quinta-feira, novembro 27, 2008

Será Amor?

O que me suscita mais curiosidade no programa semanal da Liga dos Campeões da RTP não é tanto o espectáculo dos golos nem as fintas diabólicas desses grandes astros que libertam magia por essa Europa fora. Pode ser eventualmente interessante, mas há algo que me merece muito mais atenção: é a tensão sexual que existe entre a bela Inês Gonçalves e o comentador António Tadeia.
Inês é capaz de dilacerar corações com aqueles olhos. E Tadeia não é excepção. Ele bem tenta falar de tácticas e fazer os seus comentários, mas convenhamos que não é fácil ter aquela miúda de tez morena a olhar para nós de blusa desabotoada e perna cruzada e dizer algo de jeito que envolva gajos musculados e bolas disputadas com excesso de virilidade.
Primeiro ponto positivo: Tadeia não precisa de se desculpar pelos maus comentários.
Segundo ponto positivo: Inês não precisa de fazer perguntas muito difíceis.
A audiência está apenas à espera que alguém assuma que deseja carnalmente o outro, ver a Inês ainda mais desnuda que no “Dança Comigo” ou ver resumos comentados pelo Alexandre Albuquerque – a conversa em si não interessa para nada.
Aliás, Inês nem sequer precisava de ser jornalista, podia ir ali ao café da esquina e compilar três ou quatro bitaites junto daqueles senhores que estavam a apreciar um bagacinho, voltar ao estúdio e fazer as perguntas, ninguém iria notar a diferença – pois a maior parte apenas iria notar se algo de muito anormal se passasse com a Inês. Por exemplo, se ela pintasse o cabelo de vermelho.
Não raras vezes, Tadeia atrapalha-se momentaneamente no seu raciocínio, gagueja um pouco e notam-se os seus olhos a brilhar, balançando de um lado para o outro, para cima e para baixo, devorando a bonita Inês. É humano, nós compreendemos. Inês pergunta “O BATE Borisov acaba por ser uma pequena surpresa, não é?”, e Tadeia diz “Sim… hãããã… Podemos dizer que sim”, mas pensa, amordaçado, “Irra, que esta gaja quer acabar comigo, enquanto homem e enquanto comentador que quer ser respeitado!”. Inês questiona “Mas o Werder Bremen ainda tem hipóteses, recebe o líder em casa…” e Tadeia imagina “Se tu fosses à minha casa, não te dava hipóteses”.
O programa acaba por ser um tormento para Tadeia, que ultimamente até tem revelado um profissionalismo notável – ficar sério e concentrado apenas no futebol é difícil, sem dúvida, e deve ser sublinhado o seu estoicismo. Deve ser muito mais confortável, embora menos excitante, escrever pataquadas nos pasquins diários. É que Inês provoca, vai buscar as lesões no eixo defensivo, mexe no cabelo, procura nos apontamentos algo sobre a história recente das equipas espanholas e depois aparece de blusa aberta em pleno Outono-Inverno. E Tadeia vai acompanhando o dress-code, abusa do estilo informal e, não por acaso, dispensa as gravatas que apertam ainda mais a garganta. O que Tadeia quer é identificar-se com Inês, talvez com a secreta esperança que ela perceba que ele consegue falar a mesma língua, que consegue perceber as necessidades e anseios de Inês e que ele próprio tem as suas vicissitudes hormonais, tudo com o propósito de arranjar um encontro em horário pré ou pós-laboral.
Acho que o Tadeia já está por tudo. Ficar um serão em frente à Inês e trabalhar ao mesmo tempo não é para todos. Desejo-te a melhor sorte, Tadeia, e que vocês se entendam e que façam muitas Inesezinhas bonitas e muitos Tadeiazinhos opinativos.
E quanto a ti, Inês, aprecio o teu esforço para fazeres perguntas pertinentes, mas aprecio muito mais o teu físico e os teus sexy games insinuantes. Verdade seja dita, és muito melhor que a Cecília Carmo.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Beto II

- Beto, posso fazer-lhe uma pergunta?
Galdino só podia estar a sonhar. Mas ainda lhe reconhecem na rua? Espectacular! O objectivo concretizado de uma vida inteira. Orgulho. Vaidade. Espera aí!... Estaria o anónimo a dirigir-se mesmo a ele?
- Ocê tá falando com eu? – tenta certificar-se Galdino, pouco crédulo nas suas próprias qualidades.
- Claro que sim, Beto.
- Pôxa, qui légáu. Ocê ainda si lembra dji eu?! Ôba! – parece uma criança, o Galdino. Aquele sorriso fininho e trocista como só os bons brasileiros amantes de caipirinha com elevado teor de cachaça conseguem desenhar num rosto, os olhos afundando-se num refastelado comprazimento, os dentes meio lascados e com enormes espaços entre si – Galdino ficou muito contente. A alegria foi tanta que os papéis inverteram-se: Galdino seria a estrela, mas comportava-se como um fã adolescente perante o seu próprio fã. Paradoxal, mas em Galdino já esperamos de tudo um pouco.
- Beto, você é mesmo beto?
- Ué?
- Se você é mesmo beto?
- Pôxa, acabei dji dizê qui sim… – “mau”, pensa Galdino (já traduzido para português), “mas queres ver que este gajo afinal está enganado? Logo vi, era bom demais para ser verdade…”
- Sim, eu sei que você é o Beto, mas queria saber se era beto…
- Não tô entendendo, não…
- Pois, se calhar os brasileiros não sabem bem o que é um beto… Bolas, não me diga que após tanto tempo em Portugal não sabe de nada disso…
- Não sei dji qui ocê está falando… – Galdino já só pensa em se vir embora rápido, não vão encontrar nele as culpas para qualquer coisa. A única culpa que Galdino assume é a de ter marcado uma vez um golo que alimentou as expectativas do clube das grandes expectativas. Isso quer dizer que Galdino não assume a culpa de ter defraudado as expectativas de quem construiu essas desmesuradas expectativas, pois eles sempre as construíram enquanto bebiam vinho de mesa pelo garrafão em cima de um pano da louça num banco de jardim. Mas, pronto, já se tinha resignado e não valia a pena estarem sempre a zombarem com a figura dele. Já nem sequer tinha o cabelo amarelo, situação de que agora se arrepende largamente – consta que o milhafre Vitória até o quis arrancar à bicada, julgando estar ali um canário indefeso…
- Eu explico: “beto” em português quer dizer um tipo de Cascais… com sapatinho de vela e cabelo que foi ao barbeiro dentro de uma forma de alumínio… com um gosto execrável para a moda… filhinhos do papá que adoram pólos de râguebi…
- Não sei dji nada… Eu sô apênais o Beto… Por favô, não xinga eu…
- Não viste nada? Bolas, não conheceste ninguém assim?
- Não meismo. Eu só via sujeitos gorrdos, dji bigodji, falando alto e com palavrão…
- Ah, pois é, eras do Benfica… realmente, aquilo é só xungaria e tipos do 9º ano para baixo… se bem que há sempre um beto ou outro adepto do Benfica… afinal, os tipos são para cima de 12 milhões…
- Ué? Não eram seis?
- Ó Beto, pá… És tão bom a ler jornais desportivos como para jogar no meio-campo… Nunca leste “A Bola”? Eram seis milhões quando lá estavas, agora são sensivelmente o dobro e por volta de 2015 será o mundo inteiro, menos o Dias Ferreira.
- Nossa, qui clubi grandji…
- Sim, o maior na fanfarronice e na propaganda para idiotas, mas eles gostam de acreditar que são mesmo os maiores. É uma espécie de esquizofrenia congénita. Também acreditam no Pai Natal, que o Nuno Gomes tem dois testículos e nas promessas do Governo. Mas não nos desviemos da conversa: então tu não és beto?
- Sou Beto, sim. Não é meu nome dji batismo, mais sô conhecido por Beto.
- Irra, que ainda és mais parvo do que pareces… Jogaste nos vermelhos pouco tempo, mas isso afectou-te mesmo, pá… Mas deixa estar, olhando para esse aspecto, não tens mesmo perfil de beto.
Galdino amargura. Já lhe tinham dito que não era grande jogador, já lhe tinham dito que cheirava mal, já lhe tinham acusado de perder os jogos sozinho mesmo quando era o único que corria… mas nunca lhe haviam dito que não tinha perfil para ser ele próprio. Pelo menos, ele assim o entendeu – os meses que passou no grémio do pássaro a que chamam águia toldaram-lhe o pouco raciocínio lógico que possuía e agora já não compreendia nenhum trocadilho. Só grunhidos “hum-hum” e arrotos sonoros. Chamem-lhe o preço da (má) notoriedade efémera. Galdino fica triste.
- Pôxa… Não tá justo, eu sô bom profissionau…
- És, pá, tu até és… mas havia necessidade de ter aquele cabelo? Perdeste toda a aura, Abel Xavier só há um!...
Ah!, o cabelo amarelo! Tinha de vir à conversa.
- Foi uma fase… houvi a fasi do clubi fora das competições européias, houvi a fasi do DVD do presidentji, houvi a fasi do Deus Manuel Costa e houvi a fasi dji eu com cabelo amarelo. Já passou, né?
- Eh pá, mas agora ainda pareces pior… podiam confundir-te com um assaltante de bancos…
- O presidentji estava disponíveu para mi dá lições… mais dipois disse que eu já não era preciso, qui iria fazê todo o trabalhinho sozinho…
- Deixa estar. Foi um bocado parvo da minha parte pensar que podias ser beto… és apenas mais um brasileiro banal que teve o seu momento de glória. Salvo seja.
- Isso é bom?
- Acho que sim, pá, acho que sim… bem, visto que não és beto, já pensaste em usar outra alcunha? É que tu, bem vistas as coisas, estás a utilizar uma alcunha que nada condiz contigo… tu és mesmo um bronco de primeira… devias usar uma alcunha tipo Bronco, ou Bruto, … ou então nem alcunha tinhas, eras mesmo o Galdino… Beto? Beto!
Galdino foi-se embora. Farto de aturar gente que nunca compreendeu o seu génio indecifrável, foi recortar pedaços de jornal do seu grande herói Koeman. Depois iria afogar mágoas com uma bela picanha, sonhando com o dia em que seria finalmente reconhecido pelo seu valor… qualquer que ele fosse.

terça-feira, novembro 25, 2008

Beto I

- Beto, posso fazer-lhe uma pergunta?
Roberto vira o pescoço na direcção do som. É um tornar de pescoço pleno de enfado, as sobrancelhas lamentam “que maçada!” e a boca engelha-se, revelando o tédio que assola Roberto. Porém, a carreira de Beto, no ano da graça de 2008, ainda não se encontra totalmente arrumada, pelo que não será de bom-tom recusar a atenção do público em geral. Por enquanto, ainda não. Daqui a um ano logo se vê, se calhar já os pode mandar passear à vontade, se ainda tiver o jipe com vidros fumados para fugir deles. Roberto exala então um pesado suspiro e anui.
- Sim, sim, à vontade.
É claro que é mentira. Roberto não está à vontade. Está atrasado para jogar Playstation até que o seu colega chegue com umas meninas lá a casa.
- Beto, você é mesmo beto?
- Sim, claro. É uma alcunha que me persegue ao longo da vida. Já faz parte de mim ser Beto – responde, com naturalidade. Afinal é apenas mais um daqueles fãs estúpidos com perguntas parvas. Roberto faz aquela cara de quem já fumou cinco ou seis ganzas no balneário, um sorrisinho levemente aturdido, pálpebras carregadas e olheiras proeminentes.
- Não, Beto. Eu queria era saber se você é mesmo beto?
- Como assim?
- Beto… assim um tipo sem jeito…
- Não estou a alcançar… – e Roberto começa a pensar que isto é uma brincadeira de mau gosto. Qualquer dia ainda lhe dizem que a sua ex-mulher era um homem. Ou que o Custódio era um tipo porreiríssimo. Ou que o Real Madrid estava mesmo a contar consigo. Ou que os extraterrestres ergueram a Casa da Música no Porto.
- Beto, assim à primeira vista não me parece que sejas o beto que te perguntei se eras… mas pode ser que sejas…
- Ai, então pá? Então não estás a ver que sou o Beto? – Roberto deduz com algum grau de certeza que está a ser vítima de um espertinho qualquer e começa a franzir o sobrolho, pronto para cuspir insultos e mandar um banano ao tipo. Como se ainda fosse um capitão de equipa que, na sua mente, nunca deixou de ser. Marcava-lhe já um livre directo com a ponta da bota nos dentes do espertinho e… toma lá que é fresquinho!, a ver se aprendes a respeitar o Beto – Eu sou mesmo o Beto, pá! – diz Roberto, puxando dos empoeirados galões que ostenta algures na sua imaginação.
- Ó Beto, o que eu quero saber é se te consideras mesmo um beto… daqueles de Cascais… com sapatinho de vela e cabelo que foi ao barbeiro dentro de uma forma de alumínio… com um gosto execrável para a moda… filhinhos do papá que adoram pólos de râguebi…
- Ah!!! – Roberto percebe e condescende – Ah, estou a ver…
- … daqueles tipos que exibem três nomes ou um nome estrangeiro que fazem questão de mostrar em cada ocasião para mostrar que são os maiores… que têm um carro de alta cilindrada logo aos 18 anos…
- Sim, sim, claro…
- … daqueles tipos que nunca precisaram de fazer fretes na vida porque os papás sempre lhes deram tudo… daqueles tipos que não vivem sem que a empregada lhes faça tudo e mais alguma coisa…
- Pois, pois, certo…
- … daqueles tipos que gostam de touradas só porque é giro gostar da tradição… e que tratam por você toda a gente… e que só admitem ser chefes…
- Já percebi, já percebi…
- … daqueles tipos extremamente presunçosos que só se dão com outros amigos betos e cujas gajas só estão com eles pelo dinheiro e pelo facto de poderem andar a cavalo…
Roberto sofre um clique:
- Eh pá… a Filipa gostava de andar a cavalo? Foi por causa disso?
- Se calhar, pá… se calhar…
- Esquece, esquece… deixa lá estar… – a mágoa percorreu Roberto, estava a delirar, ia marcando um auto-golo. Recompôs-se rapidamente.
- Afinal és beto ou não, Beto?
- Bem… julgo que não. Creio que a maior parte dos betos que referes são do Sporting, mas nem todos os sportinguistas são betos. Eu, por exemplo, sou só Beto de nome.
- Então e como é que te defines?
- Eu sou mais do estilo metrossexual tímido. Ali entre o Beckham e o Rui Patrício, mais ou menos.
- Se é assim… Ainda pensei que fosses mesmo um beto… Não achas que podes criar um conflito na mente das pessoas? Todos nós pensamos que és beto… senão não te chamavas Beto, que é uma alcunha assim a atirar para o rasco… chamavas-te Berto, ou Róbi, ou Sr. Filipa de Castro…
- Sr. quê?!? Como assim? – Roberto abespinha-se: o cabelo espeta-se ainda mais, mesmo sem recurso ao gel, as tatuagens de Roberto incendeiam-se de fúria, agora é que vai sair um carrinho destravado aos tornozelos do engraçadinho, ai isso é que vai – Ouve lá, pá, a minha mulher…
- Ex.
- … a minha ex-mulher não é para aqui chamada, ouviste? Não sei nem quero saber nada sobre ela!
- Ai não?
- Não!
- Então deixa estar, já não quero saber se és beto ou não. Sempre pensei que a Filipa andou contigo só por causa de seres um beto, Beto. Se já não sabes nada dela, já não me interessas. Vou tentar saber mais sobre ela noutro lado.
Roberto fica com dúvidas sobre a sanidade mental do adepto e demonstra a sua costumeira expressão de reprovação e repulsa com que amiúde confrontava os árbitros. O fã ainda mete mais conversa:
- Mas, por outro lado, ainda bem que não és beto, Beto. Os betos são muito mal vistos. Mesmo se o Beto do Leixões se ande a safar.
- Boa, boa, porreiro – disfarça Roberto, a ver se o amigo já lhe mandou alguma mensagem para o telemóvel.
- Achas que é ele que agora anda com a tua mulher? Ou será um beto qualquer do Estoril, tipo Soares Franco? Ou um dos filhos dele? Ou se ela já se cansou de Betos e de betos? Será que ela agora prefere bêbados broncos do Benfica? Não sabes mesmo nada sobre a tua mulher? Aquele par de mamas não pode andar à solta! Como é que deixaste que ela fugisse?!? Vá lá, vá lá, conta-me tudo! Eu quero saber!
Roberto tomou balanço, cerrou os lábios e disparou uma cotovelada que só parou no crânio do fã. Cá vai disto! Uma pessoa pode perder alguma dignidade durante a sua vida, pode perder a sua mística e o seu brilho… mas nunca perde o jeito que lhe imortalizou. Foi uma cotovelada galáctica, todos o disseram. Está em forma, o Roberto.
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Apesar de neste post poder ficar a ideia de que tenho algo contra a Scarlett, não é verdade – se lerem com atenção, até notam que não me importava nada que ela me piscasse o olho. A minha crítica visava essencialmente o empolamento unânime que os “paineleiros cinematográficos” e afins fazem da miúda, como se não houvesse nada melhor que esta estrela de cinema.
Para mim, há – em termos meramente físicos, entenda-se. Inclusivamente, há portuguesas de muito bom nível que se tivessem o marketing da Scarlett, um Woody Allen qualquer por trás, poderiam tornar-se num caso sério. E esta até é do Sporting. E, por acaso, não é a minha vizinha, mas é uma modelo com alguma projecção – doutra forma, nunca a veríamos nestas poses.
Isto não coloca em causa o que se deve reter do meu ponto: existem muito mais cidadãs anónimas (e também do Sporting, que funciona como uma espécie de selo de qualidade extra) com condições para nos encher o olho como a Scarlett ou como a Vanessa.
PS: Agora que já inventei uma desculpa para pôr estes links, devo confessar: não gosto das tatuagens no pé e a Scarlett dispensa silicone, mas pronto; pormenores são pormenores.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Corpo Depenico

Eu sei que ela tem mau gosto. Ela ainda ouve Iran Costa e delira com a dança do bicho sem estar a brincar. Ela gosta mesmo. E quanto mais o tempo passa, mais devota ela se torna.
E depois ela tem uma boca à Stallone, torta, parece uma porca deformada à espera de um parafuso. Se calhar dá jeito para o sexo oral. Se calhar.
O mau gosto alarga-se a outras vertentes. Não chegava aquele cabelo oleoso, mal penteado e mal apanhado com um elástico imundo; aquelas roupas cor-de-rosa e os mesmos jeans de há dez anos atrás, gastos e rotos, também não eram suficientes. Agora ela colocou uns óculos com grossas hastes avermelhadas… os olhos até são azuis e fortes, mas aquelas hastes berrantes e com um design de imitação vêem-se a uma grande distância, como se ela quisesse chamar todos os touros até si.
É capaz de ser verdade: ela quer que os cornudos venham até si. É fácil de compreender que ela tenha sido traída pelo próprio marido e que agora queira vingar-se de alguma forma. Ela já deve ter sido traída e traído mais vezes do que nós julgamos. Mas isso não é nada de especial. É a vida, é o salve-se quem puder.
Seria giro considerar uma vingança a sério, para variar. Do género trair-lhe com o maior amigo ou inimigo e extrair algum gozo verdadeiro com isso. Porém, ela não tem sofisticação, nem tempo, nem forma física para augurar uma vingança das boas, servidas a frio – ela apenas pode aspirar a aspirar os restos da sociedade, sem sentir demasiado nojo com isso, despachar a coisa com uma automatização quase animalesca. A vingança dela será sempre a quente, gratuita e de baixo nível, com quem aparecer na hora certa, com quem parecer mais errado.
Ela até parece estar mais baixa. Mas, por outro lado, está mais larga – para a frente e para os lados. A flacidez é algo de adquirido, cortesia de dois filhos prematuramente paridos, dois pirralhos que têm a mesma boca descaída da mãe, o mesmo semblante de indignação cigana, a mesma inclinação para o disparate fácil. Aposto que a filha que caminha a passos largos para a adolescência já sonha em ceder o seu corpo por um cigarro. O miúdo já só quer coçar os tomates, ainda antes de chegar à escola primária. Os genes estão lá todos.
Ela vai a caminho do supermercado, repor latas de atum, roer as unhas para cima da maionese, descalçar-se enquanto despacha os fregueses na caixa. E depois vai buscar os miúdos à creche e largar grande parte do seu salário. O marido, um adepto do tunning e da box pirata, já se encontra desde as duas na tarde a aconchegar o estômago com cervejas e Martinis, consumindo um SG Filtro regularmente a cada quinze minutos. Ganhou um jogo de snooker. Perdeu outro. O suficiente para perder a paciência e deixar os filhos à espera.
Mas estará tudo bem à noite, sob a luz incandescente da TVI, batatas fritas e duas bifanas mal-passadas, os miúdos a dormir e o sexo do costume, as banhas a chocalharem-se umas nas outras, as varizes a serem importunadas, nenhum gemido, nenhum sorriso, apenas uma sensação de dever cumprido. Os fluidos irão umas vezes para dentro, outras para fora; na maior parte das vezes não se pensa no depois e com muita sorte não se tem outro filho. Lá vai calhando. O melhor mesmo para o planeamento familiar é estarem ambos zangados ou ele ficar demasiado bêbado para fornicar.
Acho que sei onde encontrá-la. Na paragem da camioneta, esperando pela carreira que vier em primeiro lugar na qual arranja logo lugar sentada. Terá sempre alguma desculpa e maus modos para fazer alguém se levantar. E alguém dirá que não? Apesar de tudo, é uma senhora.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Esta É A Minha Crise, Conta-me A Tua

A crise dos pobres era uma crise localizada – basicamente, Apelação, Miragaia e todo o interior. Sempre os mesmos. “A culpa é do Governo”, ai os meus filhos, etc.. Bah.
A crise dos ricos é uma crise de todos – em traços gerais, todos havemo-la de pagar via impostos, via juros ou via desemprego. Ter tanta diversidade de opções é reconfortante.
Viva a globalização.

Acho que os ricos se fartaram dos joguinhos de computador e de pós-graduações no estrangeiro.
Aquelas canetinhas nos PDAs são engraçadas nos primeiros dias, mas é preciso algo mais. Sei lá, uma falência, umas transferências ilegais para uns off-shores, qualquer coisa que espevite.
Olharam à volta e viram “eh pá, o pobretanas chora, chora, mas ele é que mama os prémios todos do Malato e das meninas da madrugada na televisão – se queremos liquidez temos de descer a este nível”.
E vai daí, toca a chorar para mamar mais um bocadinho. Ou um belo bocadão. Mas com sofisticação. Ninguém quer ver a Júlia Pinheiro em roupão outra vez. Desta vez é mais “ou os vossos impostos pagam as nossas trafulhices ou não há guito para ninguém” em horário nobre, de forma a que até a Fátima Campos Ferreira consiga perceber. Alguém consegue ficar indiferente a este choro?
Vamos mas é mudar a fralda, não é? Senão o rabinho assa e ainda pode ser pior.

Está tudo bem, dr. Ricardo Salgado? Ainda bem, eu também gosto muito da maneira como olha por cima dos seus óculos.
Então dr. Fernando Ulrich, não come a papinha que acabei de fazer? Não gosta de bananinha, dr.? Para a próxima faço-lhe um guisadozinho, está bem?
Ora essa, dr. Santos Ferreira, por quem é? Esteja descansado que havemos de arranjar-lhe qualquer coisa para não ficar por casa sem saber bem o que fazer. Não há nada pior que o tédio, eu sei. Estaria interessado numa Lusoponte? Ou numa Mota Engil? Excelente escolha, eu também acho que o dr. Jorge Coelho é muito bom rapaz. Agora coloque aqui a sua cabecinha… já arrotou? Pronto, pronto.

Foram dadas instruções aos funcionários do BPN para tranquilizarem os clientes.
Com uma pistola de dardos, entenda-se.
Ainda bem que no BPN têm todos boa pontaria. Olha-se para a Administração e vê-se que toda a gente estava perfeitamente alinhada – eram quase todos membros relevantes no aparelho do PSD e juntaram-se num banco, assim como quem combina um cafezinho num lugar aprazível. Isto para mim é que é acertar em cheio.
A dose de tranquilizante não será letal, de qualquer forma. Apenas o suficiente para os clientes adormecerem umas horitas até que se consiga retirar todos os objectos de valor dos balcões. O dinheiro incluído, claro. Apesar de tudo, o dinheiro continua a ser um meio de pagamento aceite. Pelo menos até 4ª feira.

Paulo Teixeira Pinto, em onda negativa, viu o seu filho morrer esta semana. Foi, dizem, morte súbita e só contava 22 anos.
Já tinha visto morrer o negócio de fusão BCP-BPI há pouco.
Portanto, já pouco o poderia chocar.
Se o tipo não fosse crente em Deus, não sei como se aguentaria.
A fé em Deus é tudo. Os montantes milionários da sua reforma e as maquias exorbitantes exigidas pelas suas conferências também são alguma coisa. Mas o que lhe vale é ter fé em Deus. Pode não mover o Jardim Gonçalves, mas move montanhas.
Pelo menos, o Paulo Teixeira Pinto já não está casado com a Paula Teixeira da Cruz. Isso faz maravilhas à auto-estima de um homem, tanto que o Paulo é agora pintor e poeta – curiosamente, através de uma empresa por ele adquirida. Se o coitado se esforçar, ainda é capaz de ter uma exposição em nome dele. Apoio sempre os tipos que vêm de baixo e conseguem chegar ao reconhecimento público. Especialmente, estes que têm tanta fé despreocupada em Deus.
Até eu me torno mais crente.

Ninguém me tira esta convicção.
A Paula Teixeira da Cruz urina de pé, como um homem.
Tem toda a cara disso, embora eu não o possa provar. Nem quero.