sexta-feira, julho 31, 2009

Repórter Rap-Estrábico

- Yo.
- Hã?
- Yo.
- O quê?
- Uhn-uhn, yo, estou na área a bombar, sempre a rappar, MC está no ar, as questões vão rebentar, yo, uhn-uhn, bring it on.
- Ó filho, eu tenho fome, sou um sem-abrigo, não percebo nada de coisas estrangeiras… eu só queria um cobertor e uma carcaça… tem uma moedinha?
- Iá, iá, ‘tou aqui a representar a minha crew, e vou mandar uns pontapés no cu, a esses senhores eu digo «o rei vai nu», desigualdades e tristeza, por todo o lado com muita certeza, há que denunciar esta pobreza, se és pobre não vais conseguir papar a Teresa, uhn-uhn, oh yeah, uhn-uhn, fuck da cops.
- A Teresa?
- Minha dama, yooo, pra ir prá cama, yeeeah, não vás por esse lado, meu desdentado, ela curte bué os dreads, tu pra ela não serves, não tens cenário e cheiras mal, pareces um animal, é a injustiçaaaa, da políciaaaa, yooo, há que contestar, há que graffittar, MC está na rua para dizer as verdades, se não sabias agora tu já sabes, yo.
- Eu pensava que você estava aqui para fazer uma reportagem sobre as difíceis condições de vida de um desamparado como eu… o que até é porreiro, dado que os jornalistas costumam dar-me comida e uns trocos que me ajudam bastante…
- Iá, iá, sempre a representar, sempre a rimar, língua de fogo que não vai parar, as consciências a abalar, o político vai abanar, com as palavras sempre a bombar, como o Shaquille a afundar, o people da rua vai atacar, uhn-uhn, e tu vais sentir o pitbull a morder, yeah, o edifício vai tremer, yo, o povo quer comer, hã, e o MC está aqui para defender, yooooo.
- Qual é a pergunta, afinal?
- BEATBOX: chpuc, chpac, ch-ch-chpuc, chpac, chpuc, wingawingawinga, chpuc, chpac, ch-ch-chpuc, dzoimdzoimdzoim, chpuc, chpac, chpuc, chpac, wingawingawinga…
- Dói-lhe a garganta? Precisa de uma pastilha?
- Yo, é só sair à rua, é a realidade crua, é a evidência nua, o povo tem fome, e há pessoal que só come, políticos sem vergonha, é sempre a mesma ronha, como se pode viver, hã, sem à Internet aceder, yo, eu acabei de entrar no site, yeah, e comprei uns ténis da Nike, hã, mas este pessoal está a desatinar, e a crew com boas roupas a representar, mas quem é põe um fim a isto, yo, e eu sem os meus fios de ouro não existo, hã, e MC está a pensar, numa ganda rima pra rebentar, yo.
- Não percebo…
- Sócio, preciso de uma palavra que rime com "sem-abrigo".
- O quê?
- F**a-se ó sócio, manda lá uma palavra que rime com “sem-abrigo” senão começo a aparvalhar… um minuto a falar sem rimar e começo a flipar… viste? Não sou capaz. Quando dou pela cena, é logo “zás!”. Viste? Outra vez.
- Sei lá… Eu não percebo nada disso…
- F**a-se man! Bem mereces a vida de merda que levas!... Não me ajudas nada, car***o! Vá lá, lembra-te lá de uma palavra que rime com “sem-abrigo”… estou com uma branca!
- Vocês só se dão com as brancas, eu bem vos vejo a passar por aí…
- ‘Tás a tripar, sócio? Tás a tripar comigo? Chino-te já aqui!
- Calma, afaste lá isso, isso é perigoso!
- É isso! É isso! Ganda chouriço! Está a vir, yo, está a subir, yeah, rima do MC para toda a crew curtir, hã, aqui vai para partir, check it out, só quem é sem-abrigo, é que conhece o perigo, a valer, hã, a doer, yo, isto não é para meninos, isto não é para rabinos, yo, isto é para malta da street, e aquela dama bem que fazia um strip, yeah, mas não há tempo a perder, yo, tenho uma parede pra escrever, yeah, e a minha poesia é como sangue a escorrer, nas mentes mais retrógradas que pode haver, a deslizar como o meu pau na vaselina, a incendiar como se fosse gasolina, e agora os betinhos ficaram sem saídas, vamos sacar-lhes as roupas da Adidas, yo, yeah, comin’ up.
- Ainda não consegui perceber nenhuma pergunta…
- Iá, iá, a malta é só style, gosta de dar baile, na rua a desbundar, as damas a galar, o tuning a bombar, cenas bacanas a tatuar, yo, no pescoço, quando há caroço, yeah, está a ganza a rodar, para os putos que se estão a cagar, prá sociedade, yeah, é a verdade, yo, merda de sistema que não nos dá iPhone, yo, ando com um telélé que parece um trombone, yo, não há direito, não há respeito, eu quero sair de Chelas e viver a preceito, quero avacalhar sempre sempre a eito, yeah, e esta é para a minha mãe ouvir, é em casa que a minha dama vai parir, vou ser pai sem temores, e o puto vai viver como se fosse de doutores, sem dores, com flores, hã, ali no shopping a controlar, porque há bué da cenas pra gamar, sejam novos ou sejam velhos, há que ficar com os aparelhos, hã, e se serve também para ti, quero tudo o que seja Sony, e vai ser um momento zen, quando abro um Citröen, yo, Sam The Kid está no ar, o poeta popular, sempre a representar, ganda cena é espectacular, bring it, bring it on.
- Olhe, eu não estou a perceber nada… vou responder aquilo que tenho respondido aos seus colegas: eu vivo aqui em cima deste contraplacado desde o mês passado… mas já vivo na rua há alguns anos… tudo começou quando…
- Uhn-uhn, nem me digas nada cota, sai da minha rota, minha vida não vais compreender, eu é que sei o que é mesmo sofrer, hã, minha dama com 15 anos foi engravidar, e eu então tive que ir para a rua gamar, professores que não ensinam, yo, é como se fossem raps que não rimam, yeah, eles só falam de coisas parcas, e nós queremos é material de marcas, caguei prá disciplina, eu parei na plasticina, era muito prá minha mona, então eu bazei prá minha zona, foi sofrer a bom sofrer, não havia ganza pra vender, people a enlouquecer, foi prá rua disparar, na bófia que ia a passar, hã, e chamaram-lhes racistas com razão, porque a nós ninguém nos pode dizer não, e se não concordas ficas a dever-me uma, pode ser aqueles bonés da Puma, yo, yeah, beatbox in da house: chibum, chibá, chibumchibumchibá, chibum, chibá, chibumchibumchibá, wekowekoweko, bring it on.
- Eh pá, mas você diz que faz isto e faz aquilo, sofre disto e sofre daqueloutro… mas vamos ver… e você não faz nada! Só ameaça em forma de rima forçada! E ainda por cima vive como um rei! Olhe lá para essas roupas, esse carro, esse telefone que faz música… Vive bem melhor que eu! E, ainda por cima, não me ajuda!
- Man, não estás dentro da cena, tens a mente pequena, uhn-uhn, estou a ajudar, com rimas pró ar, consciências a despertar, bla-bla-bla-ar, não ‘tás a entender, não ‘tás a desenvolver, agora ficas a ver, man, fica bem, man, MC representou dos zero aos cem, man. Yo, props, props, agora vou ali controlar a dama, não tarda nada ‘tou com ela na mama, lá no gueto, é pró espeto, yo, a vida é dura, não há cura, somos rejeitados à nascença, não gostamos do Olegário Benquerença, ouvi dizer que política e corrupção, são dedos da mesma mão, são capazes de ter razão, eu não vou dizer que não, yeah, acho que nem sei quem são, yeah, porque eu tenho as calças quase no chão, já que em cenas de estilo eu dou-te uma lição, e eu sei que fico bué da volátil, quando ando na street sem o meu portátil, uhn-uhn, yeah, vou continuar a acusar que vocês são todos racistas, enquanto faço os possíveis para aparecer na capa das revistas, yo, e vocês ajoelham-se porque são uns totós, yeah, enquanto nós é que andamos com gandas popós, yeah, e podes crer que vamos estar sempre contra, a partir e pilhar cenas da montra, uhn-uhn, é tentar curtir como se pode, enquanto é sempre o outro que se fo*e, yo, temos pena, temos pena, mas o rap é a minha cena, mad nigga playin off da house, check it out.
- Vá lá salvar a sua dama, então… Ei! O meu contraplacado? Roubaram-me o contraplacado! Seus pulhas! Era o contraplacado mais suave em que alguma vez raspei os meus calos!… chuif…

sábado, julho 18, 2009

Página Social

Para desenfastiar de tanta lamechice peganhosa, Tony Carreira ocupa os seus tempos livres com decepamentos a sangue-frio no conforto do seu estúdio-talho. Graças a estes momentos de puro lazer, Tony conseguiu preservar a paz de espírito interior necessária para compor “O Homem Que Sou”, onde se discernem traços carniceiros como em mais nenhuma outra parte da extensa obra deste fenómeno de vendas. Tony decidiu finalmente escancarar as portas da sua intimidade ao “Outra Louça”, vá-se lá saber bem porquê. E eis Tony a dar largas ao seu hobby predilecto. Como se pode constatar, é com indisfarçável regozijo que o popular cantor romântico aplica o cutelo no braço empedernido de mais uma fã. Desta vez, a feliz contemplada foi a D. Alzira Tocóbixo, uma cabeleireira de 45 anos residente em Murtosa e que nunca viu o mar. E também não vai ser agora que irá conseguir acenar aos navios.


Aqui está a nova campanha para angariação de voluntários para o exército.
Ao centro vemos Rui Bandeira, confiante e destemido, embora apresentando um busto um tanto ou quanto surpreendente (ou talvez não). Fez questão de adquirir as cuecas no final da sessão fotográfica. Pensava-se que a carreira de cantor iria disparar a partir daqui, mas debalde. Contudo, a carreira de travesti recebeu um estímulo inesperado.
Mais à direita do empertigado Rui vemos Susan Boyle, que não perdeu tempo a mudar o seu estilo após o seu tão apoteótico quanto breve sucesso. Ainda mal refeita do estrelato repentino, parece espantada com a quantidade de plástico que despejaram no seu renovado peito. Sol de pouca dura, porém – durante a sessão, o seu deficiente manuseamento da arma fez com que atingisse cada um dos seios falsos, furando-os como dois balões da feira e inutilizando-os para sempre.

Na extrema direita da foto, Floribella Djaló, ou Luciana Abreu, gane como uma cadelinha a quem lhe reprimiram o cio. Ela nem queria pegar numa arma, mas pronto, era condição para que pudesse mostrar as mamas. Foi difícil para as restantes modelos parar de dar festinhas a Floribella e ela não se importou. O único senão foi a cagadela que deixou em cima do equipamento do fotógrafo.
As outras três moças são a Svetlana, empregada da Câmara Municipal de Monchique que é perita a jogar Minesweeper, a Vânia Raquel, uma tipa porreira que sabe assobiar com os dedos na boca, e o Jorge, um caçador que descobrimos no Príncipe Real.

Nas festas de Verão é este o casal que está a dar que falar. Dois humoristas, dois totós que tentam desesperadamente fugir da nerdice a sete pés, dois tipos que não sabem representar mas que tentam bastante. À esquerda, Bernardino Soares, o eterno jovem comunista, exibe-se com um vestido de carácter conservador, como é seu apanágio. Dentro de certos círculos, muitos elegeram o look de Bernardino como “revolucionariamente elegante” e consta que Lenine teve erecções no túmulo quando Bernardino posou para o “Avante!” com uma tiara em forma de foice e uma pochette decalcada dum martelo. Ao seu lado, o sempre coquete Markl, a recuperar muito bem da sua gravidez. É caso para dizer que a maternidade fez-lhe bem e aquele tom azul realça a tez rejuvenescida da mamã mais queriducha e peluda de Portugal. Markl entretanto já anunciou via Twitter que o vestido azul vai agora servir de fralda do seu bebé e que a fralda do seu bebé vai ser o seu chapéu na próxima gala em que entra o pessoal fixe.

Dois portistas apanhados num jogo de sado-masoquismo. Ela, Elisa Ferreira, agarra ele, Miguel Sousa Tavares, pela trela, enquanto ele parece subserviente pelos pés da eurodeputada candidata à autarquia portuense. Ela está espantada e ele está com aquela cara de “o que é que querem?, intelectual que é intelectual tem a sua tarazita ou outra”, respirando de alívio por não ter sido apanhado a receber queimaduras de cigarro nas costas da Manuela Moura Guedes. Elisa, lá no fundo, apenas não consegue esconder o gosto pelo poder que lhe veio desde os tempos de Governo. Deviam vê-la a mexer com o chicote e a dizer palavrões com aquele sotaque tão excitante que ela tem.

sexta-feira, julho 17, 2009

Repórter Metal-Estrábico

- Estamos aqui no Sardoal, onde um violento incêndio DESTRUIU a habitação e os terrenos agrícolas do sr. Barquinho… um verdadeiro ESPECTÁCULO de devastação, verdade seja dita. CINZAS NEGRAS cobrem toda esta área, onde jazem igualmente algumas CARCAÇAS de animais que ainda fumegam ao sol… O INFERNO passou por aqui. Parece que nada sobrou, não é, sr. Barquinho?
- Ainda me resta um carneiro, que se conseguiu safar sabe-se lá como…
- Então? Você não tinha perdido tudo?
- Não, eu não disse isso…
- E você não se encontra deprimido?
- Bem, eu… realmente, não é uma situação fácil…
- Quando digo “deprimido” estou a querer dizer “angustiado”, “com aquela sensação que o mundo inteiro está de costas voltadas para si”, “naqueles dias em que parece que um anjo negro está a menstruar-se abundantemente sobre o seu corpo”… você está assim, ou não?
- Pois… estou um pouco…
- Sente a dor dentro de si, não sente? Assim como se ela estivesse alojada dentro do estômago e pronta a subir pelo esófago acima para ser vomitada?
- Há alguma dor, sim…
- Boa, boa, você está a entrar dentro do espírito! Agora, concentre-se na sua dor… pegue neste microfone e grite “FUCK JEEEEEESUUUUUUUUUUS!!!”, como se tivesse sido perfurado com várias agulhas a ferver simultaneamente… um voz cavernosa, cá do fundo; não é “fuck Jesus, sra. professora”, à moda da pré-primária; é “FUCK JEEEEEESUUUUUUUUUUS!!!”, como se fosse um Morbid Angel.
- O quê? “Fâque djiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiizââââââââââs”? O que é isso?
- Vai-lhe ajudar, prometo. Não lhe vai recuperar a casa nem as galinhas, mas é um paliativo espectacular, garanto-lhe.
- Acho que não consigo, não sei…
- Pronto… É timidez, não é? Então gritamos os dois, pode ser? Vamos gritar uma coisa mais fácil. Quando eu contar até três, gritamos os dois: “PAAAAAAAAAAAAAIIIIIIN!”
- “Peine”?
- Sem o “e” no fim.
- “Pein”?
- Isso! Mas forte, homem! Mesmo como um demónio das trevas! Lembre-se da sua agonia interior! Pense neste fogo que lhe estragou a vida! Raiva nesse grito, hã? Vamos lá… um…
- Peeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeein.
- Então? Que é isso? Só contei até um…
- Só sei contar até um.
- Ah… bom, mas não foi satisfatório, você não estava com a dor toda. Vamos lá repetir…
- Não me parece boa ideia. Isso não me está a ajudar por aí além…
- Bolas, homem! Satanás estabeleceu um contacto directo consigo! Destruiu-lhe a vida! Você sabe o privilégio que teve? Eu sonho com o dia em que Satanás venha ter comigo e me tatue um crucifixo invertido na testa com um ferro em brasa… e tenho que andar a dar cabeçadas na parede em incessantes headbangings enquanto ouço speed metal para sentir a verdadeira dor, à espera do toque do Diabo! Você não sabe a sorte que teve! O Diabo dá dentes a quem não tem nozes!
- Não foi Satanás. Foi o Zé Padeiro.
- O Zé Padeiro?
- Sim, foi ele que começou o fogo. Fez uma queimada de mato no quintal, deu-lhe o vento e… pronto, foi o que se sabe.
- E não sente a vingança da besta dentro de si?
- Não... O Zé Padeiro é bom rapaz… aconteceu-lhe desta vez, dantes já tinha acontecido a mim… Paciência.
- Não equaciona torturar-lhe um bocadinho…
- Hmmm… Talvez não lhe dê mais aguardente durante uns tempos… Mas, fora isso, não.
- Ou ler o livro de S.Cipriano assim só para distrair as ideias…
- Eu não sou muito católico, nem de igrejas nem dessas coisas todas…
- Nem um ritual com velas e animais mortos no meio da Serra de Sintra à noite…
- Não… Você sabe o que é uma queimada?
- O que eu sei é o alinhamento do novo álbum dos Manowar.
- Manowar? É uma debulhadeira?
- Não. São os reis do power-metal!
- Ah…
- Aqui vai: “Steel Hell “, “Powerking”, “Wheels Of Fire”, “Metal Lord”, “Fists & Iron”, “The Axes Of The Damned”, “Blade Machine”, “The Old Curse Of God's Hammer”, “Fight For Power And Fire (And Steel)”, “Hell Last Burning”, “Slave No Power” e “My Cute Little Pony”, que é uma faixa de bónus gravada em cima de uma Harley Davidson a caminho da Disneyland. Digo-lhe uma coisa: é BRUTAL!! METAL!!!! YEAH!!!!
- Ah…
- Saquei os mp3 na net. Já não compro cds.
- Está bem…
- Mas tenho uma t-shirt oficial deles.
- Pois…
- E você não tem nada, não é, sr. Barquinho?
- Ah, ainda vou tendo alguma coisinha… Como o carneiro.
- O carneiro… Ena pá, é isso mesmo!
- O quê?
- O carneiro é espectacular para o sacrifício!
- O quê? Chanfana?
- Bute lá sacrificar o carneiro! Não, não, espere: deixe-me ir buscar as facas góticas ao carro. E o manto negro.
- Mas… Mau, assim já não dá!…
- Tem toda a razão: falta um som à maneira. Exodus, pode ser? Também tenho Odious Mortem.
- Não, não, pare lá com isso, ninguém vai matar o bicho! Mas o que é que é isto, afinal?!
- Eu preciso de dor para me sentir realizado. Satanás está comigo.
- E ele quer um queijinho?
- Um queijinho?
- Destes queijinhos frescos que se safaram ao fogo.
- Mostre lá.
- Olhe aqui. Hã, maravilha, não é? Nós aqui na terra temos que ter algo para as visitas, mesmo que seja o Senhor Doutor do Mal.
- Por acaso Satanás é engenheiro. E esses queijos estão muito brancos.
- Como assim?
- Satanás não gosta de coisas brancas.
- Ele que imagine que isto é tipo… uma sobremesa esbranquiçada, vá lá…
- Satanás não come sobremesas. Só Suissinhos de framboesa. Têm muito cálcio.
- Vá, eu sujo o queijinho com…pode ser estrume?
- Não tem chocolate negro?
- O carneiro comeu todo o chocolate negro que tinha quando viu o fogo chegar.
- Seja estrume.
- Muito bem. Ora cá vai disto… pronto, e agora?
- Satanás agradece mas diz que já comeu.
- Ora bolas, e agora?
- Satanás aceita dinheiro.
- Dinheiro? Bem, não tenho assim muito aqui à mão… mas tenho ali umas poupanças que posso desenterrar debaixo da laranjeira queimada… Assim de quanto é que ele precisa?
- Quanto é a viagem de volta para a Reboleira?
- Para aí uns… sei lá, 20 euros.
- Então Satanás quer 80.
- Então mas…
- Despesas de representação. Está no contrato.
- Se é assim… Espere aí um bocadinho…
- Fico dolorosamente à espera. Já sinto o fogo a trepidar nas minhas veias… o sangue está a ferver… ah!, que espantosa agonia! DARKNESS IS MY MOTHER, BEAST IS WITHIN, UUUUUUUUUUUUUUUUH! FALLEN CHRIST EVERYWHERE, CRAWL IN PAIN! PROFANE MYYYYYYYYYYYYYYYYY SOOOOOOOOOOOOOOUUUUUUUUUUL!!! UUUUUUUUUUH! CRAAAAAAAAAAAAAAWWWWWWWWWWWWWWWLLLLLLLL IIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNNNNNNNNN PAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNN!!!!!! UUUUUUUH!
- Cá está.
- AHAHAHAHAH!, o mal triunfou outra vez! Mais uma ajuda para Satanás comprar um iPod! E você, sr. Branquinho, como é que vai sobreviver à catástrofe?
- Pronto, ainda tenho umas coisitas… mas vai ser quase como refazer a minha vida do um…
- Do zero, quer dizer…
- Não, mesmo só do um… porque eu só sei contar até um, já tinha dito.
- É verdade.
- Mas fiquei contente.
- É isso, também sentiu no fundo um prazer intenso por sentir a dor e a desolação da enorme perda, não é? Eu sei o que isso é.
- Pois… Não é bem isso; gostei de ter a imprensa por aqui a tentar manipular os meus sentimentos e a extorquir-me o pouco que me restava… Quero dizer… Isto é só para gente importante, não é?… Acho eu… Não, foi bom, foi muito bom, apesar de tudo. Valeu a pena perder tudo por cinco minutos no jornal das oito.
- Não, o senhor está a brincar!... Você está é dentro do espírito da dor! Você sentiu o chamamento das trevas! Eu estou a ler isso nos seus olhos!
- Eh pá, eu acho que é outra coisa… mas você é que é a da cidade…
- Quer ir ver o concerto dos Torsofuck ao Santiago Alquimista? Pago eu.
- E depois quem cuida do carneiro?
- Sacrificamo-lo na volta.
- Mas…
- DECEASED FAITH, ATROCIOUS SUICIDE! PROFANE MYYYYYYYYYYYYYYYYY SOOOOOOOOOOOOOOUUUUUUUUUUL!!! UUUUUUUUUH! UH! UH! UH! CRAAAAAAAAAAAAAAWWWWWWWWWWWWWWWLLLLLLLL IIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNNNNNNNNN PAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNN!!!!!!

segunda-feira, julho 13, 2009

Um Texto Sobre Nada

Não é fácil esvaziar nada do seu conteúdo. Nada tem muito que se lhe diga.

Tal quando eu te pergunto o que se passa e tu dizes “não se passa nada”, todavia eu vejo-te a babar como um cão à porta do talho enquanto vês o teu ex-namorado abraçado à tua ex-melhor amiga da maneira que tu sempre quiseste que ele te abraçasse e que ele nunca foi capaz de te abraçar, a entrar dentro do restaurante a que ele nunca te levou a comer a lagosta e que dantes lhe fazia uma enorme alergia, contigo ali a presenciares todo aquele filme de romance que já não era o teu sem seres capaz de fazer uma crítica isenta como um bom crítico de cinema, a espremeres os teus próprios lábios como um palestiniano não apertaria o pescoço a um judeu.
Tal quando eu digo que “está tudo bem, não é nada”, mas eles fracturaram o meu orgulho de forma exposta e levaram-no arrastado por duas mulas epilépticas pelas ruas em paralelepípedos desta cidade suja, para que toda a gente pudesse cuspir ácido em cima das suas feridas fundas um pouco mais, não fosse ele capaz de ressurgir de novo.
Tal quando ouvimos “não dói nada”, mas aquilo custou os olhos do nosso corpo todo e mais alguns que hipotecámos ao banco e nós nem sequer ficámos com uns pensos rápidos para camuflar os arranhões profundos da nossa inveja, nem com pasta de dentes para branquear o sorriso amarelo da nossa felicidade comprada em promoção.
Tal quando dizemos “não sei de nada” mas escondemos e conservamos o relatório detalhado de tudo aquilo que afinal conhecemos para referência futura, não vá o boomerang fazer a curva mais cedo que o esperado.
Tal quando lemos “não tenho nada contra”, mas nas entrelinhas existem chispas de sangue e olhos faiscantes de fúria demasiado evidentes, como se a tipografia se tivesse equivocado a colocar o nada e quisesse ter colocado o tudo.

Sabemos que o maior preconceituoso é o anti-preconceituoso, porque é ele quem procura o preconceito e dele necessita para sobreviver.
Sabemos que a hipocrisia é a roupa que veste o rei, nesta terra onde quem tem meio-olho cheio de ramelas já o é, e se não fosse a hipocrisia um enorme outlet acessível a toda a gente, já há muito que os monarcas dos nossos bairros iriam nus.
Sabemos que a meta-linguagem é apenas um termo bonito para andar às voltas de um abecedário e de um teclado de computador sem parar, sem concluir alguma ideia, sem nada dizer em concreto.

Mas… nada? O que é afinal o nada? Não conseguimos reduzir nada ao absurdo. Pelo contrário, tratamos nada como um absurdo. Nada serve para tudo. Tudo serve para dizermos que não é nada.
À falta de melhor explicação, nada é qualquer coisa diferente de conjunto vazio. Nada é aquilo que mói. Nada é a vergonha em reconhecer. Nada é tudo menos a insignificância que nos tentam impingir. Nada dificilmente será invocado pelo seu sentido literal numa sociedade que vive de aparências.
Mais qualquer coisa que isto e a definição do uso que correntemente atribuimos a nada corre o risco de ser nada, no sentido estritamente clássico do dicionário.