sábado, setembro 25, 2010

Sonho Seco

Era manhã. Via-se pela luz que atravessava o vidro, do meu lado esquerdo. O sol reflectia nas janelas do edifício em frente, naquela espécie de pátio interior. Era claramente manhã. Diria que no máximo dez da manhã de um dia de Primavera. O edifício em frente estava um pouco desfocado. Na verdade, aquele não era bem o sítio do costume, era a mistura desse lugar e de outro mais longínquo no tempo que tinha a mesma orientação solar. E eu estava lá, nas minhas coisas, tranquilo, e era o gajo que estava mais perto da janela, mas ainda mais longe do que era habitual estar. Ouço um cinto. Era ele, estava a baixar as calças. E era ela, a segurar-lhe na pixa, mal ele acabou de baixar as calças e os boxers. Eles estavam de perfil e assim deixaram-se ficar. Virei-me para ver, reclinado na cadeira, sabendo que havia mais gente naquele lugar, à minha direita. Mas já não consegui desviar o olhar para saber ao certo quem era. Ela estava de vestido escuro, perna cruzada sentada num pequeno banco, bem junto ao parapeito. Agarrou-lhe na pixa e começou a manuseá-la. E a manuseá-la bem. O pau crescia, crescia, crescia. Era um senhor pau. E eu para mim, “eh lá”. Era capaz de me envergonhar se lá fosse ter com ele para ela me chupar também. Eu sabia que não podia competir com um pau daqueles. Em igualdade de circunstâncias, sem nenhuma ligação afectiva, era o pau dele que iria claramente sobressair. O gajo enganava bem, parecia um tipo médio e afinal devia ter ascendência africana. E depois ela começou a chupá-lo. E a chupá-lo bem. Ela era craque, quem diria. E ele compenetrado no prazer, não emitia som, segurava-lhe de quando em vez a cabeça para ajeitar a mamada com o braço esquerdo. Estava a gostar. E ela continuava, dobrando-se e lambendo o pau. E que bem ela manejava o sexo. Eu estava sem palavras, surpreendido com aquele broche matinal. Comecei a ouvir vozes. Risos. Eram mais homens. Perguntaram, na brincadeira, “bolas, pá, tu fazes isso só a ele que acabou de chegar e não foste capaz de fazer o mesmo à gente que já cá está há tanto tempo”. E ela, muito naturalmente, como se fosse corriqueiro fazer mamadas em edifícios públicos logo pela manhã e junto à janela a um colega de trabalho, como se aquilo fosse o mais certo de se fazer numa pausa para o lanche, virou-se para mim, que era o que estava mais perto, e respondeu, “eu fazia, vocês é que nunca perguntaram”. E ela não estava a brincar. Estava séria. Acabou de dizer isto e voltou a chupar. E então o pessoal entusiasmou-se, “não seja por isso!”, ouviram-se cadeiras a arrastar-se e eu próprio endireitei-me na cadeira.

O que aconteceu a seguir não sei. Não controlo bem os meus sonhos. Acordei. Suponho que tenhamos todos formado uma fila de pixas ao léu para que ela nos chupasse a todos. Devíamos ser três ou quatro, também não mais que isso. E lá fomos fazer companhia a ele. Aquilo descambou num gang-bang. Mas isso sou eu a supor, tentando que o sonho acabasse bem.

Nem todos os sonhos têm finais felizes. Os meus raramente têm. Caem-me dentes, bato com carros que nunca soube conduzir, por vezes toco guitarra de uma forma que nunca pensei, outras vezes parto cordas miseravelmente, ando descalço à noite pela rua, percorro encostas misteriosas junto a um rio maldito talvez apenas por masoquismo, corro desesperado para apanhar o comboio certo que está sempre adiantado, passeio por caminhos junto a ruas de velhas fábricas, voo sem controlo, perco-me. Basicamente, é isto. Não é muito feliz, convenha-se. Mas também não se pode dizer que são sonhos propriamente infelizes. São sonhos inconclusivos. Andam por ali às voltas sem terem um fim certo. Às vezes caio ao chão, às vezes à água, e aí sim, podemos dizer que o sonho acabou. Mas é raro. Nos meus sonhos ando para ali às voltas. Nada faz sentido. Não tenho rumo. Não mando nada. Sei que estou num sonho, de vez em quando. Mas isso para nada me serve. Nunca atingi nada. Nunca fiz aquilo que sempre sonhei fazer em sonhos. Talvez por isso mesmo, por nunca sonhar com nada que sonhasse fazer.

As gajas feias devem saber mamar. Para compensar a sua feiura. Se Deus existe, é isto que acontece. E foi isso que aconteceu com ela. Por trás daqueles dentes tortos, olhos vesgos e pernas deformadas, esconde-se uma máquina brochista sem perdão. Tem de ser esta a ordem natural das coisas. As gajas boas são umas totós, as gajas feias mamam com uma volúpia inexcedível. Porque sabem que cada pau é uma oportunidade que tão cedo não voltarão a ter. A intermitência com que os paus passam diante delas aguça-lhes o apetite e o engenho. E dificilmente dirão que não.

A menos que sejam maçons. A maçonaria é um cancro. Se uma gaja que é feia recusa-te um broche, é porque é maçónica e só vai querer mamar noutro maçónico de hierarquia superior para subir na cadeia. Tenho medo dos maçónicos. Andam por todo o lado, controlam tudo, são os nossos chefes que se reúnem secretamente para decidir quem vai controlar o quê e vão espezinhar-te se precisarem disso. Se não és maçónico nunca podes ser realmente bom. Os maçónicos levaram-nos para a crise mas mantiveram-se fora dela. São uns grande filhos-da-puta, na minha modesta opinião não-maçónica. Os aventais e as lojas com nomes pomposos e o secretismo e o elitismo e o snobismo e essa trampa toda. Dão-me nojo. Gajas feias ligadas à maçonaria é do pior que pode haver. Nem mamam, nem deixam mamar.

A crise em Portugal é como o bacalhau. Sabemo-la apresentar de mil e uma formas: crise política, financeira, económica, social, sexual, de identidade, de valores, do sistema, de tudo o que possa imaginar; se há crise, nós temo-la, tivemo-la ou iremos ter primeiro que os outros, de uma forma indiscutível. É uma característica nossa. Só nossa. Os noruegueses comem o bacalhau sem ser demolhado e espantam-se quando as coisas vão menos bem. Mas nós temos o savoir-faire e encaramos as coisas com uma naturalidade estarrecedora. São virtudes que não se podem ensinar com uma simples receita.

Como é que ela pôde mamar tão bem no meu sonho? Como é que ela entrou no meu sonho? Com tanta gaja boa no meu subconsciente? Estou em crise. Uma crise pessoal sem explicação. Sou mesmo português.

quarta-feira, setembro 08, 2010

A Minha Terra

É claro que o lugar me traz uma certa nostalgia. Mas a minha terra, a localidade onde cresci, é feia. Nunca foi muito bonita, aliás. Podemos dizer isto friamente. Era, quanto muito, maior que as outras terras ao lado que também nada devem à beleza. E porque gostávamos de acicatar rivalidades, defendiamo-la com unhas e dentes. Sem grande razão. Era um exercício entre pobres e rotos, um duelo espúrio como tantos outros.
Hoje, demonstramos alguma pena e simpatia pela minha terra. Há quem recorde, com agrado, “no monte lá da nossa terra provém a água mais fresquinha, a melhor fruta, as melhores paisagens”. Ou “os melhores monumentos, as avenidas mais engalanadas, os melhores restaurantes”. A minha terra, porém, é um fiasco em toda a linha. Desprovida de belezas naturais. Caos arquitectónico. Lixo nas ruas. Paredes riscadas. Mármores encardidos. Mulheres sem dentes. Delinquentes que nunca mais recuperam. Carros estacionados permanentemente em segunda fila. Há uma dúzia de cafés todos na mesma rua e metade deles fecham após um mês. Mas o ciclo repetir-se-á. Velhas lojas fechadas até virem os chineses. Chineses aqui. Chineses ali. Chineses por todo o lado. E brasileiros. E indianos. E africanos. E sei lá que mais. As árvores foram abaixo. O clube desceu de divisão. As ruas à noite são mais sinistramente desertas que o cemitério. Os prédios fazem cócegas uns nos outros. Não há emprego. Já não se trabalha aqui. Quando finalmente se consegue estacionar, vai-se ver a telenovela para o maple e dorme-se. E mal, quando há desacatos e tiros nas ruas. As sirenes não param. Há alarmes a disparar a toda a hora. Ambulâncias em constante frenesim. Carros de polícia à farta. Bêbados a dormir às portas. Cartazes publicitários a taparem-nos as vistas. Muros. Pilares. Estruturas de betão no modo de reprodução automática. Alcatrão com buracos e lombas. Há tantas rotundas que um dia a estrada vista do espaço irá assemelhar-se a uma série de oitos em cadeia. Um mar de beatas de cigarros forra o passeio sujo com dejectos de cão, de homem, talvez de boi. Faz sol e a gente transpira sem sombras. Faz chuva e há inundações porque o escoamento é deficiente. E depois vendem aquele pedaço assoalhado como um pedaço de céu, mas o céu não se vê dali, só perscrutando entre os cabos eléctricos.
Pensamos que alguém há-de pensar na sustentabilidade do nosso espaço. Que também ninguém sabe ao certo o que é. Sempre foi esse o costume, projectar à toa mas a falar bem. Acreditar numa entidade superior que venha dar aquilo que já se perdeu. Ou que nunca se teve. Mas quisemos sonhar. Quando demos por nós, dizer que se vem da minha terra é quase que exibir um letreiro a dizer “sou um pobre diabo e as minhas perspectivas de vida não se comparam às vossas que vivem na Cidade”. Foi a Cidade que cresceu, fomos nós que nos deixámos aproximar, magnetizados pelo seu poder. Agora já não somos uma entidade independente, somos um agregado populacional morto-vivo. Quem não reconhece isto é porque continua a sonhar.
Bonito são aquelas casas americanas de relvado impecável e cãezinhos peludos a brincar com as crianças num dia de sol e onde até o carteiro é feliz. Devíamos ter ficado pelo videoclube. Que agora já não existe, é um local decrépito e empoeirado. E dizem-nos que isto está melhor. Quem nunca saiu de lá acredita nisso. Mas quem viu mais sabe que o máximo que fizeram foi atrasar o passo até ao estado de decadência oficial. O partido x culpa o partido y e os independentes criticam tudo. Ninguém parece satisfeito. Encolhem os ombros e dizem que podia ser pior. Podia ser pior, é um facto. Podíamos todos viver em jaulas de rato e não haver sequer um supermercado. Agora só há supermercados. E haverá sempre espaço para mais um prédio com vista para o melhor prédio, que está mesmo em cima da bomba de gasolina, mesmo perto dos transportes públicos envelhecidos, sujos e mal-frequentados. As faces antigas perdem a cor e morrem, as faces novas nada nos dizem. É claro que esta é a lei da vida. A minha terra, essa, nunca pôde ser bonita. Não tinha condições para tal. E a pouca identidade que tinha escoou-se pelo cano. Era apenas a nossa inocência que nos fazia crer que aquilo era do melhor que havia.