sábado, fevereiro 24, 2007

Regina e as Questões Fracturantes da Actualidade

- Estamos aqui, na zona oriental de Rio Tinto, em mais uma reportagem que visa dar a conhecer a todo o país as opiniões e as condições de vida de uma família humilde e anónima, como muitas outras espalhadas pelo território. Estou aqui com a D. Regina, mãe de seis filhos…
- BUÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!!!!...
- … mãe de SETE filhos, corrijo, para falar sobre as questões fracturantes da actualidade: aborto, eutanásia, casamentos gay e o Benfica. Em primeiro lugar, como é que este filho que a senhora acabou de parir agora mesmo na banheira cheia de nódoas de bolor e restos de baratas da sua casa-de-banho sem canalização e com falta de uma parede se vai chamar?
- Não percebi a pergunta…
- Eu repito: como é que este filho que a senhora acabou de parir prematuramente agora mesmo sem assistência médica para além da sua vizinha massagista e com recurso a dois alicates e quatro chaves inglesas na banheira cheia de nódoas de bolor, restos de baratas e alguns dejectos caninos da sua casa-de-banho sem canalização, com falta de uma parede, sem iluminação para além do candeeiro a petróleo e com o tecto a partir-se se vai chamar?
- Ah, sim, assim está bem. Se não tivesse referido o candeeiro a petróleo até pensava que estava a falar com a minha vizinha. Bem, tenho dúvidas entre Hermenegildo ou João. Hermenegildo é um nome que causa algum impacto, não é?, mas João…
- Estão a fazer-me sinais lá de trás… o recém-nascido... afinal… afinal o recém-nascido faleceu, por complicações pós-parto! É verdadeiramente chocante!... Vamos tentar filmar o morto… cá está ele!… está muito roxo, não é D. Regina?
- Sim, mais roxo do que contava. Pensava até que saísse loirinho e tudo. Bom, é uma pena, fartei-me de gemer para nada e agora até já me tinha decidido pelo nome e tudo: iria chamar-se Pablo Arconada, em honra ao pai, que era um galego armado em bom. Paciência…
- Se calhar não foi uma boa ideia apertar o cordão umbilical à volta do pescoço do ex- Pablo Arconada, pois não, D. Regina?
- Pois, vistas bem as coisas, talvez não; mas era só para que ele se sentisse mais aconchegado. Olha, mais filhos virão...
- Mas, D. Regina, a senhora, que aparenta ter perto de 60 anos…
- 46, meu filho, 46 feitos anteontem.
- … a senhora, com 46 anos, não terá grandes condições para ter mais algum filho, pois não? Olhando para a sua habitação...
- Como não? Com 46 anos ainda tenho muitas f**as para dar na minha vida!
- Hã… acho que não podemos dizer essa palavra aqui…
- Qual? Vida? Porquê?
- Não, a outra palavra que é um sinónimo brejeiro da relação sexual….
- Ah, f**as? Olhe, para mim, f**er não é tabu! Eu já conheci car***os de todos os tamanhos e feitios e farto-me de fazer br***es à bruta e coisas do género! Vem tudo aqui para dentro da minha co**ça!! É do ca***ho!... F***-se!... P**a de vida, esta…
- A senhora já esteve envolvida no negócio da prostituição?
- Eh pá, assim não, estou a tentar manter o meu nível e a minha compostura e você vem falar em negócios… que palavra suja… se é assim, pode já sair da minha casa pela porta dos fundos… a porta dos fundos é aquele buraco por detrás do banco de três pernas que suporta o armário da sala, para que fique sabendo… ah, e nós estamos na sala, embora você esteja dentro do tanque da roupa…
- Peço desculpa, não quis ofender. Não volta a acontecer. Está de acordo com a liberalização do aborto até às 10 semanas?
- Não. Estou liminarmente contra. Pronto, só aceito até às 9 semanas e meia, em honra ao filme. Mas no geral, sou contra. Não se devem matar fetos. Nem fetos, nem acácias, nem mimosas: sou 100% pela vida botânica. Pela animal também, mas mais pela vida botânica. Eu identifico-me muito com as plantas, sabe? Houve um homem que me fez o 2º filho e que me disse: “Tens o grelo mais bonito da Natureza…”. Isto marca uma pessoa, compreende? Já lá vão 30 anos e ainda me lembro disto…
- Mas, por exemplo, na sua situação precária, não poderia ser uma solução, esta da opção por mais um filho ou não?
- Já disse que não! Uma criança faz sempre falta: dá alegria à casa, dá orgulho as pais, serve como saco de porrada e quando chega aos 10 anos está pronta para ganhar mais uns dinheiritos cá para casa. Eu não mato ninguém, que é pecado; quero é metê-los cá para fora. Já a minha filha Rute Guilhermina é que é fã do aborto. Quando ganharam o referendo foi uma festa: foi toda nua para a praia, f**eu com uns quantos, toda despreocupada, cheia de vontade de matar fetos. É pior que a mãe, f**e várias vezes ao dia e com diversos parceiros. O lema dela é “um feto bom é um feto morto”. Olhe, por esta hora está a caminho de um hospital para abortar mais uma vez… é a 5ª vez este ano. Pronto, maluquices da idade, com 14 aninhos eu também abortava alegremente para dentro de um alguidar asqueroso… mas agora ouço a voz de Deus e o padre lá da paróquia.
- E o que lhe diz o padre?
- Diz-me que gosta das minhas cuequinhas brancas e que se não as tirar na sala de confissões ele me manda para o inferno, assim como vão todas as que praticam aborto. Eu acredito na palavra dele. Aborto é mau; padre é bom. É muito simpático, excita-se com o meu corpo desnudo, mesmo que eu esteja a pesar 105 kg. como agora peso.
- E eutanásia?
- Não bebo.
- Não, a morte medicamente assistida?
- Sim, sim, altamente a favor. Eu quero eutanasiar a maior parte da classe política deste país, são todos uns vermes!
- Mas isso seria um assassinato… são conceitos distintos…
- Para mim é igual. O objectivo não é morrer? Tem mais graça eutanasiar os outros, não tem?
- Mas já pensou, numa situação limite de sofrimento…
- Numa situação limite aguenta-se! Eu sou mulher, não sou menina! Pago impostos de vez em quando para gastar a electricidade que as máquinas consomem nos hospitais, ou não? Portanto, aguentem-se!
- E em relação ao casamento gay? Tem opinião?
- Cambada de pane*****s!... Vão mas é trabalhar! Não se preocupem com o casamento… eu casei-me 3 vezes e fui sempre infeliz, era porrada, traições, discussões… O casamento só é bonito nas primeiras 12 horas, a partir daí passa de validade…
- Portanto, depreendo que está contra…
- Estou. Não é natural dois homens beijarem-se. Só mesmo o Alfredo e o Mota de Valadares. E mesmo assim, o Mota já tem um grande par de mamas. Falsas, claro; as minhas é que são verdadeiras.
- Mas o casamento também poderá ser entre mulheres…
- Pois, claro, que graça é que isso tem? Para isso compra-se um cacho de bananas… olhe lá, e o Benfica? Disso é que eu queria falar… nada melhor do que futebol a seguir à morte de um filho no parto…
- O Benfica não é uma questão fracturante, apenas serviu de isco para que pudéssemos falar… Nós sabíamos que o tema Benfica seria a única forma da D. Regina se interessar pela nossa reportagem…
- Seu grandessíssimo filho da p**a!, estás a mando do Pintinho!
- Bem, foi este o retrato da opinião popular, em mais uma interpelação ousada da comunicação social por Rio Tinto.
- Queres adoptar um dos meus filhos? O mais novo é cego, nem te vai distinguir do pai verdadeiro… bem, eu também não o sei distinguir, valha a verdade…

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Nu Bar

Só eu e o meu copo. Atento ao desfile de corpos. Preso ao balcão pelo fumo que sai de todo o lado. A ver se se vê alguém. A ver se se fala com alguém. Tomo lugar nas romarias pós-modernas às discotecas e bares. Actualizo o catálogo dos contactos a reter. Atiro o guarda-roupa para o topo da minha pirâmide de Maslow. A minha agenda é a tua agenda. Não tenho agenda. Tenho vontade de ir ao sabor do vento. Às vezes dei com a cabeça no muro. Agora volto a dar com a cabeça no muro. Não sei quem coloca lá o muro. A cabeça ferida e calejada já nem sente muito. Apenas espero que venha alguém. Analiso movimentos de anca na pista baça. Não sei o que eles significam para elas. Sei o que isso significa para mim. Penso que estou velho. Penso que tudo ao meu lado é demasiado novo. Julgo que não vou a mais lado nenhum. E depois acho que ainda poderei ir. Se houver tempo. Se tiver sorte. Se encontrar a porta de saída. Se acertar com a urina dentro da sanita. Tento gerir as minhas náuseas pré-nupciais. Aborreço-me. Volto para fora e regresso para dentro. Procuro ceder à desistência, mesmo crendo que não estou a encontrar a solução. Que se lixe a solução, irei reconfortar-me com a insignificância. Inalo o cheiro de fêmeas com o cio. Tiro uma fotografia mental dum nu integral e virtual. Ponho-me a magicar. Brinco com os desígnios da perfeição. Pode ser que elas sejam mais lúgubres que eu. Mas pode ser que não. É certo que não. Eles haveriam de saber se fosse sim. Preciso de mais um copo para acicatar a imaginação. Mais uma noite por aí. Menos sono ganho. Mais suor perdido. Ouço o ruído que cresce à volta sem distinguir nada de especial. Tens tabaco? Tens tempo para gastar comigo? Não te dás nada por ti próprio? Óptimo. Levaremos a nossa vida à ruína. Eu e quem me conseguir agarrar.