sexta-feira, outubro 01, 2010

Adeus Ao Desejado

Lisboa, finais de 1577. No seu palácio, El-Rei D. Sebastião, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc. (o etc. incluía uma ilha de turismo gay e uma offshore que se achou por bem não incluir no título – e também porque havia coisas que supostamente eram dele e das quais ele nem sabia o nome), tudo pela Graça de Deus, encontra-se excitado. E isto não só porque viu um homem nu a ser queimado no auto-da-fé do dia passado (“que pena aquele enorme pénis ser judeu”, confessou em alta voz), mas também porque estava entusiasmado em espalhar a sua fé por aí fora. À porrada, pois claro.

O ano não foi escolhido inocentemente. Toda a gente sabe que o punk arrancou em força em 77. Naquele ano, havia todo um clima de enorme contestação no ar, os jovens queriam partir tudo o que havia à frente e não havia muito mais que pedra. E isso não era cool. Ver pessoas a arder entretinha até certo ponto, mas depois as cinzas humanas faziam mal aos pulmões. Fornicar com irmãs e primas já não satisfazia como dantes e o número de mongolóides na população subia a olhos vistos. O que vale é que se lhes dava com uma enxada nos cornos e deixava de haver problema. Não havia nada de mais interessante que fazer do que lavrar a terra, inscrever-se num mosteiro ou partir durante meses num barco para o ultramar para ficar fechadinho na fortaleza a repelir os ataques indígenas – isto se conseguissem lá chegar. Eram estas as perspectivas dos jovens portugueses, se não morressem entretanto com uma doença tramada da qual ninguém sabia o nome mas que seria certamente castigo por actos pouco cristãos.
Basicamente, o pessoal estava inconformado com o status quo e desejava levar o cristianismo para um novo patamar de brilhantismo. E Portugal era o ponta-de-lança do cristianismo, acutilante e sempre em jogo, pronto para encostar a bola em nome do Papa. Sebastião, um jovem esclarecido pelos anos e anos de educação fortemente cristã, representava essa mole de descontentes ao mais alto nível. Era ele e as Pistolas Sexuais, um grupo paramilitar que fez furor durante algum tempo mas que rapidamente desapareceu num navio misteriosamente afundado ao largo das Canárias. Portanto, era ele o porta-voz inquestionável. Sempre rodeado de castos frades, priores, cardeais, bispos, arcebispos e dildos gigantes (que eram morcelas gigantescas e varapaus no século XVI), começou a delinear um plano ousado para reconquistar a alegria cristã e devolver a glória à gloriosa e orgulhosamente cristã nação lusitana.

Sebastião – Rebentar com toda a escumalha não-cristã! F**a-se, é partir com aquela m***a toda!
Frade – Mas, sua alteza, como fazer isso?
Sebastião – É ir lá e espetar-lhes com um avião nas trombas, mesmo em Meca! F**a-se, vamos atacar-lhes antes que ele nos ataquem!
Cardeal – Ainda não há aviões, majestade.
Sebastião – É mesmo por causa disso, car***o! Vamos fo**r-lhes antes que eles nos f**am!
Frade – O que a sua eminência o Cardeal da Brandoa estava a querer dizer era que nem nós temos aviões, sua alteza. E, além do mais, os mouros estão na terra deles e têm andado bastante calmos.
Sebastião – Que se f**a! Estão calmos agora, mas não vão estar para sempre! Temos que ir lá fo**r-lhes as fuças! Onde dói mais, na terra deles! Passa-me aí o vinho, car***o.
Bispo – Sua majestade, não nos devíamos concentrar em conservar as terras mais proveitosas, desenvolver a nossa terra e queimar apenas os hereges dentro das nossas possessões? Isso é estarmos a desviar meios do que é essencial e a arranjar mais problemas desnecessariamente…
Nobre (Punk) – Ouça El-Rei, bispo, ouça el-rei! Temos que nos mexer! Estou farto de violar camponesas! Quero ir rebentar trombas à séria! São infiéis, car***o!
Arcebispo (a ficar convencido) – Pá, vamos lá pensar bem: para que é que serve esta vida?
Sebastião (a ficar bêbado) – Para fod***os não-cristãos, car***o! E para ver corpos de escravos musculados e com enormes pénis a desfilar à frente e mamar neles!
Frade (benze-se) – Minha nossa senhora! Há gays na corte!
Sebastião – LGBTs, por favor. Haja mais respeito.
Bispo – Sua majestade, por falar nisso, eu não tenho dúvidas que o facto de sua majestade apreciar essas coisas é compatível com a cristandade… mas não devia pensar na sua descendência?
Sebastião – Quê? Tipo… ter um puto?
Bispo – Sim. Só naquela… para evitar as cenas da sucessão… mantermos a independência do exterior e coisas assim…
Sebastião – Bah! Não gosto de putos! E as mulheres são rascas, neste século não se depilam, cheiram mal e andam sempre a chorar por malas e sapatos que ainda nem sequer existem! E não há tempo para isso! Temos é que nos organizar e irmos para a porrada! Isto é por Cristo, car***o!
Arcebispo (rendido) – Bolas, é por Cristo, fo**-se! Será um arraial de porrada divino, à moda antiga! Vamos ser recebidos em glória no céu por Jesus himself e vai ser só curtir! ‘Bora lá!
Sebastião – Ouçam o arcebispo, car***o! Não sou eu a dizer isto, é o arcebispo, car***o! Vamos honrar os nossos antepassados e vingá-los à maneira!
Frade (receoso) – Não sei, alteza… parece-me perigoso…
Sebastião – F**a-se, e eu é que sou o LGBT por aqui… grande con*s que me saiu este eclesiástico…
Nobre (dos Clash) – É mem’isso, el-rei! É mem’isso! Vou já! Tenho ali os meus homens e cavalos já prontos! É quando quiser, fo**-se!
Sebastião – Homens e cavalos? Hmm, gosto disso, mas primeiro os homens, que se os cavalos entram a matar fico sem condições para levar com os homens depois…
Nobre (dos Clash) – Era só para a luta, el-rei. Eles são machos a sério, não sei se me entende…
Sebastião – Ah, ‘tá bem, ‘tá bem… mas, pronto, se eles mudarem de ideias, já sabes.
Bispo (não convencido) – Sua majestade, por favor, reconsidere… pode libertar as suas frustrações aqui… há tanto judeu para queimar… tanto povo para oprimir… tanta palavra de Deus por espalhar à machadada… para quê nos cansarmos?
Sebastião – P’ó car***o! Eu já decidi! E eu sou PORTUGAL, car***o! Quem é o maior?
Coro – PORTUGAL!
Sebastião – Quem é que manda nesta mer**a toda (segundo Tordesilhas)?
Coro – PORTUGAL!
Sebastião – Quem é que é o país preferido de Deus?
Coro – PORTUGAL!
Sebastião – Quem é que tem os maiores car***os do mundo?
Coro – (silêncio)
Sebastião – F**a-se, quem é?
Nobre (punk) – Sei lá… italianos?
Nobre (dos Clash) – Os castelhanos? Não, esses não, pá…
Arcebispo – Eu sabia esta pá… Está debaixo da língua… Aliás, já tive alguns debaixo da língua… ai, eu sei mesmo esta!…
Sebastião – OS PORTUGUESES, pá!
Coro – Aaaaah!! Pois é!!
Sebastião – Quem quer ir comigo?
Coro – NÓÓÓÓÓÓÓÓÓS!!!!
Sebastião – E quem vai à me**a do concerto dos U2?
Coro – BUUUUUUUUUUU!!!!!!
Bispo – Eu! Comprei bilhete no ano passado! Nem pensem que não vou!
Sebastião – P’ó car***o, ó bispo. Nem como peça de xadrez serves. Se não fosses tão cristão queimava-te no próximo auto-de-fé.

E lá foram eles, felizes, contentes e muito bêbados, em orgias múltiplas no Verão de 1578 por essa pradaria fora até Cádis, sítio onde os castelhanos acharam meio bizarro haver uma parada gay (“LGBT, por favor!”, corrigiu el-rei D. Sebastião) tão numerosa. As tímidas vozes de preocupação que deixaram em Lisboa já não se ouviam pois aquilo era uma trupe de jovens com muito sangue na guelra. O Filipe espanhol encolheu os ombros, disse “joder, coño” e foi lá tratar das suas coisas, que aquilo não era para ele – ele sempre preferiu correr com os mouros da terra dele e deixá-los em paz no ninho de vespas que era o inóspito deserto deles. E depois lá haveria de apanhar qualquer sobra.

Chegaram a Marrocos, o Manuel Cajuda disse-lhes olá e pôs-se a milhas, não fosse o diabo tecê-las e ele hipotecar de vez a hipótese de treinar a Selecção, houve um mouro muita maluco recomendado pelo Manuel José que se juntou com mais um exército de 6000 mouros fratricidas e puseram-se logo a caminho. Perto de Alcácer Quibir (“F**a-se, quantas Alcáceres é que há? Uma Alcácer do Sal não chega, car***o?”, protestou Sebastião), uma multidão de árabes aguardava-os junto a um rio. Eram para aí o dobro ou o triplo do exército de Sebastião, tinham acabado de vir de uma rave com som techno-house com influências xiitas e estavam armados até aos dentes, à boa maneira árabe. Pareciam drogados, de tão vermelhos que estavam os olhos e na verdade estavam mesmo, o que tornava-os ainda mais perigosos. Alguns nobres acagaçaram-se logo, “f**a-se, já fomos, daqui já não saimos”, assim que viram os mouros a sacarem das catanas e a rodearem-nos. Houve um que foi logo ao chão, outro disse “eh pá, olha aí essa cena, pá!”, gerou-se um burburinho e pronto, começou a batalha.
Sebastião não foi de modas, estava com uma grande tesão e desembainhou a espada, lançando-se a cavalo para cima dos mouros, mesmo à maluco. “A eles, car***o! E esta me**a é toda nossa, allez, allez; e esta me**a é toda nossa, allez, allez!”, bradou em jeito de motivação das tropas, mas as tropas não corresponderam. Foi a última vez que foi avistado.

Depois foi um fartote de porrada mouro, que até deu para eles fumarem as cenas deles enquanto decapitavam os portugueses e os seus aliados. Poucos sobreviveram. Filipe de Espanha sorriu lá no seu íntimo e disse “ya está, Portugal es nuestro! Venga, venga!”. Cá em Portugal, o povo ainda aguardou durante algum tempo, mas quando se apercebeu que o Facebook de Sebastião não era actualizado entrou em pânico. Inventaram-se as mais mirabolantes histórias para a negação da dura realidade que era a perda da soberania nacional, como aquela de Sebastião aparecer um dia de manhã envolto em nevoeiro, nevoeiro esse que não era mais que o fumo do haxixe mouro fumado durante a rave da noite anterior à batalha. Mas debalde. Sebastião ficou por Marrocos e nunca mais abafou uma palhinha sequer. E Portugal entrou em crise de forma declarada. Até hoje.