quem aparecer na hora certa, com quem parecer mais errado.
Ela até parece estar mais baixa. Mas, por outro lado, está mais larga – para a frente e para os lados. A flacidez é algo de adquirido, cortesia de dois filhos prematuramente paridos, dois pirralhos que têm a mesma boca descaída da mãe, o mesmo semblante de indignação cigana, a mesma inclinação para o disparate fácil. Aposto que a filha que caminha a passos largos para a adolescência já sonha em ceder o seu corpo por um cigarro. O miúdo já só quer coçar os tomates, ainda antes de chegar à escola primária. Os genes estão lá todos.
Ela vai a caminho do supermercado, repor latas de atum, roer as unhas para cima da maionese, descalçar-se enquanto despacha os fregueses na caixa. E depois vai buscar os miúdos à creche e largar grande parte do seu salário. O marido, um adepto do tunning e da box pirata, já se encontra desde as duas na tarde a aconchegar o estômago com cervejas e Martinis, consumindo um SG Filtro regularmente a cada quinze minutos. Ganhou um jogo de snooker. Perdeu outro. O suficiente para perder a paciência e deixar os filhos à espera.
Mas estará tudo bem à noite, sob a luz incandescente da TVI, batatas fritas e duas bifanas mal-passadas, os miúdos a dormir e o sexo do costume, as banhas a chocalharem-se umas nas outras, as varizes a serem importunadas, nenhum gemido, nenhum sorriso, apenas uma sensação de dever cumprido. Os fluidos irão umas vezes para dentro, outras para fora; na maior parte das vezes não se pensa no depois e com muita sorte não se tem outro filho. Lá vai calhando. O melhor mesmo para o planeamento familiar é estarem ambos zangados ou ele ficar demasiado bêbado para fornicar.
Acho que sei onde encontrá-la. Na paragem da camioneta, esperando pela carreira que vier em primeiro lugar na qual arranja logo lugar sentada. Terá sempre alguma desculpa e maus modos para fazer alguém se levantar. E alguém dirá que não? Apesar de tudo, é uma senhora.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Esta É A Minha Crise, Conta-me A Tua

A crise dos pobres era uma crise localizada – basicamente, Apelação, Miragaia e todo o interior. Sempre os mesmos. “A culpa é do Governo”, ai os meus filhos, etc.. Bah.
A crise dos ricos é uma crise de todos – em traços gerais, todos havemo-la de pagar via impostos, via juros ou via desemprego. Ter tanta diversidade de opções é reconfortante.
Viva a globalização.

Acho que os ricos se fartaram dos joguinhos de computador e de pós-graduações no estrangeiro.
Aquelas canetinhas nos PDAs são engraçadas nos primeiros dias, mas é preciso algo mais. Sei lá, uma falência, umas transferências ilegais para uns off-shores, qualquer coisa que espevite.
Olharam à volta e viram “eh pá, o pobretanas chora, chora, mas ele é que mama os prémios todos do Malato e das meninas da madrugada na televisão – se queremos liquidez temos de descer a este nível”.
E vai daí, toca a chorar para mamar mais um bocadinho. Ou um belo bocadão. Mas com sofisticação. Ninguém quer ver a Júlia Pinheiro em roupão outra vez. Desta vez é mais “ou os vossos impostos pagam as nossas trafulhices ou não há guito para ninguém” em horário nobre, de forma a que até a Fátima Campos Ferreira consiga perceber. Alguém consegue ficar indiferente a este choro?
Vamos mas é mudar a fralda, não é? Senão o rabinho assa e ainda pode ser pior.

Está tudo bem, dr. Ricardo Salgado? Ainda bem, eu também gosto muito da maneira como olha por cima dos seus óculos.
Então dr. Fernando Ulrich, não come a papinha que acabei de fazer? Não gosta de bananinha, dr.? Para a próxima faço-lhe um guisadozinho, está bem?
Ora essa, dr. Santos Ferreira, por quem é? Esteja descansado que havemos de arranjar-lhe qualquer coisa para não ficar por casa sem saber bem o que fazer. Não há nada pior que o tédio, eu sei. Estaria interessado numa Lusoponte? Ou numa Mota Engil? Excelente escolha, eu também acho que o dr. Jorge Coelho é muito bom rapaz. Agora coloque aqui a sua cabecinha… já arrotou? Pronto, pronto.

Foram dadas instruções aos funcionários do BPN para tranquilizarem os clientes.
Com uma pistola de dardos, entenda-se.
Ainda bem que no BPN têm todos boa pontaria. Olha-se para a Administração e vê-se que toda a gente estava perfeitamente alinhada – eram quase todos membros relevantes no aparelho do PSD e juntaram-se num banco, assim como quem combina um cafezinho num lugar aprazível. Isto para mim é que é acertar em cheio.
A dose de tranquilizante não será letal, de qualquer forma. Apenas o suficiente para os clientes adormecerem umas horitas até que se consiga retirar todos os objectos de valor dos balcões. O dinheiro incluído, claro. Apesar de tudo, o dinheiro continua a ser um meio de pagamento aceite. Pelo menos até 4ª feira.

Paulo Teixeira Pinto, em onda negativa, viu o seu filho morrer esta semana. Foi, dizem, morte súbita e só contava 22 anos.
Já tinha visto morrer o negócio de fusão BCP-BPI há pouco.
Portanto, já pouco o poderia chocar.
Se o tipo não fosse crente em Deus, não sei como se aguentaria.
A fé em Deus é tudo. Os montantes milionários da sua reforma e as maquias exorbitantes exigidas pelas suas conferências também são alguma coisa. Mas o que lhe vale é ter fé em Deus. Pode não mover o Jardim Gonçalves, mas move montanhas.
Pelo menos, o Paulo Teixeira Pinto já não está casado com a Paula Teixeira da Cruz. Isso faz maravilhas à auto-estima de um homem, tanto que o Paulo é agora pintor e poeta – curiosamente, através de uma empresa por ele adquirida. Se o coitado se esforçar, ainda é capaz de ter uma exposição em nome dele. Apoio sempre os tipos que vêm de baixo e conseguem chegar ao reconhecimento público. Especialmente, estes que têm tanta fé despreocupada em Deus.
Até eu me torno mais crente.

Ninguém me tira esta convicção.
A Paula Teixeira da Cruz urina de pé, como um homem.
Tem toda a cara disso, embora eu não o possa provar. Nem quero.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Isto Não É Um Post

- Isto não é um post…
- Então é o quê?
- Eh, pá, é encher chouriços, como se diz na minha terra.
- Qual é a tua terra?
- Azambuja.
- Espectáculo! Eu sou do Cartaxo! O mundo é mesmo pequeno…
- Parabéns. Mas isto continua a não ser um post.
- Então não é? Não estás a lê-lo?
- Eh, pá, estou por aqui a fazer figura de urso… estou a colaborar com esta trampa toda, é o que é… mas isto dificilmente pode ser considerado um post…
- Então mas querias o quê?
- Queria… substância.
- Substância?
- Sim, pá. Então um gajo perde tempo a escrever diálogos com pretensões pseudo-situacionistas que não levam a lado nenhum, que nem sequer adiantam nada a nenhuma coisa, e que ainda por cima não são nada de especialmente original para os seus próprios critérios, quando há tanto por onde pegar?
- Tanto por onde pegar? Como assim?
- Bolas!... Crise financeira, crise económica, crise política, corrupção, crimes violentos, a fuga da águia Vitória, o seu próprio quotidiano, sei lá; tanta actualidade fresquinha por onde pegar…
- E um tipo não pode só escrever o que lhe apetece, sem nenhum objectivo?
- Eh, pá, pode; mas isso não vai garantir nada de bom.
- Nada de bom?
- Sim, nem audiência, nem boa crítica, nem mesmo nada de que o escritor possa orgulhosa e egocentricamente relembrar-se mais tarde… isto é “junk writing”.
- Eu até gosto de “junk food”.
- Faz mal ao estômago.
- Pois faz. Mas sabe bem.

- Então e como é que é?
- Como é que é o quê?
- Já concordas que isto é um post?
- Não. E nem quero falar mais contigo. Estou farto de colaborar nestas palhaçadas. O escritor que escreva mais algum dos seus delírios. Que se drogue mais um bocadinho para ver se lhe surge mais alguma ideia, que sem droga o tipo não funciona. Agora… para este peditório eu já não dou mais.
- Mas até tecemos algumas considerações sobre “junk food”…
- …
- Já é alguma coisa…
- …
- Muita gente importante da nossa praça escreve textos longuíssimos sem sequer dizer nada de jeito… e nós concluímos algo sobre a “junk food”…
- …
- Não achas? Apesar de ser uma conclusão banal…
- …
- Mas pelo menos não reconheces o paradoxo de estares a afirmar que isto não é um post e ao dizê-lo estares a tornar isto num post a sério?
- …
- Pode não ser dos melhores, pode não ser muito original… mas é alguma coisa, não? E só é visto por aqui, que eu saiba…
- …
- Dá-lhe esse desconto, pá… O escritor até está a dar-te algum protagonismo…
- …

- És um grande teimoso.
- Eh, pá, volta lá para o Cartaxo.

terça-feira, outubro 14, 2008

Assediem-me, Por Favor

Natércia não é um nome fictício. Apenas a sua beleza o é, segundo os parâmetros normalizados desta sociedade que vê a bimba da Floribella e os seus dois chumaços peitorais como algo extremamente voluptuoso. A sua para-actividade é tentar despertar as atenções dos seus colegas masculinos no local de trabalho. Para quê? Apenas para dar dinheiro às lojas de roupa e aos catálogos de produtos de beleza. Pois os resultados práticos, até ver, deram em nada. Pronto, ficou com um torcicolo de tanto olhar para o Abel do 5º piso. E o Abel reparou mais no computador de Natércia do que nela própria, mais fascinado pelas memórias RAM do que pelas suas pernas deliberadamente ao léu.
O emprego consome toda a sua vida própria. Acorda cedo para chegar lá, almoça por lá, ceia por lá, quase só lhe falta dormir por lá e já houve quem desse à luz por lá. Não há tempo nem espaço para a socialização fora do emprego. E se não se arranjou com um homem enquanto ainda não era refém do seu próprio trabalho, não era agora, na pele de uma trintona submissa ao patronato, que Natércia podia arranjar. Tinha de conseguir alguém que vivesse naquele habitat.
E aquele habitat possuía condições muito duras, semelhantes ao mais inóspito deserto. Uma parte já tinha família constituída; outros apenas se dedicavam de corpo e alma à empresa, fazendo amor com ela em cada serão e fim-de-semana passado pelo open-space. Todos pareciam razoavelmente felizes com os seus respectivos pares. Tensões sexuais nunca pareceram existir. Enfim, uma aparente cambada de assexuados.
Depois apareciam as grávidas. Os filhos. As namoradas. Afinal aquela gente até faz amor. Tem sexo. Manda umas trancadas. Sabe dar uso à genitália. Gosta de apalpar. Aprecia vestuários ousados. Tem fantasias. Adora ver o sexo dos outros. São mesmo uns grandes voyeurs, discretos como se quer. Ninguém suspeitava, mas o chefe teve de ter um impulso sexual qualquer para ter tido o filho que é a cara dele. E se a sub-directora fala em roupa para bebé é porque houve rebaldaria lá pelo quarto dela, numa altura qualquer.
O desejo de Natércia, para além de manter um bom currículo, é o de adicionar algum sal à sua vida, presentear o seu sexo com as coisas boas que ela apenas supõe que ele pode dar e receber, aquilo que ela tanto vê nas novelas e nas revistas. Natércia quer ser assediada. De uma forma qualquer, tanto faz. “Bolas!, reparem em mim!”, diz ela em surdina com a sua blusa bem desabotoada. Quer que a usem num jogo sexual. Quer ser proposta de alguma forma, impúdica ou sacramental, para um acto de cópula. Natércia quer, pelo menos, ter esse prazer de sentir o seu corpo admirado por alguém, ser a maçã proibida de alguma alma masculina caridosa e, de preferência, bem robusta a nível físico. Mas não. Ninguém lhe passa cavaco. E ela nem sequer pesa 80 quilos como a Ricardina, que anda feliz com a sua vida de recém-casada. Como é que a gorda conseguia? Sim, Natércia tem muita inveja.
Inveja e raiva, de ver tantos e tão bons avanços destruídos desta forma que nem lembra ao Diabo – na verdade, denúncias como esta que aqui veio transcrita levam Natércia a suspeitar que até uma freira não teria coragem de recusar constantemente estes avanços e acabaria por ceder de uma forma ou doutra. “Deus dá nozes a quem não tem dentes”, repetia ela para si mesma, acreditando que ainda poderia ser alguém no mundo da carne. Se os assediadores soubessem o que Natércia pensa deles, nem sequer perderiam tempo a assediar essas mocinhas petulantes e viriam logo ter com ela, seria uma situação de claro win-win.
Um dia alguém há-de olhar para ela de alto a baixo, alguém há-de convidá-la a sair, e nesse dia ela promete que tudo vai fazer para não assustar o assediador. Nunca haverá violação, porque ela estará disposta a deixar-se possuir em qualquer circunstância, até na sala de reuniões em frente de todo o Conselho Directivo, tão ardente é o seu anseio. Alguém que (se) venha, rápido. Que bom será sofrer de assédio. Se é que se poderá designar de “sofrer”.
Não, isso será uma pura massagem para o ego. Seria muito agradável ela também fazer parte da percentagem das que são assediadas no trabalho. Seria muito bom sentir o bafo de homem, que isto do trabalho é muito bonito e faz muito bem, mas não conforta nem o corpo, nem a alma – e ela sabe-lo bem, naqueles intermináveis Sábados à noite que passa sozinha a rever relatórios. Natércia vai rezando para que esse assédio surja, em forma de linguagem brejeira, gabardina aberta ou outra qualquer. Ela lá estará de mente, braços e pernas abertas para recebê-lo.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Mata Os Teus Ídolos

Há uma obsessão que caracteriza o homem moderno e intelectual: o gosto pela Scarlett Johansson.
Quando este homem se quer referir ao protótipo de mulher fatal, fala na Scarlett. Quando quer exemplificar uma grande actriz, ilustra o seu pensamento com a Scarlett. Quando quer idealizar o modelo perfeito de beleza feminina, pensa na Scarlett. O sinónimo de sex-appeal nos seus dicionários vem adstrito a uma foto de grande decote da Scarlett. Todas as imaculadas sessões fotográficas em que ela participa têm apenas o propósito de Scarlett inundar com a sua aura de deusa todo o enquadramento que, sem ela, seria apenas um fundo cinzento. Ela simplesmente despedaça os corações destes pobres homens, prostrados e babados a seus pés.
E gera-se toda uma unanimidade que ninguém ousa colocar em causa. A Scarlett é a maior, é a mais bonita, tem as maiores mamas naturais de Hollywood (pronto, talvez sejam as únicas), é a maior actriz do século, do milénio, se eu visse a Scarlett a 100 metros de mim eu desmaiava e etc. e tal. Parece que não havia mulheres antes de Scarlett e que não vai haver depois de Scarlett, tal a euforia de mais esta moda. A febre engloba gajos de esquerda, de direita, do Sporting e do Benfica, todos eles extremamente esclarecidos e que nos dizem: “Rapaz, se não gostas da Scarlett, é porque tens algum problema”, tal é a abrangência consensual da divinal Scarlett.
O problema está todo neles. Desculpem-me os Scarlettófilos, mas se aquela é a mulher mais bonita do mundo é porque vocês não estão perto de uma bela mulher de carne e osso há bastante tempo. Com toda a dose de subjectividade, a Scarlett não é a mulher mais bonita do cinema. Nem sequer é a melhor actriz. É, quiçá, acima da média, mas não dá para compreender as parangonas atribuídas por estes tipos em deslumbramento colectivo. Por exemplo, eu vejo todos os dias mulheres bem bonitas nos transportes públicos. Talvez mais bonitas e sensuais que a Scarlett. Ah!, mas claro, estes tipos nem sequer saem de casa, estão fartos de aturar os miúdos e a sua mulher agora transformada num saco de batatas e, portanto, têm de se contentar com as referências que vêem na Internet sobre beleza feminina. Eu percebo. Mas isso não serve de desculpa.
É que há mesmo muita mulher bonita aí pelas ruas. E muitas feias, claro. Nem todas têm um metro e oitenta, nem todas merecem sessões glamourosas de fotografia a preto-e-branco, nem todas têm a possibilidade de entrar em filmes, mas o potencial até existe. Estou convicto que esse potencial está lá todo e isso até beneficia a minha auto-estima, dado que eu acredito que consigo arranjar algo melhor que a Scarlett e não preciso de ficar à espera dela para me sentir realizado. Se é que um homem alguma vez se sente plenamente realizado em termos sexuais, mas isso é outra questão.
Eu gostava de ter um affair com a Scarlett, não nego. Ela tem, de facto, um par de mamas que me ofuscam a vista. Mas eu também gostava de ter tido uma relação ocasional com muitas mais mulheres. Não preciso de um produto cinematográfico para construir as minhas fantasias. Convençam-se que a Scarlett tem pêlos nos sovacos. Apenas os rapa. Convençam-se que a Scarlett tem cáries nos dentes. Apenas as disfarça. Convençam-se que a Scarlett também dá puns. Apenas não os gravam em filme. Convençam-se que a Scarlett tem buço. Apenas recorre ao Photoshop. Enfim, convençam-se que a Scarlett é mais uma dentro dos milhões de mulheres por todo o mundo que nos podem parecer interessantes. Ainda vão a tempo de acordar desse sonho cor-de-rosa.

Também acho que o Jerry Seinfeld é o pior comediante internacionalmente reconhecido como sendo genial. O tipo é execrável como comediante. A fixação por ténis brancos, aquele ar americanóide de cabeçudo insonso e as piadas sequíssimas, estrategicamente decoradas com gargalhadas pré-fabricadas, destinadas a entreter trintões suburbanos que estão a aquecer o 4 Salti para a refeição, constitui a face mais deprimente do humor. Aquilo não é intelectual, nem é brejeiro. Não é nada, senão uma moda de pseudo-parvoíce que pegou. O Jerry Seinfeld não tem graça nenhuma. O Constanza tem muito mais – talvez seja o único naquele triste programa em que os interlúdios de slap bass são repetidos irritantemente até à exaustão. Mas não me apetece alongar-me muito a dissertar directamente sobre um tipo que, manifestamente, não gosto. Isso não tem piada.

sexta-feira, setembro 26, 2008

Justiça Popular

Mesmo que mais de trinta anos tenham passado e as situações não sejam comparáveis, reconheço que a UDP até tinha razão. Hoje, o que está a faltar é mais justiça popular, com toda a carga negativa que possamos associar ao povo, essa massa indistinta de indivíduos de mau-aspecto, analfabetos, rudes e retrógrados. Estamos fartos de falinhas mansas. Já não podemos ouvir falar de “grupos de jovens” armados a infernizar os subúrbios. Não queremos mais veredictos assépticos. Não queremos mais saber dos direitos dos réus. Queremos devassar os delinquentes de uma maneira cabalmente dissuasora, pronto. E queremos mexer os nossos cus de uma forma mais divertida que andar em passadeiras rolantes nos ginásios. Há algo mais divertido que o linchamento público, sendo nós os linchadores?
Nem poderíamos conceber uma outra visão para a justiça popular. Quando falamos em justiça popular, pensamos logo em milícias de homens e mulheres esgadanhados, aos gritos e urros, de preferência com enxada na mão e pedras no bolso, erguendo bastões ao alto ou tochas rudimentares, partindo os ossos a um indefeso toxicodependente que por acaso já andava a chatear uma vila qualquer no Norte. E se a televisão estiver por perto, tanto melhor, ainda se arranca o escalpe do drogado para mostrar à menina da cidade.
Portanto, o que está a faltar é redimensionar o conceito da justiça popular: do campo para a cidade, do agarrado para os grandes vigaristas e carjackers. Punições a sério para crimes a sério – e com isto, excluo dos braços da justiça popular comportamentos e opiniões divergentes, que também não quero, por exemplo, massacrar benfiquistas apenas por serem do clube que são (e depois gozávamos com quem?). Em resumo, justiça popular para os traficantes, assassinos, burlões e para a Júlia Pinheiro (esse dia há-de chegar).
Pensemos em grande, pelo menos desta vez. Tornaríamos tudo muito mais prático e eficaz: se há um suspeito de crime, em vez de pô-lo em prisão domiciliária ou sob qualquer outro expediente de amenização de culpa, é atribuir-lhe logo a culpa em duas ou três expressões proferidas em tom mais ríspido (“Foste tu, car***o!, que me roubaste a loja!”; “Gatuno!”; “Agora é que te vou aos cornos!”, por exemplo). Depois, era colocar o meliante na maior praça da localidade, cercar o perímetro de arame farpado para evitar a sua fuga, convidar as vítimas do crime mais os seus familiares e reformados que se queiram juntar à festa, dotá-los de instrumentos de agressão de baixo custo (ramos de árvores, tubos de PVC da construção civil, garrafas de cerveja de litro,…) e deixar que a fúria natural e vingativa presente nos genes humanos fizesse o resto. No fim, os varredores municipais tratariam dos restos mortais do suposto culpado, ou o canil municipal viria recolher o farrapo humano que ainda restasse. A justiça estaria feita, a sede de vingança satisfeita.
Há bastantes pontos positivos nesta “grande justiça popular”: não se paga a advogados; não se sobrecarregam os estabelecimentos prisionais; não se perde tempo; dão-se castigos exemplares; sendo uma justiça “do povo”, assegura-se que a solução agrada à maioria; a fúria incontida observada no trânsito pode ficar reservada para estes eventos e com isso beneficiar os números da sinistralidade rodoviária; os reformados veriam um novo sentido para a sua existência, que seria o de torturar um assaltante de ourivesarias sem complexos nem temores; etc.. Até fico a pensar que ainda só não se avançou para esta forma de justiça porque o lóbi dos advogados é realmente muito forte. E se calhar por causa da invocação dos Direitos Humanos, algo realmente irritante nestes casos. Talvez por isso.
Dir-me-ão, “mas isso subverte as normas instituídas em qualquer Estado de Direito”. Mas… estamos num Estado de Direito? – esse argumento de subversão cai logo por terra pela falácia no seu pressuposto inicial.
Dir-me-ão, “mas isso é completamente injusto”. Mas… a justiça tem sido justa? Com certeza, não ficaríamos pior.
Dir-me-ão, “mas isso abrirá uma caça à minoria, seria a nova Inquisição”. Mas… e que tal pensarmos na maioria que é o Povão, para variar? Ele lá sabe o que é bom para ele, na sua cegueira inculta de “olho por olho, dente por dente”. E a Inquisição não era bonita? Com todas aquelas fogueirinhas giríssimas e mais todo o folclore da procissão… e, além do mais, serve de base para sketches de comédia inesquecíveis, os Monty Python que o digam.
Dir-me-ão, “mas isso é profundamente fascista, estalinista, etc., o “ista” que se quiser, e é aberrante”. Mas… não andamos todos excitados com as aberrações diárias que vemos? Esta seria apenas mais uma, mas justa, por definição. E quase todos nós temos o sonho secreto de ser um pequeno Hitler ou Estaline e exercer o poder discricionariamente, apenas existe quem conserve essas ambições lá no fundo do armário ou quem seja um mero animalzinho de estimação domesticado.
Por mim, força. Avancem com a popularização da justiça popular, ganhamos todos com isso. Menos os criminosos, claro. Também já está na altura de eles começarem a perder, como nos filmes.

domingo, setembro 14, 2008

O Político Cadáver

Político sagaz, venceu as eleições na Eslovénia com o seu quê de espanto. Nenhuma sondagem o indicava como favorito e vencer com maioria absoluta tomou todos de surpresa. O ministro cessante, que aparecia na linha da frente para ser reconduzido ao novo mandato, deu a mão à palmatória da forma mais desportiva possível, bebendo água com gás para ajudar a engolir o enorme sapo.

Por feliz coincidência temporal, pouco tempo depois da sua eleição, a Eslovénia sucedeu a Portugal na Presidência do Conselho Europeu (PCE). O ministro aproveitou esta ocasião para espalhar o seu charme nos mais variados gabinetes desta Europa, com o seu estilo peculiar. Ninguém ficou indiferente. Especialmente os portugueses, que lhe endossaram as pastas e dossiers e utilizaram esta proximidade para se tornarem o mais íntimos possíveis de tão cativante personalidade. Nuno Severiano Teixeira mal conseguiu calar o seu desejo.

A habitual bonomia de Luís Amado fez com que a sua abordagem fosse mais discreta. Ainda assim, o seu convite não passou em claro. O mui requisitado esloveno mal conseguiu conter o seu pasmo perante as insinuações lusas.

Mas não se pense que Portugal foi o único a deixar-se levar pelo canto de sereia do esloveno. O próprio Sarkozy, presidente do país que sucedeu à Eslovénia na PCE, não evitou deixar bem vincada a sua amizade com o notável esloveno, mesmo considerando a sua recente e mediática relação com a ex-modelo Bruni. Esta, aliás, ficou alegadamente muito desgostosa e dedicou-se à música como escape para a sua frustração, com os resultados conhecidos. Sarkozy não se coibiu dos sorrisos e abraços quando acompanhado pelo esloveno de aparência sui generis.

Mesmo a fria Merkel sorriu como jamais visto quando surgia ladeada pelo esloveno em aparições públicas. Tal era a folia, que muitos protocolos ameaçaram ser rompidos, valendo em última instância a presença igualmente feliz e apaziguadora do Presidente da Comissão, o conhecido José Barroso… que também não deixou de lançar mais achas para a fogueira mística do apaixonante esloveno.

O sexo feminino, aliás, cai aos pés deste verdadeiro fenómeno de popularidade. O fascínio perpassa nacionalidades e idades, como podemos ver neste último retrato: a formalidade está lá, as bandeiras e as estrelinhas também, não faltando duas belas secretárias de coração desfeito pelo desassombrado esloveno.

Todos lhe auguram uma carreira brilhante. Que, aliás, já começa a fazer escola. Rumores que nos chegam contam-nos que o Ministro de Defesa de Malta está a pensar mumificar-se um ano antes de concorrer ao cargo máximo do seu país, de forma a ganhar o balanço necessário para conquistar o seu eleitorado. E até uma deputada da Lituânia, numa tentativa de evitar a mais que certa eleição de José Couceiro, já fez uma operação plástica inversa, ou seja, em vez de retirar as rugas e papos, aumentou as rugas e papos e pediu conselhos ao Michael Jackson sobre como retocar o nariz – tendo já subido cerca de 10% nas últimas sondagens.
O corolário que todos os analistas retiram destes últimos acontecimentos é muito simples: o povo apercebeu-se que um político bom é um político morto.

Olá Gatinha

As escolas preparatórias, secundárias, 2+3 ou C+S, como quiserem chamá-las, constituem um universo muito peculiar dentro do próprio universo. Ou constituíam, não posso falar da actualidade das escolas públicas com a revolução tecnológica e todas as novas potencialidades de ocupação de tempo que isso trouxe aos jovens de hoje. É claro que quando andávamos por lá a areia da ampulheta tardava a escorrer – que é como quem diz, nunca mais nos ejaculávamos, nunca mais tínhamos um bigodinho ou até mesmo borbulhas que nos pudessem guindar ao patamar mínimo da adolescência a partir do qual conquistaríamos as meninas cujas maminhas se começavam a fazer notar. Todavia, olhando para trás, todo aquele tempo que parecia infindável de mochila às costas e de leitinho com chocolate a meio da manhã ou da tarde foi fugaz como um relâmpago, embora pleno de historietas e personagens. Todos temos algo desse período que teima a ficar marcado indelevelmente nos nossos livros de memórias.
Se analisarmos bem, as personagens com quem convivemos têm muito de intrigante. Naquele tempo, éramos todos mais ou menos iguais: mais um casaco fixe ou não, um bocado mais gordos ou não, mas todos relativamente semelhantes, com os mesmos sonhos e esperanças. Hoje, se ainda mantivermos o rasto de alguns, vemos quão diferentes foram os caminhos que tomámos. E algures na linha do tempo, contudo, partilhámos espaços e tempos de profunda folia, de aventura desbragada ou de estaladas e pontapés a correr à volta do pavilhão. Esse tempo não deixou ninguém indiferente. Pelo menos, os que ainda têm acessos de nostálgica retrospectiva.
Se nos tivessem dito o que o futuro nos reservaria, teríamos ficado perplexos com quase tudo. Uns revelaram-se muito mais bem sucedidos na vida do que tudo faria supor ao tempo, de tão medianas que eram as suas notas; a estrela juvenil da altura teve uma prole de filhos prematuramente e agora mora num bairro social a viver de expedientes e a alcoolizar-se na taberna da esquina; a vedeta do futebol acabou por nunca singrar, nem no desporto, nem em nada de especial; o gajo que era tão tímido é um conceituado relações públicas que aparece nas revistas; o totó de eleição tornou-se um manequim famoso e actor de telenovela; o grande cérebro da turma é agora um obscuro funcionário público, maníaco-depressivo e constantemente desmotivado; a tipa boazona que nos parecia inalcançável está gorda que nem um pote a trabalhar numa loja de pronto-a-vestir; eu tornei-me no escritor que a professora de português suspeitou que eu seria, com o sucesso que, suponho, ela também sonhou que eu teria; e o tipo enfezado com leucemia provavelmente morreu mesmo. Surpresas houve muitas, todavia.
Seria impossível reunir todo este bando tão díspar outra vez. Pensar que houve uma altura onde fomos todos colocados juntos… onde nos falávamos com uma proximidade hoje impensável, sem saber que nos iríamos separar irreconciliavelmente. Partilhámos – eis a magia das escolas. Mas hoje nem nos atrevemos falar com o nosso ex-colega carteiro, ou temos vergonha de passar ao lado da nossa ex-colega que tem um todo-o-terreno para ir ao supermercado, ou orgulhamo-nos de dizer “este ministro andou comigo na escola”, embora secretamente reconhecendo que ele dificilmente faria o esforço de nos cumprimentar se ainda nos reconhecesse de tão velhos e insignificantes que estamos. E se pensarmos em namoradas, ou algo equivalente, então somos capazes de bater com o queixo no chão.
Nem falo daqueles trastes, que já eram uns verdadeiros trastes à época e sem grandes hipóteses de salvação, com quem trocámos uns linguados sabendo de antemão que só estávamos a passar o tempo numa estéril afirmação de masculinidade – que tudo aquilo seria para esquecer rapidamente, não só por mim, mas especialmente por todos aqueles que viessem a saber do sucedido, para que eu não fosse muito zombado. Vai daí, as tipas até se tornaram em algo decente, o que seria incrível, mas, de qualquer forma, essas nunca marcaram de forma decisiva, tal foi o esforço que fiz para as olvidar.
A gaja que me abriu as pernas pela primeira vez e que me deixou sugar os seus tenros e sinceros mamilos, naquilo que foi um feito apenas comparável à dobragem do Cabo das Tormentas, é hoje uma memória paralisada no tempo. Parece uma espécie de Jim Morrison ou Kurt Cobain, dos quais só retemos a imagem da sua juventude. Tal como eles, ela nunca passou à velhice. Para mim, ela ficou eternamente juvenil. Não sei o que é feito dela ao tempo de hoje. Se calhar, está melhor do que aquilo que estava. Se calhar, está muito pior. Não guardei nenhum contacto, nenhuma referência, nenhum cheiro particular, tenho apenas uns rabiscos no velhinho diário e uma ténue fotografia mental que se vai dissipando progressivamente e a qual surge de quando em vez, nestes assomos passadistas. Não sei mesmo nada. E se calhar é melhor não saber.
Talvez já desconfiasse do carácter meramente temporário dela na minha vida. Acertei neste caso, pelo menos. É verdade que os miúdos são bastante estúpidos, especialmente os rapazes, mas não éramos anjinhos. Lá no fundo, tínhamos uma noção rudimentar do potencial das pessoas que de vez em quando batia certo. E aquela rapariga, à altura, saiu tão rapidamente quanto entrou na minha “shortlist”: nunca acreditei seriamente no seu potencial. Nunca a vi como alguém a longo-prazo, como via os meus grandes amigos que hoje também não sei onde estão. Eu só queria dizer a alguém e sentir o que era ter estado com ela. Nunca me preocupei em saber o que eu significava para ela. Isso não interessava. Talvez ainda hoje não interesse. Quis aproveitar-me dela, sem contudo prever que agora, passados estes anos, estaria para aqui a reflectir sobre ela.
Hoje, creio, não poderíamos estar juntos na mesma cama outra vez. Já nos carregámos de conceitos, de filtros e de experiências que nos distanciaram. Apenas por acaso cósmico nos poderíamos sentir atraídos outra vez. Pessoalmente, tenho a convicção que ela terá um bigode ou que terá escalado à classe alta das intocáveis – acredito piamente que nada ficou igual, que nada nos faria tropeçar um no outro como dantes, naquela escola em que dividíamos os passos. Acho que seríamos capazes de nos embaraçar se nos víssemos por aí, na rua. Podia ser que virássemos a cara e fingíssemos não ver, até podia calhar que falássemos durante cinco minutos, mas depois iríamos à nossa vida. Esquecer-nos-íamos novamente ao virar da esquina.
Mas em tempos as nossas vidas estiveram coladas. É impressionante como nos descolámos. Desabrochámo-nos mutuamente para a vida e depois não quisemos saber mais de nós. São assim as coisas. Só temos que confiar que evoluímos e que tudo fez parte dum processo de aprendizagem onde os mais fortes sobreviveram e os outros por lá ficaram, vegetando na fila de trás à espera do toque de saída.

segunda-feira, setembro 01, 2008

segunda-feira, agosto 25, 2008

Tubo de Escape

Toda a gente precisa de um. Ou então explode com toda a porcaria que acumula dentro de si. Essa é uma alternativa pouco agradável. Então venha de lá esse grande auxiliar, o receptor e exaustor de todos os nossos gases mentais, essa matéria indefinida aglutinadora de colagens dispersas que não pode ficar retida cá dentro.
Debruçamo-nos sobre a sua complexa simplicidade, é apenas um veículo transmissor de resíduos potencialmente nocivos, mas como seríamos nós sem ele ali? Um mecanismo tão básico e tão poderoso, como tantos outros, mas um que nos sacia instantaneamente. É óptimo este automatismo, tão bom que quase nem nos damos da conta da sua existência. Sentimos a porcaria, destapamos o buraco e lá vai. Lá vai disto. O produto de todas as combustões internas que alimentámos, de todas as metáforas medonhas que concebemos e de toda a prosa pretensiosa que engendrámos esfumou-se agora pelo cano, atomizou-se pelo universo. Há quem o inale, há quem não. E isso pode fazer sentir-nos ainda melhor ou não, isso talvez interesse, mas o que deve importar foi termos sobrevivido. Mais esta vez. Foi termos resistido por haver um tubo de escape a libertar-nos.
E que haja uma atmosfera suficientemente grande para acolher todos os nossos gases. Que o espaço seja infinito. Que ninguém se incomode por mais um tubo de escape emissor. É aborrecido levar com fumos alheios e não ter outra opção. Ninguém quer isso. Queremos só ter os nossos tubos de escape e que nos compreendam. Vocês também terão o vosso, mais ou menos explícito, ele lá estará nalgum recanto das vossas vidas. Entendam a valia do tubo de escape. Deixem-nos dedicar a ele. Ele é o nosso grande pretexto para fugirmos para algum sítio que não este. Deixem-nos estimá-lo como ele merece.

quinta-feira, julho 31, 2008

Desconfiado

Desconfio das velhotas que me pedem ajuda para atravessar a passadeira. Cá para mim, querem é ser atropeladas de propósito e colocarem a culpa em mim, que é para depois a família delas viver às custas da minha indemnização. Não; atravessem vocês e responsabilizem-se pelos vossos actos, que já são grandinhas. Melhor ainda: para quê atravessar a estrada? Voltem mas é para casa que o chazinho já está a arrefecer.
Desconfio das pessoas que não me respondem quando lhes dirijo “bom dia” ou “boa tarde”, preferindo olhar-me com alguma repugnância de alto a baixo. Algo me diz que são as mesmas que se irão desfazer em simpatias quando precisarem de um favor meu. O qual terei, como é óbvio, todo o prazer em recusar com o mais frio desprezo. E olhem que também sou bom nisso, não são só vocês.
Desconfio da gente que está sempre contente, particularmente de manhã. Seja por terem ingerido uma quantidade abissal de drogas ou por serem simplesmente parvas, esta gente arrepia-me. São do mais irritante que pode haver. Prefiro ir à missa a ter que encarar uma pessoa bem-disposta Segunda-feira às 9 da manhã.
Desconfio de quem tem sempre uma história melhor para contar e desconfio de quem se diz íntimo de gente famosa. Este é o tipo de pessoas extremamente invejosa e que tudo faz para ocultar a enorme mediania das suas vidas. Se puderem fugir sem darem muito nas vistas, fujam.
Desconfio de quem se cumprimenta apenas com um beijinho. Não sei se têm uma dor de dentes crónica ou se pura e simplesmente não lavam um lado da cara. São declaradamente imbecis disfarçados de elite do Estoril e não merecem o conforto da minha bochecha. E desejo-lhes as pioras do seu eventual abcesso.
Ainda no tópico do beijinho, desconfio solenemente das gajas que não mexem o pescoço quando lhes cumprimentamos. Eu é que tenho de me torcer todo e fazer o trabalho de aconchegar a minha cara à delas, como se o momento fosse um privilégio meu e uma concessão delas. Este é o tipo de gajas que está sempre com dores de cabeça quando chega a hora da verdade e que adora os bebés dos outros. Nunca passem cartão a este tipo de gajas, fiquem mas é na Internet a ver boa pornografia.
Desconfio dos tipos dos quiosques. Por norma, não são pessoas de bem. Não criam amizades que não sejam com outros sabujos ou com velhotas a quem facilmente impingem produtos que dizem ser “coisas que o seu neto vai adorar”. Fecham antes da hora e têm sempre uma desculpa para o produto que não têm. Nunca acreditem nisso, os tipos gostam de aborrecer os clientes de vez em quando.
Desconfio dos tipos que acham que Deus é que é o responsável por tudo, desde nascimentos a trovoadas. Deus, se é mesmo o responsável por tudo o que se passa à nossa volta e se se diz tão perfeito, é alguém em quem não se pode confiar. De todo. E então o que dizer dos tipos que gostam de ser enganados por um enganador e que ainda o proclamam? Não podem ser de confiança, claro.
Desconfio do pessoal que a imprensa refere que “apareceu morto”. Um tipo não aparece morto. Mata-se de uma forma horrível, tipo, raspar o escroto com uma lima embebida em álcool e depois introduzir os genitais dentro de um vespeiro, mas não “aparece” morto. Suicida-se e suicida-se de uma forma cinematograficamente chocante, essa é que é essa! Em geral, desconfio da imprensa que utiliza títulos eufemistas. Pronto, desconfio da imprensa que faz as notícias em vez de contar as notícias. Desconfio deles todos, portanto.
Desconfio de quem é muito sisudo. Esses tipos pensam que são personalidades sérias e credíveis com a sua pose cuidada, mas são mesmo como se vê, gente bastante desinteressante, pseudo-intelectuais, tipos a quem dá vontade de esbofetear até chorarem como criancinhas. E também desconfio de quem pensa que tem piada, são os tipos mais idiotas que há para aí e nunca sabem quando parar com a estupidez.
Desconfio dos putos exemplares. Soam-me a marketing de vão de escada dos pais e que daqui a alguns anos estarão num call-center a atazanar-nos a cabeça. E desconfio dos putos que me dizem ser “pestinhas”. Esses putos são do pior e relembram-nos como eram úteis os velhos instrumentos de tortura medieval. Mais valia os pais terem aprendido a passar a ferro do que terem tido sexo no tempo que devia ter sido ocupado a passar a ferro.
Desconfio dos políticos. Bem, mas quem não desconfia? Eles próprios não parecem muito confiantes daquilo que dizem. Mas lá que alguns são actores em ascensão, ninguém pode negar.
Há quem me diga que sou um bocado céptico. E eu acredito nisso.

terça-feira, julho 29, 2008

domingo, julho 27, 2008

Não Estás A Ver Os Asteriscos?

ª- Desculpa, estou atrasado.
º- Eu sei. Vamos a isto?
ª- A isto o quê?
º- A isto. Vamos lá fazer um post.
ª- Qual post?
º- O post que prometestes.
ª- “Prometestes” ou “prometeste”?
º- É isso.
ª- Isso o quê?
º- Prometeste.
ª- O quê?
º- Fazer o post, car***o!
ª- 3 asteriscos?
º- O quê?
ª- Não viste? Censuraste a tua própria verborreia.
º- Diarreia? Cheiro mal?
ª- Não, verborreia.
º- Mas estavas a falar de asteriscos…
ª- Pois, ias a dizer “car***o”, mas apareceu “car***o”. Olha, viste? Duas vezes!
º- Ver o quê?
ª- Não estás a ver?... Os asteriscos?...
º- Mas achas que eu vejo alguma coisa, pá? Eu só falo! Ainda não tinhas percebido? E tu vinhas aqui fazer o teu post!
ª- Ah, o post… Tu não estás mesmo de diarreia, pois não?
º- Ora essa! Não!
ª- É que… por acaso…
º- O quê?
ª- … cheiras mesmo mal. Pá, não me…
º- F***-s*, meu! Qual é a tua? Estás a brincar com a minha cara?
ª- 4 asteriscos.
º- O quê?
ª- Agora soltaste quatro asteriscos. Subiste na escala da indecência.
º- Este gajo… Este gajo está-se a passar!
ª- Desculpa, é aquilo que eu vejo e que tu não vês.
º- És mesmo estranho… consegues ver ficções como se fossem realidade…
ª- E tu falas as coisas sem dares por isso… Isso é que é mais que estranho, é perigoso.
º- Aproveita o que disseste para escrever um post.
ª- Sobre a diarreia?
º- Esquece a me**a da diarreia!
ª- Pleonasmo.
º- O quê?
ª- O que acabaste de referir. Pleonasmo é “uma figura literária que consiste na redundância de palavras para expressar uma ideia” (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2004). A diarreia é uma me**a, por definição.
º- Irra, meu! Já chega! Escreves a porcaria do post ou não?
ª- Bem… vou ser franco…
º-…
ª- Não me apetece.
º- Eh, pá, não! Só faltava isto!...
ª- Não tenho ideia nenhuma. Compreende, pá. A minha vida não é isto.
º- Afinal não és o gajo com quem pensava identificar-me. És mais um tipo que passou por uma fase. Não és suficientemente consistente. Bah, és mais um.
ª- Volta cá amanhã.
º- Por que havia de voltar? Para ver espaços em branco?
ª- Realmente… Olha, se calhar até fazes bem. Há coisas que deves fazer em primeiro lugar.
º- Tipo o quê?
ª- Não sei…
º- Diz lá!...
ª- Bem…
º- …
ª- Lavar-te. Desculpa lá, mas cheiras mesmo mal. Desculpa, tens de admitir…
º- C’um car***o!
ª- Não viste os asteriscos, pois não?