sexta-feira, outubro 30, 2009

Faíscas Brilhantes

Julgo que foi Paul McCartney quem disse “Hitler está vivo e a tocar numa banda new-wave. Ron Mael, o “Hitler” em causa, sorri e diz que prefere ser conotado com Charlie Chaplin.
Quem é Ron Mael? Ron é irmão de Russell e ambos formam os Sparks. Ron é igualmente o teclista, compositor e o principal letrista da banda. E sim, fez uso e abuso de um bigode “à Hitler”/”à Charlot”, que combinava com um cabelo e um estilo de vestuário longe dos cânones rock/pop, complementando com olhares bizarros ou mesmo sinistros para as câmaras, em performances preferencialmente estáticas. Já Russell, mais frenético, ou não fosse ele o vocalista, era o “menino bonito”, pese embora algumas variações capilares de gosto dúbio, mesmo para a moda espampanante dos anos setenta e oitenta. Russell foi sempre um verdadeiro “crooner”, voz riquíssima, capaz de metralhar palavras imitando o sotaque britânico (eles são americanos de Los Angeles), dando simultaneamente largas ao falsete; de Ron esperávamos competência nas suas prestações, melodias obviamente pop e mais letras de enorme sensibilidade observadora, pejadas de ironia e, por que não assumi-lo?, algum desencanto masculino que tendia a resvalar para um certo chauvinismo – mas sempre com uma verve bastante apurada.
Os Sparks são a melhor banda que ninguém conhece. São dinossauros eternos, sempre bem-dispostos, sempre prontos para compor sobre temas como uma hipotética traição de Julieta a Romeu e a reacção deste no céu ou de como é “cool” sair Sábado à noite para a discoteca onde lhes foi vedada a entrada na semana passada. Continuam a lançar álbuns na candura dos seus 60 e tal anos, ousando sempre ir um passo mais além. Não estão, nem podem ser, catalogados com um simples rótulo de rock/pop. Eles foram percursores do glam-rock, estiveram na vanguarda da electrónica, misturaram ambos e foram desembocar ao techno, fizeram cócegas ao kitsch, reinventaram Beethoven e Bergman e ainda são capazes de mandar umas guitarradas hard-rock. Influenciaram gente tão díspar como Jimmy Sommerville, Faith No More, Erasure, Queen ou Morrissey (ao qual dedicaram uma canção apropriadamente intitulada “Lighten Up, Morrissey”). Muito poucas bandas se podem orgulhar de manter um registo musicalmente tão rico e de se manterem tão profícuas, conservando um aparentemente indecifrável anonimato.
Quando os Sparks surgiram em 1971 ainda se chamavam Halfnelson e os irmãos Mael eram os dois principais elementos dessa banda. Após dois álbuns em que o seu nome permaneceu praticamente incógnito nas tabelas americanas, emigraram para a Inglaterra, eles que se consideravam a si mesmos “anglófonos”, onde obteriam algum protagonismo – o sentido de humor e toda a estética da banda em geral seria sempre mais apreciada na Europa do que na sua América natal, talvez por serem um pouco excêntricos demais para o gosto predominantemente imediatista dos americanos. Com efeito, em 1974 lançaram “Kimono My House” (uma excelente capa), tido por muitos como o auge da sua carreira que ainda dava os primeiros passos. “This Town Ain’t Big Enough For Both Of Us”, “Amateur Hour”, “Here In Heaven”, “Barbecutie” e “Equator” são de facto grandes faixas que revelaram os Sparks como uma banda inteligente, imaginativa e, claro, capaz de divertir uma audiência com a sua inigualável combinação entre melodia e prosa (e imagem em palco, como eles próprios referiram).
A partir daqui o percurso seria mais exigente. Ron e Russell assumiram-se como os donos dos Sparks e os membros acompanhantes da banda entrariam numa roda-viva – ficou claro que os Sparks eram somente um duo. Apesar de tudo, mantiveram a fórmula e a mesma banda de “Kimono My House” para “Propaganda” e “Indiscreet”. Tentativas quiçá desesperadas para capitalizar a exposição ganha com “Kimono My House”, mas que devem ter provocado o efeito de “entupir” os fãs com três lançamentos muito iguais entre si em apenas um ano. Porém, o reconhecimento atingido com “Kimono My House” não foi repetido e jamais voltaria a sê-lo. Abandonaram esse grupo de músicos (e que grande solo tem a bíblica e orquestral “Bon Voyage” e que grande dinâmica tem “At Home, At Work, At Play”, ambas de “Propaganda”) e regressaram à América, tentando captar a atenção dos seus conterrâneos com o álbum mais “pesado” da banda, “Big Beat”. As letras tornaram-se mais directas e as hormonas vieram ao de cima com faixas como “I Like Girls” e “Throw Her Away (And Get a New One)”. Mas o sucesso ambicionado voltou a fugir-lhes – talvez porque o adocicado das suas melodias pudesse ser confundido o rock grandioso dos Queen numa altura em que eram valorizadas a provocação e a contestação, ou porque o som e a imagem continuava a saltar fora de qualquer definição do rock/pop, ou pela riqueza das suas letras ser quase imperceptível, ou simplesmente pelo falsete de Russell ser irritante para muita gente. A primeira fase da sua carreira, e talvez a mais brilhante, findava aí.
Então, e após um álbum quase anónimo com uma capa verdadeiramente kitsch (“Introducing Sparks”, que inveja a sua capa faria à Ágata durante os anos oitenta), os manos Mael reinventaram-se como um grupo electrónico, aliando-se a Giorgio Moroder para criar uma segunda obra-prima, “Nº 1 In Heaven”, em 1979. A faixa-título é uma soberba canção que influenciaria tanto Blondie como Pet Shop Boys ou Depeche Mode. Apenas seis faixas com um ambiente já bastante distante do sentido em “Kimono My House”, mas um álbum bastante coerente entre si e revolucionário para a época. Os Sparks tinham voltado a mandar uma pedrada no charco. Nos dois anos seguintes, mais dois bons álbuns: “Terminal Jive”, uma espécie de segunda parte de “Nº 1 In Heaven” com muita qualidade e “Whomp That Sucker”, de regresso a um “formato-banda”, com os instrumentos convencionais guitarra-baixo-bateria de volta e um ambiente muito “cartoonish” a povoá-lo – confirmar em “Tips For Teens” ou “Wacky Women”, sendo esta última faixa talvez o mais próximo que os Sparks estiveram do punk.
O resto dos anos oitenta e a globalidade dos anos noventa trariam a fase menos interessante dos Sparks. O flirt com o techno foi evidente e esse foi um campo que levou o brilho dos Sparks a perder intensidade – eles que já não eram nenhumas crianças por esta altura. Este não era o território indicado para fazer sobressair as suas grandes potencialidades. Mas era algo natural que eles soçobrassem a este apelo, dado que o principal compositor era teclista e, como tal, muito mais próximo de todas as experimentações sintéticas deste género musical. Ainda assim, “Plagiarism”, de 1997, é uma inovativa e interessante aproximação essencialmente electrónica às suas próprias canções – um pouco como os Mão Morta fizeram com o seu “Revisitada”, embora noutro contexto.
Já neste século, os Sparks provaram a sua enorme resistência ao tempo e lançaram, entre outros álbuns, “Lil’ Beethoven” em 2002, uma obra que aproxima pop, techno e música clássica com resultados, mais uma vez, surpreendentes. E, além do mais, desenvolveram um novo conceito de espectáculos ao vivo: durante 21 dias seguidos de Maio e Junho de 2008, em Londres (a sua casa adoptiva), tocaram TODAS as suas músicas de TODOS os seus 21 álbuns por ordem cronológica – um bilhete, um álbum por inteiro. Quem diz que estes homens já são sexagenários? E eles prometem não ficar por aqui.
De Ron e Russell Mael pouco se sabe a nível pessoal – e também pouco importa. Deixemos as suas canções, a excelente voz de Russell e o liricismo inspirado, embora por vezes repetido, especialmente nos tempos mais recentes (por exemplo, “My Baby’s Taking Me Home” arrasta-se durante mais de quatro minutos apenas com as palavras que constam do título) de Ron, falarem por si. Os Sparks já andam há quase quarenta anos a desbravar território e mantêm-se semi-anónimos. Sorte de quem os conhece – e eu só tive este privilégio graças à VH1 Classic. O mundo parece não estar ainda preparado para esta dupla genial de irmãos californianos.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas

Pode haver algo mais irritante do que pessoas a tentar entrar no comboio antes das pessoas que estavam no comboio saírem? Há, e não me refiro ao abate clandestino de ciganas que lêem a sina (o que ainda não aconteceu, porque as balas não conseguem ultrapassar aquela camada de andrajos e gordura e atingir os órgãos vitais. E também por medo de represálias, vamos ser honestos). Mas isso não importa para nada. Quem quer saber o que me irrita? Eu nem sequer estou ligado a nenhuma rede social…
Ou melhor, até estou. Mas é como se não estivesse. Não tenho 153 amigos. Ou amigas sorridentes. Ou tipos com a pose de surfista. Ou gente com fotos a preto-e-branco. 153 amigos que podiam ter sido modelos e capas de fotos poéticas e que por mero acaso não chegaram lá. Gente que é primo do conhecido do amigo. Personagens que já apareceram ao lado da modelo que esteve num programa do serão da SIC mascarada de cavalo-marinho. Seres que serão muito aborrecidos na realidade mas que fazem um excelente número. Só mais um. Adiciona aí. São 154 e continuam a crescer.
Brilhante. Tens uma enorme rede social, então és um tipo espectacularmente sociável e com muito boas influências. Quase que acredito que papaste todas essas gajas que parecem tão suculentas com o seu domínio de Photoshop. Quase que penso que a tua ocupação é falares com toda essa gente que já não falavas há vinte anos. É fantástico. E mais fantástico é ver toda essa tua disponibilidade retribuída com uma carrada de yes-men que dizem que sim ou que não consoante o teu sinal, que te dão palmadinhas nas costas em forma de comentários cheios de mel peganhento. A amizade não deixa espaço para ambiguidades. A amizade é fundamentalista. Leva-se a mal se se questionar algo, pois a contradição é inimiga da amizade. Se tu dizes que o peido é perfume, então eles acentuam que é Chanel. Se tu dizes que o ouro é lixo, então eles mandam a ourivesaria para os pilhões.
Pronto, eu confesso que o que é realmente irritante é o culto da mediocridade. É a subalternização da qualidade perante a divulgação em massa pelas mãos das etéreas e infinitas redes sociais. É descobrir que eminentes opinion makers têm 16 anos e uma idade mental de 12. Porque se o gajo tem 154 amigos é porque o gajo é bom. E se o tipo tem 3245 fãs, alguém pode se sentir mal por apenas o ter descoberto agora e é levado a pensar que o tipo é um génio – e sê-lo-á, sem dúvidas e pelo menos, no domínio novas tecnologias de informação.
Mas a verdade é que os nossos olhos andam a comer muita merda, apenas porque o invólucro é muito apelativo e todos os outros olhos já comeram dessa merda e até gostaram. Custa dizer que não quando todos à nossa volta disseram que sim. O papel do contra é um papel de merda.
Não é nada de novo. Este texto é, em si, uma grande merda. Nem sempre estou em forma e eu sei-o mais do que ninguém. Mas não desespere, caro navegador internético que foi iludido pelo título do post. O Google tem destas coisas e não faz por mal. Por este texto ser realmente merdoso está na moda. A merda vende. E vende muito. Ser-se merdoso é um lifestyle. Ainda por cima, extremamente valorizado nos dias que correm. Se os dias por acaso corressem. Eu acho que ultimamente os dias apenas deslizam. Pois correr dá trabalho, cansa, e o esforço tornou-se num tema tabu. Já ninguém faz muita força. Basta-lhes abrir as pernas e a diarreia sai a (es)correr.
Leitor iludido e imaginário, você acaba de ganhar um bilhete para a lotaria que vai andar à roda e se chama sucesso. Você pode ser o primeiro a descobrir a nova atracção que será uma sensação durante uns tempos. Ou ser você mesmo essa atracção. O sucesso, hoje, é o maior dos cagalhões e as plataformas de comunicação são enormes retretes a céu aberto.
É escatológico, eu sei. Boa sorte e bem-vindo ao século XXI.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Agora Não Posso

Estava eu ocupado com a vastidão do meu tempo livre quando tu emprenhaste, orgulhosa, através de uma calendarização eficaz do ciclo fértil que te permitiu dar uma foda de sucesso à hora certa, no sítio do costume, na posição adequada – uma foda tão mecânica quanto castradora da honra do conceito de “foda”. Esperaste pelo meu elogio e disseram-me logo “é feio falar das pessoas assim”, “emprenhar” parece reduzir à condição de animal de cativeiro o mais fascinante e auto-destrutivo ser deste mundo que é o humano, mas eu sentia-me legitimado: é que ninguém costuma falar bem de mim e, mesmo quando soltam um ou outro elogio para ficar bem na fotografia, são meros thumbs up para coisas que fiz acidentalmente, ou das quais nem me recordo, ou pelas quais não sinto particular afecto. E nós somos mesmo animais, apenas piores que as aranhas que devoram os machos a seguir à cópula, por isso toma “emprenhar” como um quase-elogio e aceita que "foda" foi uma aproximação sucedida mas bastante patética do que deveria ter sido uma relação sexual. O que me apeteceu mesmo foi ridicularizar a pouca naturalidade do teu acto que devia ser selvagem e tresandar a lascívia. Mas agora já nos queremos reproduzir assepticamente como a Sandra Bullock no “Demolition Man” e achar que tudo é culpa do Tempo. Apenas para ter um Nenuco em carne e osso para servir de troféu e que os teus pais saberão tratar ainda melhor do que te trataram. Só mereces que te ignorem. É mesmo assim. Também gostava que me desses os parabéns por fazer as poucas coisas que ainda faço. Uma ou outra massagem neste ego mole e dormente podia fazer-me bem e tu sabes disso. Mas tu costumas estar demasiado preocupada em saber se eu ando a seguir a tua vida. Sabes, os outros geralmente não mostram a reciprocidade que nós queríamos que eles mostrassem. Costumamos querer tudo sem dar nada. Gostamos que sejam sempre os outros a dar o primeiro passo. Queremos posicionarmo-nos no centro do mundo dos outros. Somos assim, obsessivos e convictos que os outros saberão dar conta do nosso recado. E, como dizia, eu tinha as mãos demasiado ocupadas a pensar nos trabalhos de que me podia livrar. Queria lá saber da paternidade. Da maternidade. De trazer mais um ser vivo deveras irritante nos seus primeiros tempos para este mundo sobrelotado de gente sem interesse mas muito interesseira, que te vai consumir tempo e espaço mas que te permite teres uma esperança para escapares ao lar de terceira idade daqui a uns anos e de prolongar a linhagem da tua família, sabe-se lá porquê, porque é que prolongar este estado de coisas será tão positivo assim. Andamos todos fartos uns dos outros, conspirando aqui e ali, clamando que “a Humanidade não presta” e “isto são só chulos e putas” e tu vens trazer mais um potencial concorrente para a manada, como se fosse certo que ele seja o Messias? Só me faltava mais essa. A responsabilidade foi toda tua, não aceito culpas. Na verdade, aceito muito pouco do que me dão. Muito menos culpas, que isto da neutralidade e da desresponsabilização pode parecer muito leviano e egoísta, mas certamente terá as suas vantagens. Eu nem sequer posso ser acusado de ter decidido ser posto aqui, fui apenas um infeliz acidente a quem a gente se teve de habituar. E agora rendi-me ao minimalismo da sobrevivência: a minha vontade é não fazer nada para ter muito. É a vontade de muita gente, que ainda assim teima em achar que não, que eles é que são a excepção. O principal trabalho é arranjar uma forma de serem os outros a fazer o trabalho. A modernidade sob a forma de prédios e corporações várias oculta a verdadeira selva que se esconde por trás, onde se desenrola uma feroz competição para ver quem é o mais esperto – aquele que não vai fazer nenhum mas vai acabar confortavelmente instalado num poleiro qualquer. Qualquer tarefa para amanhã. Qualquer labor para outro. Demasiado sofisticado para pensar quanto é 1+1, para isso há uma calculadora. Bastante importante para abrir a gaveta, a empregada que o faça. Adiar para o mês seguinte. Dormir um bocadinho à sombra do outro. Ser um bom esperto é que é valorizado. Suar é para os desportistas e parvos. Mesmo pensar já é desgastante.
Levámos tanto tempo para evoluir e agora concluo que chegámos ao estado de uma sanguessuga. Este é o ideal. E tu deste-te ao trabalho de trazer mais alguém para cá, alguém que previsivelmente me vai querer chupar como todos os outros, e queres que eu me distraia dos meus nobres objectivos para te exaltar?
Sinceramente, dava-te os parabéns se tivesses adoptado um cão.

terça-feira, outubro 06, 2009

O Rapaz das Pizzas

Às voltas numa Yamaha XT, com o oleado posto para proteger da chuva e o óleo a escorrer pelas caixas de cartão. Viver rodeado de óleo incomoda ao princípio; depois, a gordura entranha-se no espírito com maior facilidade do que nas unhas. Sinto-me uma espécie de croquete humano. Estou no fim da linha dessa longa dinastia de desalinhados que são os estafetas. A humanidade é, no geral, pouco tolerante para comigo. Podiam todos compreender que devo ser um sujeito com algumas limitações para estar a fazer este trabalho, que é o trabalho que ninguém quer. Eles querem lá saber. Exigem demasiado de um tipo que não é suposto ser demasiado bom. Todos acabam por pensar que me perdi, logo ao fim de dez minutos de espera. Mas não. É apenas a mota que não dá para mais. E, parecendo que não, também preciso de tempo para respirar. O frio entra-me pelos buracos nos dentes e as mãos enregelam-se de tal forma que nem sei se vou ser capaz de enrolar a próxima ganza. Sempre me distraio com as ganzas, dão-me a ilusão de ser mais qualquer coisa do que realmente sou e de estar a andar a mais velocidade do que realmente ando. E tenho tido sorte, só parti por uma vez a perna quando derrapei numa valeta mal iluminada. Enquanto os vossos cus descansam cómodos no quentinho das vossas casas a ver a final que ninguém quer perder, eu ando por aí a distribuir a vossa refeição pré-fabricada. Todos pensam que eu me divirto a andar por aí a descobrir ruas e pracetas obscuras e a sacar cavalinhos. Mas quem quer fazer isso com meia dúzia de pães de alho e pizzas extra-queijo atrás? Essas são as piores. O cheiro do queijo é maldito e só se consegue aturar a mais de sessenta a hora contra o vento e com a viseira aberta. Já pensei algumas vezes em cuspir nessas pizzas, só naquela de dar uma de rebelde e exteriorizar o meu enjoo. Mas acho que o cozinheiro já deve ter feito isso por mim e não tenho assim tanta saliva excedentária quanto isso. Pensam que temos muita liberdade e que ninguém paga a liberdade. Mas eu só queria que me dessem mais uma gorjeta ou outra. Mal ganho para o tabaco, que está caro. Ainda por cima, o vento fuma sempre a meias comigo, é um cravas de primeira. O meu sonho: que finalmente a dona de casa me convide a entrar para uma sessão de sexo sem limites. O meu pesadelo: as calzones a escaldar numa morada errada. O que eu faço por um punhado de trocos. Devia ter estudado mais. Mas sei que os livros não eram para mim e isso foi tudo o que eu consegui aprender. Assim nem ganho dinheiro nem treino motocross como deve ser. O chefe já me disse que não quer mais amolgadelas e que acha que ando a gastar muita gasolina. A minha sorte é que não tenho muita concorrência. Qualquer puto ganha mais a mendigar junto do papá, da mamã e da vovó do que a entregar comida instantânea porta-a-porta. Não estão para isso, todos os seus desejos e vícios são sustentados de uma forma ou de outra. São uns sortudos que não sabem a sorte que têm. E os putos já sabem que os argumentos dos filmes pornográficos são uma grande fantochada, nenhuma dona de casa quer nada comigo, para mais tendo eu uma dúzia de rondas por realizar e um bafo que denuncia muito tabaco e algumas minis. Elas abrem-me as portas em camisa de dormir, lá isso abrem, as desbocadas, mas nunca estão sozinhas. O terror de qualquer mulher que pede uma pizza é estar sozinha. Elas fazem logo questão de mostrar que redes sociais são com elas. Nunca devem ter visto um filme pornográfico, com certeza. Logo no hall de entrada, apresentam sempre várias fotografias de grandes grupos sorridentes, geralmente sempre na mesma posição e sempre com as mesmas caras de felicidade forçada, flashes demasiado fortes, pupilas vermelhas ou olhos fechados, péssimos enquadramentos, cores foleiras, a alegria da vacuidade atirada à cara do tipo encharcado e de capacete na mão, pensam que me fazem inveja com isso e com o telemóvel colado ao ouvido, discutindo os últimos incidentes da vaca da Herondina lá do gabinete, nem me olham de frente, nem se importam que a sua lingerie seja translúcida, enquanto o namorado, ou amigo, ou primo que lhe salta para a cueca ocasionalmente, ou gajo que simplesmente está por lá, me despacha com um desprezo que nem a um animal se dá, contando as moedas escuras do fundo da carteira para me presentear como se presenteia um inútil arrumador de carros. E eu ainda não cheguei a esse ponto de parasitismo social travestido de actividade com interesse público, mas se calhar era melhor, chateava-me menos e definiria eu mesmo o meu plano de trabalhos. Raramente há um sorriso, um toque, uma migalha de calor humano que compense as nódoas do molho de tomate. Já nem falo de gorjetas de um euro. Mas tudo bem, tenho os meus defeitos, gosto da pinga, gosto da erva, gosto de tuning, se tiver que roubar até roubo, desde que não conheça a pessoa e que não tenha que lhe fazer muito mal. Se calhar o problema é meu. Só que agora quero atinar. Quero que digam “eh pá, o rapaz das pizzas é o melhor profissional que eu já vi” ou “vamos comprar uma mota decente para o rapaz”. Ou simplesmente “ele merece”. Merecer o quê? Qualquer coisa não tão ruim. Por exemplo, “o tipo devia dar-se muito bem numa oficina. Ou num talho. Ou num café a servir à mesa”. Não peço mais. Contudo, o jogo que aqui se joga não é esse. Eles é que pedem. Eu apenas vou atrás. Se tiver que recomendar alguma coisa, digo que “a pizza da casa é a melhor”, é o que o chefe diz. Mas não sei se é. Já não como pizzas há algum tempo.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Não Pode Ser

A Joana Amaral Dias não pode ser “de esquerda”, seja isso um posicionamento político, um bloco, a mão com que aperta preferencialmente os seus mamilos, a forma como conduz, etc.. Vocês percebem. É demasiado boa para tal. Claro que me refiro apenas ao aspecto físico. Que é aquilo no qual todos reparam. Até o Louçã, que de vez em quando deve esfregar os olhos e pensar em nacionalizar a Joana. A própria Joana devia gostar de ser para o povo. Era uma situação win-win. Assim o Louçã estaria muito mais perto de me convencer a votar nele.
Quando a Joana abre a boca, ela até pode ser muito parecida ao resto das gajas de “esquerda”. Em termos muito vagos, julgo que ela fala das “desigualdades sociais”, “direitos adquiridos”, “rendimento mínimo”, o blá-blá-blá do costume. Mas ninguém repara. Ela estar para ali a falar ou estar a dormir vai dar ao mesmo. Se ela dançasse em frente a um varão, aí sim, o pessoal levava-a em conta. Faz toda a diferença face a todas as outras gajas “de esquerda”.
Não, ela não pode ser “de esquerda”. As gajas “de esquerda” são, como dizer?, uns camafeus do caraças. Gajas maltrapilhas que andam com fitinhas e missangas e malabarismos com bolinhas e que, por vezes, até cospem fogo; gajas de sandálias, que deixam transparecer pés sujos e tatuagens banais; sujeitas envergando roupas rasgadas e baratas com o cara do Che Guevara, fumando tabaco de enrolar do mais reles que se pode encontrar no mercado; tipas que desprezam o conceito de depilação, mantendo cabelos desgrenhados com cortes preferencialmente curtos, certamente para agradar às outras lésbicas que elas tanto prezam; indivíduas com 1,6m no máximo e que estão cheias de sinais e borbulhas e que são demasiado magras ou com uns quilos a mais. Portanto, elas cumprem os requisitos certos para retirar a libido a um gajo. Até a Ana Drago, que se tem esforçado para melhorar a imagem, é vesga. Na realidade, a Ana Drago era o protótipo de uma gaja “de esquerda”, até ver que o pessoal reparava muito mais na Joana e decidir aperaltar-se mais, realçar o sinal estratégico na cara como se fosse uma Catarina Furtado com discurso de Robin Hood e utilizar um soutien dois números abaixo. Mas nós sentimos que há algo ali que ainda não bate certo. A Ana não é uma Joana. Aquilo é uma espécie de lagartixa que queria chegar a jacaré. O mais certo é chegar a velha e ser tão irritante como a Helena Pinto com a sua voz de cana rachada. Mas, pronto, é fisicamente mais apetecível que a Odete Santos, embora isso não seja nenhum troféu em particular.
Se a Joana for mesmo “de esquerda”, coisa que até agora ninguém foi capaz de identificar com rigor, então é a excepção que confirma a regra. Tenho para mim que as pessoas não conseguem resolver o paradoxo de ver uma gaja boa “na esquerda” e então confundem-se e não a levam a sério. Por exemplo, pensamos todos que os propalados convites telefónicos de outros partidos eram apenas meros engates do género “e se fôssemos beber um copo esta noite? Sem compromissos, só para passarmos um bocado de tempo juntos a conversar, que tal?”. Não lhe auguro um grande futuro político. Por outro lado, ela daria uma grande capa da Playboy.
Gostávamos muito de vê-la nessa vertente mais fashion, a sério. Para já, os seus atributos físicos parecem ser todos naturais e ela tem aquele ar de quem é muito intelectual por ter estudado psicologia e escrever colunas nos jornais que ninguém lê – o que seria um considerável avanço para a revista, depois de ter apresentado cantoras pimba e modelos em claro declínio na carreira impregnadas de silicone. No caso da Joana, isso poderia servir para lançar-lhe uma carreira como uma femme fatale em filmes e séries de TV.
Sim, porque a carreira política não é para ti, Joana. O teu aspecto visual é que é o teu grande activo, não é aquilo que eventualmente pensas. Na política, o pessoal quer ouvir homens velhos, carecas e gordos a falar. De ti, a gente espera apenas ver-te. Com o mínimo de roupa possível. Ficarás indignada com esta espécie de machismo descarado, como boa mulher “de esquerda” que dizes ser. E quando fazes esse ar de zangada… és mesmo sexy. Tu sabes.