terça-feira, dezembro 29, 2009

Gostava De Ter Lá Estado


Gostava de ter lá estado. Aquele era o meu tempo. O passado torna-se tanto melhor quanto mais remoto. O presente é pouco interessante. O presente sofre-se, o passado relembra-se. O pretérito ainda pode ser perfeito, mas o presente apenas aspira ao indicativo. É manifestamente insuficiente. Foi aí, no passado, que se fez a festa. A partir dessa altura, nada foi igual. Naquela altura eu ainda era alguma coisa com valor. Ainda valia em escudos. Depois fui dividido por 200,482 e nunca mais recuperei. E foi uma grande festa, não há droga que apague isso da minha memória. A memória é tramada e extremamente saudosista. As palavras vinham de todo o lado e encaixavam-se como Legos para formar belos edifícios de absurdo. A gente desfazia-se em gargalhadas ao sabor do vento. Nós queríamos lá saber do piano, do fim da tarde, de olhares fixos no horizonte pardo. Tudo ainda estava por ser e tudo podíamos ainda ser. Tudo se havia de resolver. Hoje apenas persiste o enorme arrependimento de não termos aproveitado o tempo morto para aprender a tocar piano. E hoje já não é o tempo certo. Temo que esse tempo se foi e nunca mais irei encontrá-lo.

Tu bamboleavas-te ao som, blusa às riscas horizontais, contorcias as ancas em movimentos libidinosos, os mamilos a sublevarem-se debaixo dos teus têxteis e deslumbravas, pudera, com o álcool tornavas-te uma Amazonas. Eras mais uma peça do carrossel de futilidades com um prazo de validade demasiado curto. Era ali ou já não era. Não havia perguntas para fazer, havia apenas que sentir. Tinha que largar todas as fórmulas no lixo, deixar-me envolver pela espuma, tornar-me em mais um zombie. E aquele som, ah, o som, os decibéis a estalarem a noite inteira, o zumbido incessante que ainda hoje perdura quando tudo se tornou negro e a mente num remoinho que descia do tecto e aterrava na minha garganta ressequida. Tudo foi bonito até ao dia seguinte. Foi no amanhã que se precipitou o fim. O desmoronamento das ilusões foi muito mais silencioso do que previ. Quando olhei de volta já nada restava. O castelo de sonhos tornou-se apenas em mais um sonho, engoliu-se a si mesmo e armazenou-se numa lata de fermento Royal na minha mente. Perante os meus olhos, apenas uma estrada ao vento. Havia que seguir um caminho qualquer, toda a gente andava, eu tinha que mexer-me para algum lado. Avancei sem convicção, perdi a minha convicção algures pelo caminho mas não dei parte de fraco.

E então fui andando, sem grande sentido. Fazendo coisas aqui e ali, procurando secretamente que aquele tempo que não cheguei verdadeiramente a viver voltasse, qual surpresa debaixo de um calhau qualquer. Fui ficando com sono. Fui comendo a sobremesa antes do prato principal. Havia quem achasse graça, havia quem comentasse em surdina o inusitado da situação e no final todos encolheram os ombros. E os bocejos nunca mais me abandonaram. Vi gente petrificada com o seu próprio estilo de vida, imutável, totalmente convertida à filosofia do presente, exércitos dedicados à manutenção de um estado de coisas perfeitamente paralisante, porque sim, porque assim alguém fez no passado, o seu passado, aquele passado que nada tem a ver com o meu, porque no meu passado é que se fez tudo de interessante e no passado deles a vida era matizada a preto-e-branco, apenas um veículo para atingir o cinzento perfeito dos seus dias de hoje. E eles dizem que hoje é que é bom, porque já andaram tudo até aqui e tudo está finalmente a ser descoberto ao estilo de quem pressiona um botão de micro-ondas. Acham graça às fotocópias e perpetuam-nas num fervor semi-religioso. E hoje acham graça que as fotocópias estejam disponíveis de graça. Não, hoje não é hoje que será bom.

(Agradecimento ao Fitzx pelo banco de imagens que me deu a descobrir)

sábado, dezembro 12, 2009

Amor de Mãe

Leonor Cipriano. Para quem não sabe, ela é suspeita de ter morto a sua própria filha lá para os lados de Portimão, depois de ter chorado na comunicação social pelo seu desaparecimento. O seu azar é que ela é pobre e portuguesa. Devia pensar que ia ver o papa como os McCann. Era o ias.
Algures durante o processo, foi de cana e levou um enxerto de porrada. Como somos adeptos de julgamentos rápidos e justiça pelas próprias mãos, ninguém se queixou do uso desmesurado de violência, a não ser a própria Cipriano.
E em boa hora o fez. A sua imagem de olhos roxos, após ter sido supostamente espancada pela insuspeita Polícia Judiciária, está ao nível daquela imagem de Albert Einstein a mostrar a sua longa língua: são verdadeiros ícones. Só por dizer que um apareceu com a Teoria da Relatividade e a outra desapareceu com a filha, alegadamente cortada às postas por ter visto a mãe a fornicar com quem não devia.
Dizem que 2009 deve ser um ano para esquecer, por causa da crise. Balelas. A crise, desde que nasci, sempre esteve por aqui. À falta de melhor, a imagem da maltratada Cipriano faz com 2009 tenha valido para alguma coisa. Vejam só as possibilidades de enquadramento minimamente plausíveis que podemos dar a Cipriano. Com todo o respeito que nos deve merecer alguém que porventura assassinou a sua filha e deu uma parte do seu cadáver aos porcos, o resto para uma lixeira e ainda teve tempo para acabar de fornicar com o seu amante, com direito a squirting no final e tudo.
Resultado final, em termos meramente plásticos: Cipriano, 1 – McCann, 0.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Proximidade Embaraçosa

Não, PM, não é engano. A menos que sejas extra-terrestre, mas então a CIA não te deixaria mandar cartas para uma revista e muito menos "fazer amor" com alguém. Ele quer mesmo enrabar-te. É legítimo e devias estar preparada para esse momento que surge, mais cedo ou mais tarde, na vida de um casal. Tão certo como a distância entre esses teus dois orifícios ser normal. Mas, vá lá, não te queixas da dor, o que é um sinal animador.
Quem diz PM diz os redactores da revista, que dispensam workshops de comédia. Foram eles que inventaram este pedaço de humor que podia perfeitamente fazer parte do repertório do Fernando Rocha.
Mas há quem acredite nas previsões da Maya.
Há quem doe o seu património à IURD.
Há quem ache que Paulo Gonzo sabe cantar.
E há quem pense que uma pessoa que faz este tipo de perguntas sabe escrever e logo para uma revista.
Enfim, sensibilidades.
Isto até acaba por ser inspirador. Vou ali fazer-me de enganado com aquela gaja e se ela protestar peço-lhe muita desculpa pelo facto do meu órgão não possuir GPS.
E mostro-lhe o recorte para sinalizar que a minha dúvida é perfeitamente normal.
Há-de correr tudo bem.

sexta-feira, novembro 20, 2009

O Arguido

- Olha quem é ele… o Frederico. Estás bom?
- Na maior, pá. Estou mesmo na boa.
- Ah é? Então?
- Eh pá, fui constituído arguido outra vez.
- Arguido?
- Sim, é a quarta vez esta semana.
- Ena pá!...
- Sabes como é que é… eu não sou gajo de ficar quieto.
- E como é que é isso de ser arguido tantas vezes, pá? Deve ser tramado…
- É… é um bocado… ficamos logo bastante famosos, temos as câmaras sempre à nossa espera no tribunal… apesar de tudo, eu acho que não nasci para ser famoso. Eu só queria usufruir com notoriedade moderada dos rendimentos e méritos que fraudulentamente obtive. A fama junto das massas é de facto complicada. Mas se somos mesmo bons numa coisa qualquer, temos de saber viver com isso, não é? E eu tenho este dom natural de ser arguido, sou o maior nessas coisas de ir a tribunal.
- Então e não tens medo de ir preso?
- Medo? Bah! Quem tem medo compra um cão!...
- Quer dizer que não tens medo?
- Não, pá. E para te mostrar que não, vou largar o meu cão.
- Lá vai ele… eh pá, ó Frederico, o teu cão está ali a atacar um menor…
- Pois é… ele é um bocado para o atiradiço… sabes como é que são estas raças perigosas…
- Acho que há uma lei qualquer sobre os donos de animais de raças perigosas…
- É verdade, pá! Com sorte, vou ser arguido mais uma vez! Bem lembrado!
- E isso não te perturba?
- Pelo contrário, pá! Vou bater um novo recorde! Vou ser mais vezes arguido que o Isaltino Morais, o Valentim Loureiro, o Pinto da Costa e toda essa corja de gente idónea…
- Mas… quer dizer, para tu estares assim tão confiante, é porque estás inocente, não é?
- Isso não me importa muito. Às vezes sou, às vezes não. O que interessa é ser constituído arguido – é uma espécie de estatuto privilegiado, ‘tás a ver? Nem toda a gente é arguida, pá.
- Então podes ir preso, não? Como podes estar tão tranquilo?
- Simples, pá: aqui ninguém vai preso. E se for, só daqui a 70 ou 80 anos e nessa altura já cá não devo estar. Entretanto, vendo o exclusivo das minhas chegadas ao tribunal às revistas cor-de-rosa, sou convidado para palestras, tenho eventos em minha homenagem, constroem-me monumentos, atribuem-me títulos nobiliárquicos e coisas assim e facturo um dinheirão. Ir a tribunal é como se fosse um daqueles casamentos das celebridades, ‘tás a ver?
- Ainda mais dinheiro do que aquele esquema de facturas falsas que me contaste?
- Ainda mais, pá. Vê lá bem a mina de ouro que isto de ser arguido é.
- Também foste constituído arguido por esse esquema, aposto…
- Por acaso… não. Já fui arguido num caso de tráfico de balões de água e por ter abusado de um tatu bebé, mas por causa desse não. Pá, nem tudo corre bem…
- Mas… mas… esse caso das facturas ficou nos anais da História por ter levado “n” empresas à falência e centenas de pessoas ao desemprego… e em consequência disso, mergulhou cidades inteiras na criminalidade, levando todo um tecido social à degradação…
- Pois é, pois é, foi um esquema muito bonito e lucrativo… mas não consegui que me constituíssem arguido, mesmo com todas as provas que forneci… paciência. Outras oportunidades surgirão.
- Por acaso, estava aqui a ler o jornal e pensei logo que serias tu o Frederico que aqui vem mencionado… está aqui escrito que “Frederico A, conhecido ex-deputado pelo PSDSP e ex-administrador da REFCP, foi constituído arguido por suspeitas de peculato, tráfico de influências, vigarice pura e caspa, ao que apurou o nosso jornal, em primeira mão”…
- Ah pois, fui eu! Eu conheço bem a directora desse jornal. Grande amiga minha. E tem um corpinho… ui!, nem te conto. Já estivemos lá quase… ‘tás a ver?… mesmo quase… mas acabou por não dar. Agora com o destaque que ela me está a dar, quem sabe se não temos mais um jantarzinho ao lusco-fusco um dia destes… eheheh, isto só está ao alcance dos grandes arguidos, pá… era este o estatuto que te falava.
- … mas a fotografia que aqui vem é de outro Frederico… parece-me o Frederico B…
- Quê? Mostra-me aí… Pôrra, queres ver que há gajos a concorrerem comigo para serem arguidos?!?
- Então, é a tua fotografia ou não?
- Não sou eu que aqui estou, pá! Esta foto não é minha! Que merda é esta?!
- Estou a ver que a tua amiga trocou-se toda…
- A puta! Aquela bola de banha que tem o cu a cair aos trambolhões pelas costas abaixo! Tenho de lhe ir pôr os pontos nos ii’s! O que vem a ser isto? Andam a querer sacar os meus méritos na sacanice? Mas onde é que estamos? África, queres ver? Bah!
- Tem calma, Frederico…
- Estas merdas deixam-me lixado, pá! Anda um gajo a esforçar-se na sua actividade ilegal, dia após dia, suborno após suborno, e depois acontece isto!... Diz-me lá se não achas que andam a gozar com a tua cara?!
- Eu compreendo-te, eu compreendo-te…
- “Frederico B”… Bah!, “B” de “Besta”, só pode! Não lhe reconheço autoridade nenhuma no campo do favoritismo ou do bullying!... É um aprendiz, quanto muito! A directora vai ouvir das boas, ah vai, vai!
- Porque é que não lhe insultas verbalmente e fisicamente?
- A ela? Bater em gajas? Porquê?
- Então… ela processava-te logo, aposto. Era mais um processo para a tua conta.
- Eh pá, é melhor não… Ela não me iria processar… Eu sei de umas coisas sobre ela, de maneiras que… Ela não me faz dessas coisas. Por muito que eu desejasse. Isto foi uma miserável distracção, acho eu.
- Olha, vou trabalhar, tenho de picar o ponto. Infelizmente, não tenho os teus dotes burlões… Mas gostei de te ver, Frederico. Continuas em grande forma! Espero que resolvas esta confusão a contento.
- Vai lá, pá. E obrigadinho. Preciso de papalvos como tu para continuar a viver à grande.
- Como?
- Nada. O prazer foi todo meu, pá.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Faíscas Brilhantes

Julgo que foi Paul McCartney quem disse “Hitler está vivo e a tocar numa banda new-wave. Ron Mael, o “Hitler” em causa, sorri e diz que prefere ser conotado com Charlie Chaplin.
Quem é Ron Mael? Ron é irmão de Russell e ambos formam os Sparks. Ron é igualmente o teclista, compositor e o principal letrista da banda. E sim, fez uso e abuso de um bigode “à Hitler”/”à Charlot”, que combinava com um cabelo e um estilo de vestuário longe dos cânones rock/pop, complementando com olhares bizarros ou mesmo sinistros para as câmaras, em performances preferencialmente estáticas. Já Russell, mais frenético, ou não fosse ele o vocalista, era o “menino bonito”, pese embora algumas variações capilares de gosto dúbio, mesmo para a moda espampanante dos anos setenta e oitenta. Russell foi sempre um verdadeiro “crooner”, voz riquíssima, capaz de metralhar palavras imitando o sotaque britânico (eles são americanos de Los Angeles), dando simultaneamente largas ao falsete; de Ron esperávamos competência nas suas prestações, melodias obviamente pop e mais letras de enorme sensibilidade observadora, pejadas de ironia e, por que não assumi-lo?, algum desencanto masculino que tendia a resvalar para um certo chauvinismo – mas sempre com uma verve bastante apurada.
Os Sparks são a melhor banda que ninguém conhece. São dinossauros eternos, sempre bem-dispostos, sempre prontos para compor sobre temas como uma hipotética traição de Julieta a Romeu e a reacção deste no céu ou de como é “cool” sair Sábado à noite para a discoteca onde lhes foi vedada a entrada na semana passada. Continuam a lançar álbuns na candura dos seus 60 e tal anos, ousando sempre ir um passo mais além. Não estão, nem podem ser, catalogados com um simples rótulo de rock/pop. Eles foram percursores do glam-rock, estiveram na vanguarda da electrónica, misturaram ambos e foram desembocar ao techno, fizeram cócegas ao kitsch, reinventaram Beethoven e Bergman e ainda são capazes de mandar umas guitarradas hard-rock. Influenciaram gente tão díspar como Jimmy Sommerville, Faith No More, Erasure, Queen ou Morrissey (ao qual dedicaram uma canção apropriadamente intitulada “Lighten Up, Morrissey”). Muito poucas bandas se podem orgulhar de manter um registo musicalmente tão rico e de se manterem tão profícuas, conservando um aparentemente indecifrável anonimato.
Quando os Sparks surgiram em 1971 ainda se chamavam Halfnelson e os irmãos Mael eram os dois principais elementos dessa banda. Após dois álbuns em que o seu nome permaneceu praticamente incógnito nas tabelas americanas, emigraram para a Inglaterra, eles que se consideravam a si mesmos “anglófonos”, onde obteriam algum protagonismo – o sentido de humor e toda a estética da banda em geral seria sempre mais apreciada na Europa do que na sua América natal, talvez por serem um pouco excêntricos demais para o gosto predominantemente imediatista dos americanos. Com efeito, em 1974 lançaram “Kimono My House” (uma excelente capa), tido por muitos como o auge da sua carreira que ainda dava os primeiros passos. “This Town Ain’t Big Enough For Both Of Us”, “Amateur Hour”, “Here In Heaven”, “Barbecutie” e “Equator” são de facto grandes faixas que revelaram os Sparks como uma banda inteligente, imaginativa e, claro, capaz de divertir uma audiência com a sua inigualável combinação entre melodia e prosa (e imagem em palco, como eles próprios referiram).
A partir daqui o percurso seria mais exigente. Ron e Russell assumiram-se como os donos dos Sparks e os membros acompanhantes da banda entrariam numa roda-viva – ficou claro que os Sparks eram somente um duo. Apesar de tudo, mantiveram a fórmula e a mesma banda de “Kimono My House” para “Propaganda” e “Indiscreet”. Tentativas quiçá desesperadas para capitalizar a exposição ganha com “Kimono My House”, mas que devem ter provocado o efeito de “entupir” os fãs com três lançamentos muito iguais entre si em apenas um ano. Porém, o reconhecimento atingido com “Kimono My House” não foi repetido e jamais voltaria a sê-lo. Abandonaram esse grupo de músicos (e que grande solo tem a bíblica e orquestral “Bon Voyage” e que grande dinâmica tem “At Home, At Work, At Play”, ambas de “Propaganda”) e regressaram à América, tentando captar a atenção dos seus conterrâneos com o álbum mais “pesado” da banda, “Big Beat”. As letras tornaram-se mais directas e as hormonas vieram ao de cima com faixas como “I Like Girls” e “Throw Her Away (And Get a New One)”. Mas o sucesso ambicionado voltou a fugir-lhes – talvez porque o adocicado das suas melodias pudesse ser confundido o rock grandioso dos Queen numa altura em que eram valorizadas a provocação e a contestação, ou porque o som e a imagem continuava a saltar fora de qualquer definição do rock/pop, ou pela riqueza das suas letras ser quase imperceptível, ou simplesmente pelo falsete de Russell ser irritante para muita gente. A primeira fase da sua carreira, e talvez a mais brilhante, findava aí.
Então, e após um álbum quase anónimo com uma capa verdadeiramente kitsch (“Introducing Sparks”, que inveja a sua capa faria à Ágata durante os anos oitenta), os manos Mael reinventaram-se como um grupo electrónico, aliando-se a Giorgio Moroder para criar uma segunda obra-prima, “Nº 1 In Heaven”, em 1979. A faixa-título é uma soberba canção que influenciaria tanto Blondie como Pet Shop Boys ou Depeche Mode. Apenas seis faixas com um ambiente já bastante distante do sentido em “Kimono My House”, mas um álbum bastante coerente entre si e revolucionário para a época. Os Sparks tinham voltado a mandar uma pedrada no charco. Nos dois anos seguintes, mais dois bons álbuns: “Terminal Jive”, uma espécie de segunda parte de “Nº 1 In Heaven” com muita qualidade e “Whomp That Sucker”, de regresso a um “formato-banda”, com os instrumentos convencionais guitarra-baixo-bateria de volta e um ambiente muito “cartoonish” a povoá-lo – confirmar em “Tips For Teens” ou “Wacky Women”, sendo esta última faixa talvez o mais próximo que os Sparks estiveram do punk.
O resto dos anos oitenta e a globalidade dos anos noventa trariam a fase menos interessante dos Sparks. O flirt com o techno foi evidente e esse foi um campo que levou o brilho dos Sparks a perder intensidade – eles que já não eram nenhumas crianças por esta altura. Este não era o território indicado para fazer sobressair as suas grandes potencialidades. Mas era algo natural que eles soçobrassem a este apelo, dado que o principal compositor era teclista e, como tal, muito mais próximo de todas as experimentações sintéticas deste género musical. Ainda assim, “Plagiarism”, de 1997, é uma inovativa e interessante aproximação essencialmente electrónica às suas próprias canções – um pouco como os Mão Morta fizeram com o seu “Revisitada”, embora noutro contexto.
Já neste século, os Sparks provaram a sua enorme resistência ao tempo e lançaram, entre outros álbuns, “Lil’ Beethoven” em 2002, uma obra que aproxima pop, techno e música clássica com resultados, mais uma vez, surpreendentes. E, além do mais, desenvolveram um novo conceito de espectáculos ao vivo: durante 21 dias seguidos de Maio e Junho de 2008, em Londres (a sua casa adoptiva), tocaram TODAS as suas músicas de TODOS os seus 21 álbuns por ordem cronológica – um bilhete, um álbum por inteiro. Quem diz que estes homens já são sexagenários? E eles prometem não ficar por aqui.
De Ron e Russell Mael pouco se sabe a nível pessoal – e também pouco importa. Deixemos as suas canções, a excelente voz de Russell e o liricismo inspirado, embora por vezes repetido, especialmente nos tempos mais recentes (por exemplo, “My Baby’s Taking Me Home” arrasta-se durante mais de quatro minutos apenas com as palavras que constam do título) de Ron, falarem por si. Os Sparks já andam há quase quarenta anos a desbravar território e mantêm-se semi-anónimos. Sorte de quem os conhece – e eu só tive este privilégio graças à VH1 Classic. O mundo parece não estar ainda preparado para esta dupla genial de irmãos californianos.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas

Pode haver algo mais irritante do que pessoas a tentar entrar no comboio antes das pessoas que estavam no comboio saírem? Há, e não me refiro ao abate clandestino de ciganas que lêem a sina (o que ainda não aconteceu, porque as balas não conseguem ultrapassar aquela camada de andrajos e gordura e atingir os órgãos vitais. E também por medo de represálias, vamos ser honestos). Mas isso não importa para nada. Quem quer saber o que me irrita? Eu nem sequer estou ligado a nenhuma rede social…
Ou melhor, até estou. Mas é como se não estivesse. Não tenho 153 amigos. Ou amigas sorridentes. Ou tipos com a pose de surfista. Ou gente com fotos a preto-e-branco. 153 amigos que podiam ter sido modelos e capas de fotos poéticas e que por mero acaso não chegaram lá. Gente que é primo do conhecido do amigo. Personagens que já apareceram ao lado da modelo que esteve num programa do serão da SIC mascarada de cavalo-marinho. Seres que serão muito aborrecidos na realidade mas que fazem um excelente número. Só mais um. Adiciona aí. São 154 e continuam a crescer.
Brilhante. Tens uma enorme rede social, então és um tipo espectacularmente sociável e com muito boas influências. Quase que acredito que papaste todas essas gajas que parecem tão suculentas com o seu domínio de Photoshop. Quase que penso que a tua ocupação é falares com toda essa gente que já não falavas há vinte anos. É fantástico. E mais fantástico é ver toda essa tua disponibilidade retribuída com uma carrada de yes-men que dizem que sim ou que não consoante o teu sinal, que te dão palmadinhas nas costas em forma de comentários cheios de mel peganhento. A amizade não deixa espaço para ambiguidades. A amizade é fundamentalista. Leva-se a mal se se questionar algo, pois a contradição é inimiga da amizade. Se tu dizes que o peido é perfume, então eles acentuam que é Chanel. Se tu dizes que o ouro é lixo, então eles mandam a ourivesaria para os pilhões.
Pronto, eu confesso que o que é realmente irritante é o culto da mediocridade. É a subalternização da qualidade perante a divulgação em massa pelas mãos das etéreas e infinitas redes sociais. É descobrir que eminentes opinion makers têm 16 anos e uma idade mental de 12. Porque se o gajo tem 154 amigos é porque o gajo é bom. E se o tipo tem 3245 fãs, alguém pode se sentir mal por apenas o ter descoberto agora e é levado a pensar que o tipo é um génio – e sê-lo-á, sem dúvidas e pelo menos, no domínio novas tecnologias de informação.
Mas a verdade é que os nossos olhos andam a comer muita merda, apenas porque o invólucro é muito apelativo e todos os outros olhos já comeram dessa merda e até gostaram. Custa dizer que não quando todos à nossa volta disseram que sim. O papel do contra é um papel de merda.
Não é nada de novo. Este texto é, em si, uma grande merda. Nem sempre estou em forma e eu sei-o mais do que ninguém. Mas não desespere, caro navegador internético que foi iludido pelo título do post. O Google tem destas coisas e não faz por mal. Por este texto ser realmente merdoso está na moda. A merda vende. E vende muito. Ser-se merdoso é um lifestyle. Ainda por cima, extremamente valorizado nos dias que correm. Se os dias por acaso corressem. Eu acho que ultimamente os dias apenas deslizam. Pois correr dá trabalho, cansa, e o esforço tornou-se num tema tabu. Já ninguém faz muita força. Basta-lhes abrir as pernas e a diarreia sai a (es)correr.
Leitor iludido e imaginário, você acaba de ganhar um bilhete para a lotaria que vai andar à roda e se chama sucesso. Você pode ser o primeiro a descobrir a nova atracção que será uma sensação durante uns tempos. Ou ser você mesmo essa atracção. O sucesso, hoje, é o maior dos cagalhões e as plataformas de comunicação são enormes retretes a céu aberto.
É escatológico, eu sei. Boa sorte e bem-vindo ao século XXI.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Agora Não Posso

Estava eu ocupado com a vastidão do meu tempo livre quando tu emprenhaste, orgulhosa, através de uma calendarização eficaz do ciclo fértil que te permitiu dar uma foda de sucesso à hora certa, no sítio do costume, na posição adequada – uma foda tão mecânica quanto castradora da honra do conceito de “foda”. Esperaste pelo meu elogio e disseram-me logo “é feio falar das pessoas assim”, “emprenhar” parece reduzir à condição de animal de cativeiro o mais fascinante e auto-destrutivo ser deste mundo que é o humano, mas eu sentia-me legitimado: é que ninguém costuma falar bem de mim e, mesmo quando soltam um ou outro elogio para ficar bem na fotografia, são meros thumbs up para coisas que fiz acidentalmente, ou das quais nem me recordo, ou pelas quais não sinto particular afecto. E nós somos mesmo animais, apenas piores que as aranhas que devoram os machos a seguir à cópula, por isso toma “emprenhar” como um quase-elogio e aceita que "foda" foi uma aproximação sucedida mas bastante patética do que deveria ter sido uma relação sexual. O que me apeteceu mesmo foi ridicularizar a pouca naturalidade do teu acto que devia ser selvagem e tresandar a lascívia. Mas agora já nos queremos reproduzir assepticamente como a Sandra Bullock no “Demolition Man” e achar que tudo é culpa do Tempo. Apenas para ter um Nenuco em carne e osso para servir de troféu e que os teus pais saberão tratar ainda melhor do que te trataram. Só mereces que te ignorem. É mesmo assim. Também gostava que me desses os parabéns por fazer as poucas coisas que ainda faço. Uma ou outra massagem neste ego mole e dormente podia fazer-me bem e tu sabes disso. Mas tu costumas estar demasiado preocupada em saber se eu ando a seguir a tua vida. Sabes, os outros geralmente não mostram a reciprocidade que nós queríamos que eles mostrassem. Costumamos querer tudo sem dar nada. Gostamos que sejam sempre os outros a dar o primeiro passo. Queremos posicionarmo-nos no centro do mundo dos outros. Somos assim, obsessivos e convictos que os outros saberão dar conta do nosso recado. E, como dizia, eu tinha as mãos demasiado ocupadas a pensar nos trabalhos de que me podia livrar. Queria lá saber da paternidade. Da maternidade. De trazer mais um ser vivo deveras irritante nos seus primeiros tempos para este mundo sobrelotado de gente sem interesse mas muito interesseira, que te vai consumir tempo e espaço mas que te permite teres uma esperança para escapares ao lar de terceira idade daqui a uns anos e de prolongar a linhagem da tua família, sabe-se lá porquê, porque é que prolongar este estado de coisas será tão positivo assim. Andamos todos fartos uns dos outros, conspirando aqui e ali, clamando que “a Humanidade não presta” e “isto são só chulos e putas” e tu vens trazer mais um potencial concorrente para a manada, como se fosse certo que ele seja o Messias? Só me faltava mais essa. A responsabilidade foi toda tua, não aceito culpas. Na verdade, aceito muito pouco do que me dão. Muito menos culpas, que isto da neutralidade e da desresponsabilização pode parecer muito leviano e egoísta, mas certamente terá as suas vantagens. Eu nem sequer posso ser acusado de ter decidido ser posto aqui, fui apenas um infeliz acidente a quem a gente se teve de habituar. E agora rendi-me ao minimalismo da sobrevivência: a minha vontade é não fazer nada para ter muito. É a vontade de muita gente, que ainda assim teima em achar que não, que eles é que são a excepção. O principal trabalho é arranjar uma forma de serem os outros a fazer o trabalho. A modernidade sob a forma de prédios e corporações várias oculta a verdadeira selva que se esconde por trás, onde se desenrola uma feroz competição para ver quem é o mais esperto – aquele que não vai fazer nenhum mas vai acabar confortavelmente instalado num poleiro qualquer. Qualquer tarefa para amanhã. Qualquer labor para outro. Demasiado sofisticado para pensar quanto é 1+1, para isso há uma calculadora. Bastante importante para abrir a gaveta, a empregada que o faça. Adiar para o mês seguinte. Dormir um bocadinho à sombra do outro. Ser um bom esperto é que é valorizado. Suar é para os desportistas e parvos. Mesmo pensar já é desgastante.
Levámos tanto tempo para evoluir e agora concluo que chegámos ao estado de uma sanguessuga. Este é o ideal. E tu deste-te ao trabalho de trazer mais alguém para cá, alguém que previsivelmente me vai querer chupar como todos os outros, e queres que eu me distraia dos meus nobres objectivos para te exaltar?
Sinceramente, dava-te os parabéns se tivesses adoptado um cão.

terça-feira, outubro 06, 2009

O Rapaz das Pizzas

Às voltas numa Yamaha XT, com o oleado posto para proteger da chuva e o óleo a escorrer pelas caixas de cartão. Viver rodeado de óleo incomoda ao princípio; depois, a gordura entranha-se no espírito com maior facilidade do que nas unhas. Sinto-me uma espécie de croquete humano. Estou no fim da linha dessa longa dinastia de desalinhados que são os estafetas. A humanidade é, no geral, pouco tolerante para comigo. Podiam todos compreender que devo ser um sujeito com algumas limitações para estar a fazer este trabalho, que é o trabalho que ninguém quer. Eles querem lá saber. Exigem demasiado de um tipo que não é suposto ser demasiado bom. Todos acabam por pensar que me perdi, logo ao fim de dez minutos de espera. Mas não. É apenas a mota que não dá para mais. E, parecendo que não, também preciso de tempo para respirar. O frio entra-me pelos buracos nos dentes e as mãos enregelam-se de tal forma que nem sei se vou ser capaz de enrolar a próxima ganza. Sempre me distraio com as ganzas, dão-me a ilusão de ser mais qualquer coisa do que realmente sou e de estar a andar a mais velocidade do que realmente ando. E tenho tido sorte, só parti por uma vez a perna quando derrapei numa valeta mal iluminada. Enquanto os vossos cus descansam cómodos no quentinho das vossas casas a ver a final que ninguém quer perder, eu ando por aí a distribuir a vossa refeição pré-fabricada. Todos pensam que eu me divirto a andar por aí a descobrir ruas e pracetas obscuras e a sacar cavalinhos. Mas quem quer fazer isso com meia dúzia de pães de alho e pizzas extra-queijo atrás? Essas são as piores. O cheiro do queijo é maldito e só se consegue aturar a mais de sessenta a hora contra o vento e com a viseira aberta. Já pensei algumas vezes em cuspir nessas pizzas, só naquela de dar uma de rebelde e exteriorizar o meu enjoo. Mas acho que o cozinheiro já deve ter feito isso por mim e não tenho assim tanta saliva excedentária quanto isso. Pensam que temos muita liberdade e que ninguém paga a liberdade. Mas eu só queria que me dessem mais uma gorjeta ou outra. Mal ganho para o tabaco, que está caro. Ainda por cima, o vento fuma sempre a meias comigo, é um cravas de primeira. O meu sonho: que finalmente a dona de casa me convide a entrar para uma sessão de sexo sem limites. O meu pesadelo: as calzones a escaldar numa morada errada. O que eu faço por um punhado de trocos. Devia ter estudado mais. Mas sei que os livros não eram para mim e isso foi tudo o que eu consegui aprender. Assim nem ganho dinheiro nem treino motocross como deve ser. O chefe já me disse que não quer mais amolgadelas e que acha que ando a gastar muita gasolina. A minha sorte é que não tenho muita concorrência. Qualquer puto ganha mais a mendigar junto do papá, da mamã e da vovó do que a entregar comida instantânea porta-a-porta. Não estão para isso, todos os seus desejos e vícios são sustentados de uma forma ou de outra. São uns sortudos que não sabem a sorte que têm. E os putos já sabem que os argumentos dos filmes pornográficos são uma grande fantochada, nenhuma dona de casa quer nada comigo, para mais tendo eu uma dúzia de rondas por realizar e um bafo que denuncia muito tabaco e algumas minis. Elas abrem-me as portas em camisa de dormir, lá isso abrem, as desbocadas, mas nunca estão sozinhas. O terror de qualquer mulher que pede uma pizza é estar sozinha. Elas fazem logo questão de mostrar que redes sociais são com elas. Nunca devem ter visto um filme pornográfico, com certeza. Logo no hall de entrada, apresentam sempre várias fotografias de grandes grupos sorridentes, geralmente sempre na mesma posição e sempre com as mesmas caras de felicidade forçada, flashes demasiado fortes, pupilas vermelhas ou olhos fechados, péssimos enquadramentos, cores foleiras, a alegria da vacuidade atirada à cara do tipo encharcado e de capacete na mão, pensam que me fazem inveja com isso e com o telemóvel colado ao ouvido, discutindo os últimos incidentes da vaca da Herondina lá do gabinete, nem me olham de frente, nem se importam que a sua lingerie seja translúcida, enquanto o namorado, ou amigo, ou primo que lhe salta para a cueca ocasionalmente, ou gajo que simplesmente está por lá, me despacha com um desprezo que nem a um animal se dá, contando as moedas escuras do fundo da carteira para me presentear como se presenteia um inútil arrumador de carros. E eu ainda não cheguei a esse ponto de parasitismo social travestido de actividade com interesse público, mas se calhar era melhor, chateava-me menos e definiria eu mesmo o meu plano de trabalhos. Raramente há um sorriso, um toque, uma migalha de calor humano que compense as nódoas do molho de tomate. Já nem falo de gorjetas de um euro. Mas tudo bem, tenho os meus defeitos, gosto da pinga, gosto da erva, gosto de tuning, se tiver que roubar até roubo, desde que não conheça a pessoa e que não tenha que lhe fazer muito mal. Se calhar o problema é meu. Só que agora quero atinar. Quero que digam “eh pá, o rapaz das pizzas é o melhor profissional que eu já vi” ou “vamos comprar uma mota decente para o rapaz”. Ou simplesmente “ele merece”. Merecer o quê? Qualquer coisa não tão ruim. Por exemplo, “o tipo devia dar-se muito bem numa oficina. Ou num talho. Ou num café a servir à mesa”. Não peço mais. Contudo, o jogo que aqui se joga não é esse. Eles é que pedem. Eu apenas vou atrás. Se tiver que recomendar alguma coisa, digo que “a pizza da casa é a melhor”, é o que o chefe diz. Mas não sei se é. Já não como pizzas há algum tempo.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Não Pode Ser

A Joana Amaral Dias não pode ser “de esquerda”, seja isso um posicionamento político, um bloco, a mão com que aperta preferencialmente os seus mamilos, a forma como conduz, etc.. Vocês percebem. É demasiado boa para tal. Claro que me refiro apenas ao aspecto físico. Que é aquilo no qual todos reparam. Até o Louçã, que de vez em quando deve esfregar os olhos e pensar em nacionalizar a Joana. A própria Joana devia gostar de ser para o povo. Era uma situação win-win. Assim o Louçã estaria muito mais perto de me convencer a votar nele.
Quando a Joana abre a boca, ela até pode ser muito parecida ao resto das gajas de “esquerda”. Em termos muito vagos, julgo que ela fala das “desigualdades sociais”, “direitos adquiridos”, “rendimento mínimo”, o blá-blá-blá do costume. Mas ninguém repara. Ela estar para ali a falar ou estar a dormir vai dar ao mesmo. Se ela dançasse em frente a um varão, aí sim, o pessoal levava-a em conta. Faz toda a diferença face a todas as outras gajas “de esquerda”.
Não, ela não pode ser “de esquerda”. As gajas “de esquerda” são, como dizer?, uns camafeus do caraças. Gajas maltrapilhas que andam com fitinhas e missangas e malabarismos com bolinhas e que, por vezes, até cospem fogo; gajas de sandálias, que deixam transparecer pés sujos e tatuagens banais; sujeitas envergando roupas rasgadas e baratas com o cara do Che Guevara, fumando tabaco de enrolar do mais reles que se pode encontrar no mercado; tipas que desprezam o conceito de depilação, mantendo cabelos desgrenhados com cortes preferencialmente curtos, certamente para agradar às outras lésbicas que elas tanto prezam; indivíduas com 1,6m no máximo e que estão cheias de sinais e borbulhas e que são demasiado magras ou com uns quilos a mais. Portanto, elas cumprem os requisitos certos para retirar a libido a um gajo. Até a Ana Drago, que se tem esforçado para melhorar a imagem, é vesga. Na realidade, a Ana Drago era o protótipo de uma gaja “de esquerda”, até ver que o pessoal reparava muito mais na Joana e decidir aperaltar-se mais, realçar o sinal estratégico na cara como se fosse uma Catarina Furtado com discurso de Robin Hood e utilizar um soutien dois números abaixo. Mas nós sentimos que há algo ali que ainda não bate certo. A Ana não é uma Joana. Aquilo é uma espécie de lagartixa que queria chegar a jacaré. O mais certo é chegar a velha e ser tão irritante como a Helena Pinto com a sua voz de cana rachada. Mas, pronto, é fisicamente mais apetecível que a Odete Santos, embora isso não seja nenhum troféu em particular.
Se a Joana for mesmo “de esquerda”, coisa que até agora ninguém foi capaz de identificar com rigor, então é a excepção que confirma a regra. Tenho para mim que as pessoas não conseguem resolver o paradoxo de ver uma gaja boa “na esquerda” e então confundem-se e não a levam a sério. Por exemplo, pensamos todos que os propalados convites telefónicos de outros partidos eram apenas meros engates do género “e se fôssemos beber um copo esta noite? Sem compromissos, só para passarmos um bocado de tempo juntos a conversar, que tal?”. Não lhe auguro um grande futuro político. Por outro lado, ela daria uma grande capa da Playboy.
Gostávamos muito de vê-la nessa vertente mais fashion, a sério. Para já, os seus atributos físicos parecem ser todos naturais e ela tem aquele ar de quem é muito intelectual por ter estudado psicologia e escrever colunas nos jornais que ninguém lê – o que seria um considerável avanço para a revista, depois de ter apresentado cantoras pimba e modelos em claro declínio na carreira impregnadas de silicone. No caso da Joana, isso poderia servir para lançar-lhe uma carreira como uma femme fatale em filmes e séries de TV.
Sim, porque a carreira política não é para ti, Joana. O teu aspecto visual é que é o teu grande activo, não é aquilo que eventualmente pensas. Na política, o pessoal quer ouvir homens velhos, carecas e gordos a falar. De ti, a gente espera apenas ver-te. Com o mínimo de roupa possível. Ficarás indignada com esta espécie de machismo descarado, como boa mulher “de esquerda” que dizes ser. E quando fazes esse ar de zangada… és mesmo sexy. Tu sabes.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Bilderberg

Inglês rico #1 – Meus caros: como decerto se lembram, o ano passado decidimos as falências do Lehman Brothers e do sistema táctico do losango. O que é que vamos decidir este ano?
Americano rico #1 – Estamos à vontade?
Inglês rico #1 – Estamos completamente à vontade. Os jornalistas que eventualmente passarem o perímetro de segurança serão sumariamente executados. Este secretismo é essencial, já que estamos aqui para decidir o que fazer do mundo, porque nós… bem, nós somos o mundo.
Americano rico #1 – Mas mesmo à vontade? Ou seja, isto não vai ser gravado nem escrito em lado algum?
Balsemão – Está aqui o tipo do “Outra Louça”, mas isso só interessa aos brasileiros que andam à procura de fotos de gordas na Internet. E esses não percebem nada.
Inglês rico #1 – Estamos rigorosamente à vontade, como se pode avaliar pelo facto de eu estar descalço e a coçar as borbulhas do meu cu em plena mesa de reuniões. Diga lá, caro colega americano. Ups, esta tinha pus.
Americano rico #1 – Isso de estarmos mesmo à vontade tranquiliza-me. Porque senão falava da regulação financeira, da crise de valores no mundo ocidental, do papel da Europa do mundo e dessas miudezas. O que eu queria era falar sobre algo realmente polémico…
Alemão rico #1 – E que é?...
Americano rico #1 – Mamas. Quero falar sobre mamas.
Inglês rico #2 – Dear God!
Italiano mafioso #1 – Boa!
Francês rico #1 – Sacre bleu!
Balsemão – Eh, pá!...
Americano rico #2 – Desculpa, estava aqui a comprar umas armas ao Irão, o que é que disseste?
Americano rico #3 – Ele falou de mamas.
Americano rico #2 – Ah, eu gosto mais de homens suecos. Continuem sem mim.
Americano rico #1 – Mamas, meus caros. Temos que decidir algo.
Inglês rico #1 – Mas o quê?
Americano rico #1 – Temos de arranjar uma forma para as gajas mostrarem as mamas com mais frequência. Só gajas entre os 16 e os 45 anos, com menos de 70 quilos, mas podemos discutir detalhes…
Italiano mafioso #1 – Apoiado!
Americano rico #1 – Eu gostava de ver as mamas da tua mulher ao vivo, por exemplo. Mas acho difícil, ela anda muito resguardada. Daí esta ideia.
Francês rico #1 – Est-tu parlating avec moi? Sacre bleu!
Americano rico #1 – Sim, é mesmo contigo. Pá, eu não estou a falar em pagar às gajas para se despirem, isso é fácil e já gastei milhares de dólares e alguns espiões com isso. Estou a falar disto: elas mal nos vissem, tumba!, desapertavam logo os soutiens! Era uma espécie de continência. E nós ficávamos com a opção de as apertar, lamber, tirar fotografias ou qualquer coisa que nos apetecesse, na qualidade de gajos extremamente poderosos e inevitavelmente repelentes em termos físicos.
Alemão rico #1 – E poderíamos dar-lhes chapadas, cuspir-lhes e mijar-lhes em cima e essas coisas todas?
Americano rico #1 – Sim… pois… como preferires, Hans. Se é isso que fazem em Dresden, é lá contigo.
Alemão rico #1 – Wunderbar!
Americano rico #1 – Eu já não aguento ver gajas boas nas conferências e levar com o desprezo delas. E estou farto de gastar dinheiro com acompanhantes. Bolas, eu sou o gajo mais rico de todo o nordeste americano e as gajas nem sequer são capazes de me mostrar as mamas por respeito! Eu construí o hospital e pago aos médicos que lhes colocaram o silicone. Aquilo de alguma forma também é meu e mereço ver!
Suíço rico #1 – Eu gosto de todo o tipo de mamas, para dizer a verdade. Até de chocolate.
Inglês rico #2 – Eu gosto de mamas pequenas. Têm uma certa inocência infantil.
Alemão rico #2 – Eu gosto de mamalhões com grandes bicos, mesmo à laia de vaca leiteira.
Italiano mafioso #1 – Eu gosto de mamas assimétricas.
Americano rico #3 – Como assim?
Italiano mafioso #1 – Quando a mama direita é maior que a esquerda ou quando os bicos não ficam bem no centro daquela auréola que os envolve.
Americano rico #3 – Ah, está bem…
Italiano mafioso #1 – Aprecio os desequilíbrios, apenas isso.
Americano rico #1 – Vêem? Toda a gente gosta de mamas femininas…
Suíço rico #1 - … eu por acaso estava a falar de mamas de homens obesos, excitam-me como um raio. Por isso é que eu tenho 120 quilos e ando sempre com um espelho.
Americano rico #1 - … pois… Mas já pensaram bem? É como se fosse uma obrigação de usar burka, mas ao contrário.
Inglês rico #1 – No geral, até é uma ideia bastante válida. Mas parece-me que iria causar grande turbulência… e é levemente autoritária para o mundo livre. Além do mais, eu sou eunuco.
Francês rico #1 – Sacre bleu!
Inglês rico #1 – Sim, e sou feliz como um hermafrodita.
Americano rico #2 – Acho melhor discutirmos coisas a sério, como analisar exaustivamente as últimas declarações da Carolina Patrocínio. Isso das mamas é exagerado e resolve-se facilmente: quem é bom vê mamas, quem não é não vê (a não ser as rameiras na Internet).
Americano rico #1 – Bolas, mas nós somos ou não somos donos do mundo? Podemos ter o que queremos mesmo sendo uns zeros à esquerda em termos de charme!
Balsemão – Infelizmente, a mim já me custa chegar ao 18º buraco… deixemos as mamas para quem tem idade para isso.
Americano rico #1 – Pensem bem, meus caros: mamas à solta para todos! De graça! Sem petróleo nem favores políticos em troca! Nada! Ejaculações a torto e a direito!
Italiano mafioso #1 – Eu concordo. Mesmo que já só lá vá com Viagra.
Americano rico #1 – Mais alguém?
Alemão rico #1 – Tenho fome.
Alemão rico #2 – Vamos ao chucrute? Depois tenho aqui uma ideia para acabar com os terroristas que é genial: consiste em juntá-los a todos numa espécie de colónia de férias, gaseá-los e…
Russo mafioso #1 – Já foi feito.
Alemão rico #2 – Ah sim? Bom, vamos então à papinha?
Inglês rico #1 – Sim, sim, comamos. Se há coisa que pela qual o Bilderberg é conhecido é por arranjar panelinhas.
Americano rico #1 – Pensem nas mamas, meus senhores! Nós podemos ter as mamas todas do mundo na mão! Todas as vossas secretárias! Todas as vossas jornalistas!
Balsemão – Por acaso, a Fernanda Câncio tem um par do caraças…
Americano rico #1 – Vês? Vês? Não me queres apoiar nesta causa?
Balsemão – Já viste a minha pele? Estou a escamar-me até à morte, pareço um peixe ressequido ao sol. Isso já não é para mim.
Americano rico #1 – Goddamit!
Inglês rico #1 – O jantar está na mesa! Ponham lá os babetes antes de comerem a sopinha, está bem?

quarta-feira, setembro 16, 2009

Ainda Bem Que Não Fomos Nós

"Vítimas da queda da avioneta em Castro Verde não são portuguesas" - in "A Bola" online

Na verdade, podia morrer toda a gente do mundo num acidente qualquer, desde que não os portugueses. Esses não. Esses são demasiado bons, tremendamente válidos, estupidamente jovens e talentosos para morrerem tragicamente como os outros.
A comoção instala-se quando ocorre uma catástrofe. Não é por acaso; não é por sermos demasiado impressionáveis. Não: o pavor está em saber se há portugueses metidos ao barulho. Se houver, bom, é um desastre e peras, daqueles mesmo tramados. Se não, é um alívio; de repente, toda a sinistralidade inerente à hecatombe se dissipa; estamos perante mais uma banalidade, do género daquelas múltiplas calamidades naturais que dizimam milhares na China, na Indonésia ou na Guatemala. Coisas com as quais ninguém se preocupa e pelas quais passa com a indiferença típica do zapping.
Em qualquer acidente com vítimas, há os mortos esquecíveis, que são os mortos que nasceram fora deste rectângulo e das ilhas; e há os mortos insubstituíveis, que são os nossos. Todo o português morto em acidente é lamentado numa proporção incomensuravelmente superior ao morto que jaz ao lado e que seria, por hipótese, espanhol. Mesmo se o espanhol fosse um Prémio Nobel, por absurdo, e o português um serial-killer pedófilo e toxicodependente que roubava as caixas das igrejas. Ficamos sempre com pena do “nosso compadre lusitano”.
O português desaparecido em acidente desperta nos portugueses um sentimento de perda irrecuperável. Nasce com a morte dele a necessidade de serem escritas elegias fúnebres dramaticamente poéticas, de se depositarem flores coloridas no local da tragédia, de se fazer um minuto de silêncio em sua honra, de se acusarem todas as autoridades competentes e mais algumas por desleixo. Apenas por ter sido português. E se era português, então é porque nos era muito próximo e de alguma forma privámos com ele. Sim, porque todos acabamos por nos conhecer uns aos outros. Esta proximidade, tão frequentemente desprezada no quotidiano, é-nos devastadora na hora da desgraça.
Por norma, um português que morre num desastre morre com uma dignidade insuperável. E sempre em condições que roçam o heroísmo, pelo desafio inglório face à fatalidade. Os outros, geralmente, foram apenas incautos.
Um português morto num acidente tinha sempre qualquer coisa formidável para nos oferecer e foi apenas a inveja desse malvado destino que nos privou dessa coisa fantástica. Já um português morto de causas naturais merece apenas a atenção dos mais chegados. A tragédia que nos dá uma bruta estalada nas ventas, provocando-nos uma estupefacção que nos percorre toda a espinha, é a mesma que nos apressa a elevar o estatuto da vítima ao pedestal da imortalidade. Pelo menos durante uma semana. E esse pedestal será posteriormente revisitado por um programa qualquer da SIC, onde se vasculharão os familiares da vítima passados 10 anos.

“Acidente de viação vitima família de cinco pessoas"! Consternação! “Eram todos ciganos”. Ufa, pensei que era gente a sério; antes eles do que nós.
“Furacão violentíssimo fustiga barlavento algarvio"! Horror! “Só morreram ingleses”. Ah, então foi bem feito, os tipos não sabem apanhar sol e depois lixam-se.
“Vírus poderoso arrasa população da Amadora"! Pânico! “Só foram infectados os pretos”. Então caga nisso. São pretos, e, como todos sabemos, eles não são portugueses. Que se danem.
“Godzilla despacha bairro parisiense com grande colónia portuguesa"!
Emoção! “Afinal, os portugueses estavam a trabalhar e não foram afectados”. Ainda bem. O bichinho precisava de fazer estragos e em França já há tantas batalhas campais que mais uma nem se vai notar.
“Liedson apanha gripe A e está de baixa”! Bah, brasileiro do car***o… “Selecção Portuguesa a contas com mais uma dor de cabeça”. Eh pá, é verdade, o gajo já é português e tudo… isto é deveras lamentável. Só faltava o Obikwelu também apanhar poliomielite. Seria uma machadada fatal na nossa estima.

quinta-feira, setembro 10, 2009

Ficção Dura de Roer

O enredo das telenovelas portuguesas entrou por caminhos lynch
ianos. Ou, pelo menos, assim somos levados a crer pelas revistas da especialidade, que nos mimam com resumos de elevado requinte literário. Há demasiada tensão entre as personagens e as histórias paralelas acumulam-se, trocando pontos em comum de quando em vez. O que lá foi há três meses já não interessa para nada agora.
Agora há “mães” suspeitas, com direito a aspas e tudo, mantendo relações dúbias com os filhos. Guardas prisionais à solta em plena luz
do dia, metendo-se com as pessoas nos momentos mais impróprios. E, acima de tudo, tipos que juram ""continuar mortos"" – com aspas duplas, que é para realçar que é uma citação de uma citação.

Tal ideia suscitou o seguinte comentário de Matt Warhol, um sobrinho-neto obscuro do tio-avô Andy:


O certo é que a mãe não anda bem. Numa aparição pública, desata aos tiros, alegando inverdades. Até a polícia, que por acaso estava por ali, sentiu-se na obrigação de detê-la. A ver se o bicho acalmava.

Os ânimos continuam exaltados um pouco por todo o lado. Mesmo os habitualmente imperturbáveis médicos queimam o rastilho muito rápido. Num momento de maior ebulição e quando os nervos pulavam à vara pela flor da pele, um bananeiro acorre ao local e conquista a simpatia da profissional de saúde, neutralizando a bomba. Na próxima revista não perca a sequência: sexo no consultório dela, ela com bata branca e ele com a maior banana da sua colecção.

Por fim, eclesiásticos corruptos e agressivos, de mente tão suja quanto a cor da sua batina. Alguém viu o que não devia. Deus vê o que Diabo faz na sombra através dos espelhos instalados na alma de todos nós. Dólares e euros, punhos e pontapés. Morte aos chibos. A fuga em frente, a toda a velocidade contra o destino.

Será um encontro com a droga? Ah, a droga, a religião, o dinheiro, o poder, as chantagens e o martírio das ressacas. Ficção bem rasgadinha, fracturante, dramática, diabólica.
Foge, padre, se queres sobreviver.
Outros preferem continuar mortos.

E assim este mundo vai girando.

Apaixonei-me Por Um Monitor

Tinha ele 55 polegadas e eu a ternura da idade, fez clique e foi tão fácil, era impossível resistir ao seu chamamento, radiante ele se impunha naquele pedestal dourado, confortável com todos os seus pixels, dominando todas as suas ligações e entradas, deslumbrando com a riqueza do seu Motion Plus 100 Hz. E qual criança em êxtase corri para junto dos braços dele para sentir a força do seu poderio cromático, o 16 por 9 tantas vezes quantas ele quisesse, sugávamos o nosso mel em simultâneo e em silêncio, tantas vezes só nós, por nós, podia morrer feliz se o visse sempre a brilhar o LED Crystal Engine numa sala escura e só nós os dois, brincando com os dias, a lareira acesa, os maus todos lá fora e nós ali, partilhando a fruição das nossas vidas, acariciando os nossos corpos, trocando o calor que emergia de nós. Sim, apaixonei-me por um Samsung, dizem que os coreanos têm-na pequena, mas este é grande, um grande monitor LCD e eu nunca me senti assim, tão facilmente arrebatado, tudo nele é super, acho que é amor para sempre. Já não me consigo imaginar sem ele, aquelas coisas simples como chegar a casa e afagar o seu adorável comando remoto primeiro que tudo, não quero sequer saber o quanto a minha cama iria parecer grande sem ele no meu quarto, antes prefiro degustar a nossa companhia suavemente com todos os meus sentidos e deixar-me passear na doce sedentariedade em que ele me envolve. Assim mudou a minha vida. Pensar que estive todo este tempo sem ir ao site da Pixmania.

domingo, agosto 23, 2009

No Consultório Aguardando Pela Chamada

1ª revista:
2ª revista:




3ª revista:

4ª revista:

A 5ª revista era dedicada ao crochet. Não fui capaz de ir tão longe.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Tudo Pelos Bebés

[Câmaras a postos, flashes incessantes, microfones espalhados em cima da tribuna, onde se vêem vários artigos dos patrocinadores expostos – Bebécar, Chicco, Playmobil e Durex, entre outros, bem como um dildo em forma de urso de peluche; algum burburinho; assessor sai detrás da cortina e senta-se na cadeira mais à direita; faz um compasso de espera e um esquadro de expectativa até que começa a falar]
- Meus senhores, quero apresentar-vos em primeira mão o novo CEO da Baby TV, Carlos Cruz.
[Burburinho cresce, flashes intensificam-se, Carlos Cruz surge detrás da cortina com um boné do seu patrocinador oficial, a vaselina Tóquentrar, aperta o cordão do roupão, ajeita a gravata e senta-se na cadeira central]
- Boa tarde a todos. Chamo-me Carlos Cruz e estou aqui na qualidade de novo CEO da Baby TV. Antes de começar a responder às vossas questões, quero afirmar que estou aqui nesta posição com todo o prazer. Tenho mesmo muito prazer em poder abraçar esta tarefa de reorganizar o conteúdo programático deste canal que me merece todo o respeito e pelo qual nutro especial simpatia. Procurarei encontrar formas mais excitantes de fazer televisão, como aliás me foi solicitado pelo corpo [pausa para beber um pouco de Capri-Sonne] de accionistas. Feitas as primeiras considerações, estou então disponível para responder às vossas perguntas.
[Algumas perguntas ao mesmo tempo, cotovelos no ar, microfones agitados; alguém fala mais alto]
- Podemos esperar mudanças na programação psicadélica nocturna da Baby TV?
- Não queria falar de temas em concreto para já, mas posso adiantar que será improvável alguma alteração nesse capítulo, porque a equipa de hippies que realiza esses clips sob efeitos de LSD, haxixe e heroína vai ser a mesma. Em equipa que se droga não se mexe. Até porque eles são extremamente nojentos e não há ninguém verdadeiramente corajoso para ir lá reclamar com eles. E as crianças gostam, é o mais importante.
- Quais os principais desafios que tem pela frente?
- Tenho ali um miúdo de três anos que se está a fazer difícil e acho que vou ter que comprar mais um chupa para fazê-lo subir até ao meu quarto, embora eu…
- Eu referi-me aos desafios no sentido profissional e não no sentido pessoal…
- Ah, bom, está bem. Como sabe, os bebés são um público extremamente exigente e se não damos o que eles querem eles partem a televisão. Ou pelo menos, partem o comando, o que vai dar quase ao mesmo. Posso adiantar o seguinte: vamos apostar fortemente no amarelo, que estava um pouco desprezado, e em patinhos a nadar de rabinho para ar, pode ser que consigamos influenciar os comportamentos.
O nosso grande objectivo é retirar prazer daquilo que fazemos. E ultrapassar o share do jornal da TVI quando falam da Casa Pia. Mas, sobretudo, divertirmo-nos.
- Vamos poder contar com o Avô Cantigas a cantar em directo ou vai ser apenas um playback?
- Depois do lamentável incidente da gala Baby TV do último Natal [quando uma animação digital corrompida do Avô Cantigas foi para o ar indevidamente, mostrando o Avô Cantigas a negociar com duas prostitutas romenas no seu Audi A4 em Alcabideche, ao minuto 1:45 da peça], a partir de agora o Avô Cantigas deverá cantar apenas em directo, mas isso é algo que ainda estamos a discutir e que terá que ser aprovado em assembleia-geral. Sei que o administrador da área das Histórias da Carochinha, o Padre Frederico, está reticente quanto a esta opção [o assessor inclina a cabeça e sussurra umas palavras ao sr. Cruz]… perdão, eu queria dizer Pedro Frederico, está reticente, mas isso vai ser discutido, e outro administrador nosso para os Crimes e Animações Violentas, o Marc Dutroux [o assessor volta a sussurrar umas palavras ao sr. Cruz]… perdão, é o irmão dele, o Tintin Dutroux… desculpem, ainda sou novo por aqui, esta é a primeira vez e custa-me um bocado acertar [engole em seco, embaraçado] nos nomes das pessoas… para finalizar, tudo se vai compor.
- É agora que a Baby TV vai ensinar a fazer operações algébricas e a formar palavras como “pai”, “mãe”, “tio” e “ejaculação precoce”?
- Queremos apostar na literacia infantil, é um facto. Mas, por favor, não quero debruçar-me sobre temas polémicos para já. Sobre números não me pronuncio.
- Muitos circuitos dão como certa a contratação do Popas da Rua Sésamo para reforçar o ataque da Baby TV. Pode confirmar?
- O Popas consegue atrair muito as crianças e isso apraz-nos. Gostaríamos de atrair o maior número de crianças possível e, por isso, não nego que o Popas está nas nossas cogitações. Paralelamente, gostaríamos de contar com o Ferrão, que é muito bom para obrigar as crianças a despirem-se [engasga-se] de inibições, com a sua voz rouca e levemente ameaçadora. Popas para atrair e Ferrão para despir é um sonho nosso. Vamos ver. A Rua Sésamo não quer perder estes valores seguros, depois de ter perdido a Alexandra Lencastre para as novelas da TVI, onde ela revelou um fantástico par de seios que não havia sido suficientemente desenvolvido durante a sua estadia na Rua Sésamo. A Rua Sésamo agora quererá pensar bem duas vezes antes de libertar os seus activos.
- Qual a sua filosofia para a Baby TV?
- Muito amor, muito contacto directo com as crianças e, acima de tudo, muita honestidade na relação com as crianças: se não quiserem fazer festinhas, vão para a cama sem papinha. Vamos ser directos. Não vamos esconder a realidade das crianças. Elas têm que saber que mandar um cubo à cabeça de outra pessoa aleija, que as ovelhinhas fofinhas têm pedaços de merda agarrados na lã adjacente ao ânus delas e que aquilo não é chocolate e que “a grande bisnaga” do papá também dá leite, embora não tão doce.
- É certo que vai receber uma quantia exorbitante por este cargo?
- Olhe, eu já desconfiava que surgissem perguntas mal-intencionadas e por isso dou por terminada esta conversa. Lamentavelmente, há muita gente invejosa dos 2.500.000 € que um humilde CEO pode arrecadar num ano só por andar em almoçaradas com elementos ligados à Justiça. Por isso, despeço-me com estima e consideração por todos aqueles que me apoiam e apenas prometo uma coisa: muito pensamento no trabalho.
[Há insistências, atropelos entre fotógrafos, mas Carlos Cruz e o assessor saem de cena, torneiam a multidão e seguem directos para o sua viatura estacionada fora das instalações da Baby TV, onde um motorista lhes abre a porta. Partem a boa velocidade dali para fora, protegidos pelos vidros fumados. Carlos Cruz quer saber o que o assessor achou da sua apresentação]

- Correu bem, não correu?
- Definitivamente, senhor.
- Quer dizer… as pessoas ficaram esclarecidas, não ficaram?
- Certamente.
- E descansadas também, não acha?
- Totalmente de acordo, senhor.

- Acha que…

- Acha que eles… ficaram de certa forma intrigados por eu também me chamar Carlos Cruz?
- De todo, senhor. O público é inteligente.
- Acha que sim?
- Claro, senhor.
- Quer dizer que… quer dizer que para eles ficou totalmente claro que eu não sou o… outro… Carlos Cruz, você percebe aonde quero chegar, não percebe?
- Evidente.
- O público notou isso, não notou? Isto é, não vai pensar que eu vou para a Baby TV fazer as… “coisas”… “desse”… Carlos Cruz para lá, não é? Iria parecer… como dizer?, desajustado, não é? Eles compreenderam isso, não acha?
- Sem sombra de dúvidas, senhor.
- Sem sombra de dúvidas?
- Sem qualquer margem de erro. O senhor foi tremendamente elucidativo.
- Ainda bem, ainda bem. Se havia programa que eu detestava era o “1,2,3”.

terça-feira, agosto 11, 2009

Apenas F

Parece que não vens jantar. E desta vez até tinha preparado um molho de natas e cogumelos. Prometi que sabia fazer algo mais que fritar ultracongelados. Está visto que me enganei no timing. Assim fico sozinho e com um espírito semelhante aos últimos álbuns do Radiohead. Ou seja, muita produção e muito hype para nada, um estado de alma levemente zarolho e completamente amorfo enquanto olho para a televisão sem conseguir ver quase nada. Sou um homem sozinho, com todas as consequências parvas que daí advêm. Na MTV ensina-se a ser-se gay, pois isto da heterossexualidade é do mais careta que pode haver.
- É engraçado – disseste tu.
E não te referiste ao molho, mas sim à televisão. Eu quis acreditar que era em relação ao molho, mas naquela altura o molho já era uma espécie de água branca e fria onde boiavam cogumelos laminados e deslavados. Ninguém pode dizer que aquilo é engraçado. Mas há muita gente que acha graça aos ténis do Seinfeld e que pensa que o Markl inventou a roda da comédia, pelo que havia uma hipótese, remota, do cogumelo ferido na sua dignidade comestível ser realmente divertido. Mas não. Aquele cogumelo estava morto.
Embora ninguém diga mal de quem acabou de morrer, é verdade que nem eu consegui elogiar aquele molho. Quem morreu passou definitivamente desta para melhor, porque vai ser alvo dos mais variados elogios e na altura da morte todos os defeitos se evaporam com a alma que vai para o céu. Agora percebo essa expressão de “ir desta para melhor” e a glória de quem morre. Que no fundo é a mesma glória de quem é vivo, mas sem aquela característica tão particular de quem está morto, que é ficar quietinho e frio à espera que alguém se lembre de limpar a campa de quando em vez e encharcar o chão fofo do cemitério com lágrimas e odes lamechas. Morrer é fixe. Viver sim, é difícil e pouco gratificante.
Senti isto quando marquei aquele golo espectacular à meia-volta. Fui a correr até à linha lateral e procurei por ti nas bancadas. Depois beijei o anel e apontei na tua direcção. “Este é para ti”. Se eu estivesse morto, seria um delírio, um choro imenso, uma recordação passada em câmara lenta. Infelizmente, ainda estava vivo. Não vi grande festa. As costumeiras palmadinhas nas costas, as palmas de sempre, mas nada por aí além. Eu posso jurar que foi o golo do século, mas tu apenas a custo arrancaste um sorriso, preferindo a companhia inestimável do telemóvel. Julgo que os teus polegares já estão oponíveis a tempo inteiro, tal é o ritmo frenético com que te dedicas a mandar mensagens, a jogar paciência e a experimentar toques. Tens quatro telemóveis e levaste-os a todos para o jogo. E não foi para tirar uma fotografia ao melhor golo de sempre. Nem sequer ao marcador do melhor golo de sempre. Foi apenas para os telemóveis apanharem um bocado de ar e desentorpecerem os botões como se fossem uma matilha de animais de estimação à rasca para urinar contra um poste. Não compraste queijadas de Sintra e ficaste sentada a digitar depois do jogo ter acabado, até seres expulsa pelo próprio vendedor de queijadas, que já não podia ouvir o som irritante dos teus avisos de recepção.
- Acho que estou doente – disseste tu, e eu achei que isso era muito natural, porque já estava um cheiro nauseabundo na cozinha devido ao teu laxismo na arrumação da louça suja e alguma bactéria deve ter-te provocado uma infecção. Fiquei com pena, fiquei consternado. Não parecia ser a Gripe A, que até é uma doença porreira, por afectar também o Cristiano Ronaldo e obrigar as pessoas a lavar as mãos como se lavar as mãos fosse uma necessidade vital apenas descoberta recentemente. Parecia ser daquelas doenças degenerativas, em que a cara nunca fica a mesma, os olhos parecem cada vez mais miseráveis e os movimentos tornam-se arrastados, desastrados, desconexos. Mas não havia nada que eu pudesse fazer, apenas acreditar na ciência, nos santos, nalgum clique curativo instantâneo. Eu sempre fui mais do estilo “contem comigo para a festa mas já sabem que não tenho dinheiro para pagar a conta dos estragos”. E então convidei-te para o cinema.
- Não tenho vontade.
Podíamos ir a casa dos nossos amigos que têm óptimas fotografias para mostrar da sua viagem a Cuba.
- Não gosto de ver as viagens dos outros.
Então e se fossemos foder como se não houvesse amanhã, sabendo que não há muitos mais amanhãs por aqui?
- Poupa-me.
Poupada andavas tu. Em termos de sexo, bem entendido, que no resto nem por isso. Passavas dias sem me dirigir a palavra embora te tenhas tornado a melhor amiga do meu cartão de crédito. Esse galã desejadíssimo já conhecia quase todas as máquinas das redondezas, era um objecto promíscuo que dava a sua banda magnética a ler fizesse frio ou calor, que aconchegava o seu chip aqui e ali, ao sol ou à chuva, sem nunca parecer cansado. Ele era roupas e jantares, gasolina e presentinhos, um daqueles dias em que apareceste noite dentro, porque fazias “tratamento específico em horário pós-laboral” quis fazer as contas totais mas parei a meio, por falta de coragem, por cansaço, porque aquela conta estava a definhar a olhos vistos. Tinhas contaminado a minha carteira com a tua doença. O que quer que ela fosse.
Mas um dia cheguei a casa mais cedo e assustei-me quando dei por ti já na cama. Não era por ti. Só não esperava encontrar a Stefany junto contigo. Entre um misto de vergonha e estupefacção tu não conseguiste dizer que não. E eu, que julgava que ter duas mulheres juntas na minha cama seria o auge sexual da minha vida, não consegui encontrar motivos para sorrir. Todos aqueles sonhos em que elas se comiam uma à outra e depois a mim, num jogo incessante de troca de saliva e de posições kamasutrenses, caíram por terra como um pénis com o inverso do Viagra em cima. Foi como ver a minha septuagenária e flácida tia não depilada a abrir as suas pernas carregadas de varizes num matadouro. Não foi engraçado. Elas não me queriam ali. A Stefany foi-se embora como um bom homem deve ir: de cabeça erguida, olhando-me com a petulância possível num caso em que a casa era minha, a cama era minha, a mulher era minha, ainda e pelo menos em termos oficiais, mas era como se eu fosse o estranho por ali. O facto de eu estar bem parecia uma afronta enorme para ti e para ela. Tu acendeste o cigarro e ficaste ali na cama, tal e qual como um homem depois do trabalho feito. Se vocês chegaram a acabar o trabalho, não sei, desconfio que não.
Mas agora tudo ficou mais claro: percebo a mudança no teu guarda-roupa, pois ao saíres tu própria do armário atiraste para fora do mesmo armário os vestidos pomposos com os quais já não te identificavas, consigo compreender as razões porque consideravas o Miguel Vale de Almeida um intelectual com pés e (muitas) cabeça(s), porque é que achavas o Denim melhor que qualquer Calvin Klein for women e porque, enfim, fui encornado mansamente este tempo todo sem nunca ter desconfiado de todas as tuas justificações para o teu desinteresse galopante. Na verdade, não se tratava de outro homem, o que seria quiçá mais enervante, mas mais facilmente resolúvel. Era apenas uma wannabe de homem, o que podia fazer? Descer ao mesmo nível? Elevar-me para outro patamar? E agora? Pensei em apresentar queixa à Autoridade da Concorrência, mas depois pensei que nada podia fazer contra duas vaginas em fricção que nada desejam de um pénis honesto como o meu. E esse pénis permanece convicto, apesar de tudo. Ele há-de resistir. Isto é tipo um fogo incontrolável na floresta em que os bombeiros apenas tentam salvar as casas – o resto, leia-se, o corpo feminino, é bonito e dá saúde, mas não havia nada a fazer neste caso. É deixá-las roçar.
E percebi finalmente que o cabelo que aparaste curto não se devia à quimioterapia. Eras apenas fufa.

quinta-feira, agosto 06, 2009

Repórter Punk-Estrábico

- Sou gay e sinto-me discriminado.
- Tu sentes-te discriminado? Bah, vai-te lixar! Devias ter as pulgas do meu cão vadio a jantar o teu rêgo para saberes o que é a discriminação!
- Ei! Um repórter não pode falar assim com os entrevistados!
- Eu é que sei, ‘tás a ouvir, ó florzinha? Porcaria de rabetas que me sairam estas andorinhas!...
- O que disse?
- Pá, o que eu disse não é para aqui chamado! Acabaram-se as perguntas!
- Mas… você só perguntou “Quem és tu e o que tens para me contar?”… e, ainda por cima, nuns moldes que considero altamente grosseiros…
- Eh pá, já te calavas um bocado, não?
- Então… mas… mas eu sou o entrevistado! Devia falar!
- Que se f**a a entrevista!
- Não eram essas as regras…
- Regras?! Ahahahahah!!! Comigo não há regras! Eu desprezo regras! Comigo é tudo a partir!
- Mas.. não há nem sequer uma pergunta que me permita exprimir de forma manipuladora o ponto de vista da imensa minoria que represento?
- Bah! Minoria sou eu! Isto já acabou! Agora quero uma cerveja.
- Acabou? Mas nem sequer começou!... Que raio de repórter é você?
- Eu não sou repórter.
- Então?
- Eu não sou nada.
- Nada?
- Pronto… toco bateria.
- É baterista, portanto?
- Eh pá… não, eu não disse isso. Toco bateria mas não sou baterista. Eu não suporto rótulos.
- Mas isso não é nenhum rótulo… é apenas uma…
- Se eu disse que não é porque é não mesmo! O que vocês dizem não significa nada para mim!
- Está bem, pronto!
- O que é que está bem? Nada está bem, ouviste?! Só se fores tu com as tuas manias do mundo a cor-de-rosa, arco-íris e paneleirices do género. Para vocês é que está tudo bem. Mas a mim… a sociedade oprime-me sem piedade. Vendido!
- Vendido, eu? Eu sou a face mais visível da contra-cultura!
- Só se for o cu mais visível da contra-cultura… eheheheh!
- Biltre!
- Chama-me o que quiseres… não me atinges. E sim, és um vendido! Eu é que sou a verdadeira resistência às regras asfixiantes desta sociedade repressiva.
- Como assim?
- Estás a ver este prego ferrugento que espetei no lábio? 10 euros na loja punk de Alfama. E estás a ver esta corrente de cinco quilos que trago agarrada às calças de ganga rasgadas e bem apertadas? Custou-me 15 euros na feira.
- E então?
- Eu esforço-me para manter um aspecto ousado e com isso estou a demonstrar a minha repulsa pelas convicções enraizadas. E nem te falei do gel colorido que usei para espetar o meu cabelo que é para não te assustar, tu que és sensível e essas coisas…
- Esforçar? Pagaste para ter esse aspecto! Pagaste ao sistema capitalista para supostamente teres uma imagem rebelde!
- Bah!, tu nem sequer eras capaz de pagar 25 euros para comprar um vibrador! E não paguei ao sistema, paguei à Mariline, que é uma tipa que tem umas botas biqueira de aço espectaculares… mas que fique claro que não gosto dela, porque eu não aprecio pessoas em geral.
- E onde é que arranjaste esse dinheiro? Trabalhaste?
- Pfui, eu nunca trabalhei nem hei-de trabalhar. Arranjei o dinheiro da única forma honrada que um punk pode arranjar: roubei a minha avó.
- Roubaste? Isso é digno?
- Então não? Temos de roubar quem nos explora sistematicamente! E a minha avó é uma porca exploradora que nunca foi capaz de me oferecer o álbum dos Exploited.
- Coitada da senhora…
- Coitada? Ela encarna o mal da sociedade! Como eu odeio esta sociedade e as suas promoções que nunca chegam aos 100%...
- Promoções?
- Sim! Como é que eu vou vestido para o próximo concerto dos Tara Perdida? Os preços dos produtos oficiais são um roubo! O que até acho bem, mas… não me roubem a mim, que sou espezinhado por esta sociedade sem valores! E não queres que eu leve a t-shirt rasgada dos Green Day, pois não?
- Por estar rasgada?
- Ahahahah!! És mesmo larilas!... Essa parte de estar rasgada até é altamente, mostra desprendimento e inconformismo… o pior é que os Green Day são uns vendidos. Só vêem dinheiro à frente. Pulhas! Já não há ninguém com espírito de afronta no mundo. Só eu e a Mariline.
- Estás mesmo apanhado por ela… eu sei o que isso é: quando vi o Cláudio Ramos a passar por mim fiquei hipnotizado pelo seu olhar penetrante… ihihihih…
- Eu não sei o que isso é! Eu não gosto de nada! A não ser destruição, anarquia e cerveja grátis na compra de um alfinete para as orelhas. Por falar nisso, onde está a cerveja?
- Eu não bebo álcool, engorda e depois fico barrigudo e o Cláudio Ramos já não olha para mim.
- Paneleiro do caraças! Estou a perder tempo contigo! Anda, cão, acabemos com esta porcaria de post e vamos mas é desafiar uma figura de autoridade!
- “Cão”? Bolas, o pobre animal nem sequer tem nome…
- Pobre? Tomara tu teres uma décima do espírito contestatário da carraça mais conformista dele!... Pfui, este cão caga em cima da tua paneleirice e dos teus valores conservadores!
- Eu não sou conservador!
- Pois, e eu acho que o Sid Vicious está vivo… cai na real, pá! És do mais irritante que há com essa merda do casamento para larilas, do quereres formar um lar e adoptar putos!... Coisa mais conservadora não há! Destrói qualquer coisa para te fazeres valer! Insulta o governo! Escreve ofensas num blogue! Rouba artigos punk de marca nas lojas da especialidade! Isso sim, é não ser conservador!
- Pronto… vou contar as minhas agruras a um repórter a sério, que assim não vale a pena continuar…
- É isso, é isso! É esse o espírito: “não vale a pena”! Não vale a pena fazeres nada, não há futuro nesta sociedade! Tudo o que te resta é destruíres o que eles fazem! Só assim sentirás a liberdade suprema! Olha para mim… Vou partir a montra daquela loja, símbolo do domínio capitalista… e vou sentir-me orgulhoso ao desempenhar este papel de contestação!
- Manda lá a pedra, então…

CRASH!

- E agora, punk? A polícia estava logo ali!
- Foi ele, sr. guarda! Foi este paneleiro que partiu a montra! Eu vi tudo! Estava aqui a passear o meu cãozinho e este maricas veio lançado com um calhau na mão e fez esse estrago todo! Prenda-o, sr. guarda, prenda-o já!
- Mas eu… eu não… Ei! Largue-me, seu bruto!
- Eheheh! Eu estarei sempre por aqui, imparável, com a revolta pronta a estalar! Anda cão, vamos ver se
encontramos mais uns pins para colocar no meu blusão de ganga da Levi’s.