quarta-feira, outubro 29, 2008

Isto Não É Um Post

- Isto não é um post…
- Então é o quê?
- Eh, pá, é encher chouriços, como se diz na minha terra.
- Qual é a tua terra?
- Azambuja.
- Espectáculo! Eu sou do Cartaxo! O mundo é mesmo pequeno…
- Parabéns. Mas isto continua a não ser um post.
- Então não é? Não estás a lê-lo?
- Eh, pá, estou por aqui a fazer figura de urso… estou a colaborar com esta trampa toda, é o que é… mas isto dificilmente pode ser considerado um post…
- Então mas querias o quê?
- Queria… substância.
- Substância?
- Sim, pá. Então um gajo perde tempo a escrever diálogos com pretensões pseudo-situacionistas que não levam a lado nenhum, que nem sequer adiantam nada a nenhuma coisa, e que ainda por cima não são nada de especialmente original para os seus próprios critérios, quando há tanto por onde pegar?
- Tanto por onde pegar? Como assim?
- Bolas!... Crise financeira, crise económica, crise política, corrupção, crimes violentos, a fuga da águia Vitória, o seu próprio quotidiano, sei lá; tanta actualidade fresquinha por onde pegar…
- E um tipo não pode só escrever o que lhe apetece, sem nenhum objectivo?
- Eh, pá, pode; mas isso não vai garantir nada de bom.
- Nada de bom?
- Sim, nem audiência, nem boa crítica, nem mesmo nada de que o escritor possa orgulhosa e egocentricamente relembrar-se mais tarde… isto é “junk writing”.
- Eu até gosto de “junk food”.
- Faz mal ao estômago.
- Pois faz. Mas sabe bem.

- Então e como é que é?
- Como é que é o quê?
- Já concordas que isto é um post?
- Não. E nem quero falar mais contigo. Estou farto de colaborar nestas palhaçadas. O escritor que escreva mais algum dos seus delírios. Que se drogue mais um bocadinho para ver se lhe surge mais alguma ideia, que sem droga o tipo não funciona. Agora… para este peditório eu já não dou mais.
- Mas até tecemos algumas considerações sobre “junk food”…
- …
- Já é alguma coisa…
- …
- Muita gente importante da nossa praça escreve textos longuíssimos sem sequer dizer nada de jeito… e nós concluímos algo sobre a “junk food”…
- …
- Não achas? Apesar de ser uma conclusão banal…
- …
- Mas pelo menos não reconheces o paradoxo de estares a afirmar que isto não é um post e ao dizê-lo estares a tornar isto num post a sério?
- …
- Pode não ser dos melhores, pode não ser muito original… mas é alguma coisa, não? E só é visto por aqui, que eu saiba…
- …
- Dá-lhe esse desconto, pá… O escritor até está a dar-te algum protagonismo…
- …

- És um grande teimoso.
- Eh, pá, volta lá para o Cartaxo.

terça-feira, outubro 14, 2008

Assediem-me, Por Favor

Natércia não é um nome fictício. Apenas a sua beleza o é, segundo os parâmetros normalizados desta sociedade que vê a bimba da Floribella e os seus dois chumaços peitorais como algo extremamente voluptuoso. A sua para-actividade é tentar despertar as atenções dos seus colegas masculinos no local de trabalho. Para quê? Apenas para dar dinheiro às lojas de roupa e aos catálogos de produtos de beleza. Pois os resultados práticos, até ver, deram em nada. Pronto, ficou com um torcicolo de tanto olhar para o Abel do 5º piso. E o Abel reparou mais no computador de Natércia do que nela própria, mais fascinado pelas memórias RAM do que pelas suas pernas deliberadamente ao léu.
O emprego consome toda a sua vida própria. Acorda cedo para chegar lá, almoça por lá, ceia por lá, quase só lhe falta dormir por lá e já houve quem desse à luz por lá. Não há tempo nem espaço para a socialização fora do emprego. E se não se arranjou com um homem enquanto ainda não era refém do seu próprio trabalho, não era agora, na pele de uma trintona submissa ao patronato, que Natércia podia arranjar. Tinha de conseguir alguém que vivesse naquele habitat.
E aquele habitat possuía condições muito duras, semelhantes ao mais inóspito deserto. Uma parte já tinha família constituída; outros apenas se dedicavam de corpo e alma à empresa, fazendo amor com ela em cada serão e fim-de-semana passado pelo open-space. Todos pareciam razoavelmente felizes com os seus respectivos pares. Tensões sexuais nunca pareceram existir. Enfim, uma aparente cambada de assexuados.
Depois apareciam as grávidas. Os filhos. As namoradas. Afinal aquela gente até faz amor. Tem sexo. Manda umas trancadas. Sabe dar uso à genitália. Gosta de apalpar. Aprecia vestuários ousados. Tem fantasias. Adora ver o sexo dos outros. São mesmo uns grandes voyeurs, discretos como se quer. Ninguém suspeitava, mas o chefe teve de ter um impulso sexual qualquer para ter tido o filho que é a cara dele. E se a sub-directora fala em roupa para bebé é porque houve rebaldaria lá pelo quarto dela, numa altura qualquer.
O desejo de Natércia, para além de manter um bom currículo, é o de adicionar algum sal à sua vida, presentear o seu sexo com as coisas boas que ela apenas supõe que ele pode dar e receber, aquilo que ela tanto vê nas novelas e nas revistas. Natércia quer ser assediada. De uma forma qualquer, tanto faz. “Bolas!, reparem em mim!”, diz ela em surdina com a sua blusa bem desabotoada. Quer que a usem num jogo sexual. Quer ser proposta de alguma forma, impúdica ou sacramental, para um acto de cópula. Natércia quer, pelo menos, ter esse prazer de sentir o seu corpo admirado por alguém, ser a maçã proibida de alguma alma masculina caridosa e, de preferência, bem robusta a nível físico. Mas não. Ninguém lhe passa cavaco. E ela nem sequer pesa 80 quilos como a Ricardina, que anda feliz com a sua vida de recém-casada. Como é que a gorda conseguia? Sim, Natércia tem muita inveja.
Inveja e raiva, de ver tantos e tão bons avanços destruídos desta forma que nem lembra ao Diabo – na verdade, denúncias como esta que aqui veio transcrita levam Natércia a suspeitar que até uma freira não teria coragem de recusar constantemente estes avanços e acabaria por ceder de uma forma ou doutra. “Deus dá nozes a quem não tem dentes”, repetia ela para si mesma, acreditando que ainda poderia ser alguém no mundo da carne. Se os assediadores soubessem o que Natércia pensa deles, nem sequer perderiam tempo a assediar essas mocinhas petulantes e viriam logo ter com ela, seria uma situação de claro win-win.
Um dia alguém há-de olhar para ela de alto a baixo, alguém há-de convidá-la a sair, e nesse dia ela promete que tudo vai fazer para não assustar o assediador. Nunca haverá violação, porque ela estará disposta a deixar-se possuir em qualquer circunstância, até na sala de reuniões em frente de todo o Conselho Directivo, tão ardente é o seu anseio. Alguém que (se) venha, rápido. Que bom será sofrer de assédio. Se é que se poderá designar de “sofrer”.
Não, isso será uma pura massagem para o ego. Seria muito agradável ela também fazer parte da percentagem das que são assediadas no trabalho. Seria muito bom sentir o bafo de homem, que isto do trabalho é muito bonito e faz muito bem, mas não conforta nem o corpo, nem a alma – e ela sabe-lo bem, naqueles intermináveis Sábados à noite que passa sozinha a rever relatórios. Natércia vai rezando para que esse assédio surja, em forma de linguagem brejeira, gabardina aberta ou outra qualquer. Ela lá estará de mente, braços e pernas abertas para recebê-lo.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Mata Os Teus Ídolos

Há uma obsessão que caracteriza o homem moderno e intelectual: o gosto pela Scarlett Johansson.
Quando este homem se quer referir ao protótipo de mulher fatal, fala na Scarlett. Quando quer exemplificar uma grande actriz, ilustra o seu pensamento com a Scarlett. Quando quer idealizar o modelo perfeito de beleza feminina, pensa na Scarlett. O sinónimo de sex-appeal nos seus dicionários vem adstrito a uma foto de grande decote da Scarlett. Todas as imaculadas sessões fotográficas em que ela participa têm apenas o propósito de Scarlett inundar com a sua aura de deusa todo o enquadramento que, sem ela, seria apenas um fundo cinzento. Ela simplesmente despedaça os corações destes pobres homens, prostrados e babados a seus pés.
E gera-se toda uma unanimidade que ninguém ousa colocar em causa. A Scarlett é a maior, é a mais bonita, tem as maiores mamas naturais de Hollywood (pronto, talvez sejam as únicas), é a maior actriz do século, do milénio, se eu visse a Scarlett a 100 metros de mim eu desmaiava e etc. e tal. Parece que não havia mulheres antes de Scarlett e que não vai haver depois de Scarlett, tal a euforia de mais esta moda. A febre engloba gajos de esquerda, de direita, do Sporting e do Benfica, todos eles extremamente esclarecidos e que nos dizem: “Rapaz, se não gostas da Scarlett, é porque tens algum problema”, tal é a abrangência consensual da divinal Scarlett.
O problema está todo neles. Desculpem-me os Scarlettófilos, mas se aquela é a mulher mais bonita do mundo é porque vocês não estão perto de uma bela mulher de carne e osso há bastante tempo. Com toda a dose de subjectividade, a Scarlett não é a mulher mais bonita do cinema. Nem sequer é a melhor actriz. É, quiçá, acima da média, mas não dá para compreender as parangonas atribuídas por estes tipos em deslumbramento colectivo. Por exemplo, eu vejo todos os dias mulheres bem bonitas nos transportes públicos. Talvez mais bonitas e sensuais que a Scarlett. Ah!, mas claro, estes tipos nem sequer saem de casa, estão fartos de aturar os miúdos e a sua mulher agora transformada num saco de batatas e, portanto, têm de se contentar com as referências que vêem na Internet sobre beleza feminina. Eu percebo. Mas isso não serve de desculpa.
É que há mesmo muita mulher bonita aí pelas ruas. E muitas feias, claro. Nem todas têm um metro e oitenta, nem todas merecem sessões glamourosas de fotografia a preto-e-branco, nem todas têm a possibilidade de entrar em filmes, mas o potencial até existe. Estou convicto que esse potencial está lá todo e isso até beneficia a minha auto-estima, dado que eu acredito que consigo arranjar algo melhor que a Scarlett e não preciso de ficar à espera dela para me sentir realizado. Se é que um homem alguma vez se sente plenamente realizado em termos sexuais, mas isso é outra questão.
Eu gostava de ter um affair com a Scarlett, não nego. Ela tem, de facto, um par de mamas que me ofuscam a vista. Mas eu também gostava de ter tido uma relação ocasional com muitas mais mulheres. Não preciso de um produto cinematográfico para construir as minhas fantasias. Convençam-se que a Scarlett tem pêlos nos sovacos. Apenas os rapa. Convençam-se que a Scarlett tem cáries nos dentes. Apenas as disfarça. Convençam-se que a Scarlett também dá puns. Apenas não os gravam em filme. Convençam-se que a Scarlett tem buço. Apenas recorre ao Photoshop. Enfim, convençam-se que a Scarlett é mais uma dentro dos milhões de mulheres por todo o mundo que nos podem parecer interessantes. Ainda vão a tempo de acordar desse sonho cor-de-rosa.

Também acho que o Jerry Seinfeld é o pior comediante internacionalmente reconhecido como sendo genial. O tipo é execrável como comediante. A fixação por ténis brancos, aquele ar americanóide de cabeçudo insonso e as piadas sequíssimas, estrategicamente decoradas com gargalhadas pré-fabricadas, destinadas a entreter trintões suburbanos que estão a aquecer o 4 Salti para a refeição, constitui a face mais deprimente do humor. Aquilo não é intelectual, nem é brejeiro. Não é nada, senão uma moda de pseudo-parvoíce que pegou. O Jerry Seinfeld não tem graça nenhuma. O Constanza tem muito mais – talvez seja o único naquele triste programa em que os interlúdios de slap bass são repetidos irritantemente até à exaustão. Mas não me apetece alongar-me muito a dissertar directamente sobre um tipo que, manifestamente, não gosto. Isso não tem piada.