segunda-feira, novembro 26, 2007

Hooligan Profissional

Algumas pessoas tendem a apontar-me um dedo recriminador quando lhes digo que sou um hooligan. Todos pensam que a vida do hooligan se resume a uns quantos actos racistas, agressões cobardes, porrada de meia-noite, biqueiras de aço, cânticos urrados nos estádios e algum álcool. Se pensam que a vida de hooligan é só isto, estão rotundamente enganados. Na verdade é tudo isto, com uma grande diferença no que me concerne: eu sou profissional.
Quero com isto dizer que tenho de observar uma série de burocracias e preocupar-me com elas com um afã quase semelhante ao da afinação da minha ponta-e-mola. A saber:
- Criação de uma firma unipessoal de responsabilidade limitada (“Trás-Pás, Unipessoal Lda.”);
- Descontos mensais para a Insegurança Social (taxa única de 23,5%);
- Salário base, subsídio de almoço e de deslocação (respectivamente, pouco mais que o ordenado mínimo, 4,25 € e o passe L1);
- Pagamento do Subsídio de Natal e de Férias a todos os empregados (que, neste momento, sou apenas eu – todos os outros mostraram-se de fraca confiança e, acima de tudo, de fraca constituição física, gastando eu balúrdios em estadias nos hospitais após batalhas campais mais acirradas);
- Prémio de desempenho anual, baseado nas avaliações de desempenho (embora facultativo, não deixei de me auto-atribuir o prémio este ano, para não descurar o factor motivação que deve estar presente em qualquer empresa e para homenagear o grande festival de pancada que marcou a minha visita ao Porto no final do campeonato passado);
- Contabilidade organizada (e como se contabilizam barricadas de rua? Um “fornecimento e serviço externo”? “Proveito operacional”? “Sinistros”? A contabilidade pode ser criativa, e existem grandes estrategas nesta novel arte, mas será a contabilidade hooliganística? Poderá a contabilidade do século XXI adaptar-se às especificidades das lutas de gangues?);
- Estipulação de um horário de expediente (eu trabalho todos os dias úteis, escrupulosamente, das 10 às 17:30, com almoço pelo meio, e no dia do jogo da minha equipa);
- Pagamento de horas extraordinárias (e por isso deixei de rebentar com estações de serviço nas viagens de regresso e de incitar ao seu rebentamento, pois custava-me os olhos da cara);
- Cumprimento das normas de segurança EU25B-04 e EU4447-07, no que respeita ao material utilizado nas pelejas (a ASAE já me apreendeu alguns bastões de baseball timidamente lascados e uns quantos frascos de gás pimenta, o que para mim foi uma vergonha da qual ainda mal me refiz… e sem esquecer a pesada multa);
- Emissão de facturas por cada acto violento, ao cuidado da vítima (o meu volume de negócios fez-se sobretudo de socos simples, mas houve uma factura de montante recorde emitida ao cuidado da Junta de Freguesia de Massarelos, pelo cocktail molotov que incendiou dois contentores do lixo);
- Etc. e tal.
Só enveredei por este caminho porque, a certa altura, parecia que o negócio iria despontar. O meu raciocínio foi: as claques estão na moda, há desacatos em cada jogo, estão a combinar-se lutas antes e depois dos jogos e longe dos estádios, o filme “Fight Club” está a tornar-se um objecto de culto, eh pá, o que falta mesmo é rentabilizar estes instintos embrutecidos e canalizar o ódio cego e infundado numa actividade lucrativa. Recrutava 3 ou 4 bisontes habituados a bater em tudo o que se mexesse, montava um escritório, seria o meu próprio chefe e chefe deles numa actividade que me dá gosto e, ena pá!, até podia receber uma menção honrosa duma consultora internacional pelo meu espírito empresarial.
Mas, como referido atrás, os tais bisontes nem sempre actuavam com profissionalismo, batiam sem critério a quem não podia suportar a factura, isto quando passavam a factura e quando se lembravam de reclamar o dinheiro. Sempre lhes alertei, nas diversas acções de formação que levei a cabo, “não batam nos velhos e nos putos”, não por qualquer factor moral para o qual me estou a borrifar como bom hooligan que sou, mas porque esses não têm posses para pagar um simples calduço. “É melhor bater em casais de namorados e mulheres com casacos de vison”, advertia, porque pelo menos conseguem dar-nos 2 € por um soco sem soqueira ou por um pontapé que não na genitália, nem que seja só para não lhes batermos mais. Aliás, a minha empresa conseguiu ter, em determinada altura da sua existência, uma quota estimada de 65% no mercado nos pontapés à traição na genitália, porque optei por vender estes pontapés por apenas 5€ (o mais barato do mercado), sem descurar a qualidade de execução do mesmo. Jamais. Quem se atravessasse no caminho da minha empresa sabia que podia contar com violência de elevada qualidade. Era tudo o que eu queria, mas infelizmente não foi possível. Sei que se partiram muitos dentes sem que tenhamos exigido o respectivo pagamento. Parecíamos, a dado ponto, uma empresa pública, tal o dispêndio de energia sem a natural correspondência dos rendimentos. E então, cansado de tanto amadorismo, visitei os hospitais e celas por onde deambulavam os meus colaboradores e procedi ao “lay-off”.
Sendo assim, e como só resto eu, estou a pensar em cessar a actividade e voltar ao registo dos recibos verdes. É chato, eu sei, é atirar com um ponto de interrogação gigante para as costas do nosso futuro, mas talvez assim volte a retirar prazer quando bato em alguém. É que agora, quando espeto uma cabeçada num tipo, penso logo nas atribulações contabilísticas do acto e em quantas mais cabeçadas e narizes partidos terei eu de efectuar para ter lucro num determinado mês. Talvez os recibos verdes sejam a solução.
Quer dizer, a solução só virá quando sair deste presídio onde me encontro por dívidas fiscais – na lufa-lufa das agressões, liquidei o IVA que devia deduzir, ou vice-versa; ou apliquei mais que os 21% convencionais, talvez, não sei; só sei que o fisco me apanhou. Estou a ver o Vale a Azevedo e o Pedro Caldeira lá ao fundo. Vou convidar-lhes para jogarmos às cartas. E se recusarem, parto-lhes os dentes. Sem medo de retaliações. E se as houver? E se me mandarem desta para melhor? Não há problema, estou certo que no céu também se arranja alguém, de confiança, a quem dar uns bons tabefes.
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NOTA: Antes da Tagus "ter" a ideia, já eu tinha abordado o assunto do orgulho heterossexual. Cerca de 4 meses antes. Magnanimamente, não reclamei os royalties que me seriam devidos. Começo a sentir-me como o Pacheco Pereira, constantemente citado mas não linkado nem referenciado. O próprio Pacheco Pereira já veio aqui beber algumas ideias. Ele que tente negar esta evidência com fotos tiradas ao pôr-do-sol em Rio de Mouro e com poemas avulsos de autores francófonos pela manhã.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Um Lado do Telefonema

Então, pá? ‘Tás bem?
É verdade, já faz um tempinho…
Fiz uns contactos…
Falei com o Malaquias e com o Celso…
Porreiríssimos.
Na forma do costume.
Eu cá vou andando.
Pois, pois…
Ainda com a mesma, sim.
Olha, de vez em quando… quando o rei faz anos!
Ahahahah!
Um gajo tem de se aguentar, não é?
Já não ligo muito a isso…
Deve ser, deve ser…
É a vida…
Então e tu, pá?
Éramos os maiores amigos do grupo, lembras-te?
Sempre te tive como um tipo excepcional, pá…
E tu também…
Não, não… ahahah!...
Sabes bem que não…
És cinco estrelas.
Por amor de Deus!...
Não é nada…
Sabes bem que sempre alinhei. E alinho!
Então não sei!...
Os três… bons tempos…
Sei, sei…
Aquela escola era um mundo…
Ahahahahah!
Mas já que falámos de mim, então e…
A Magda?
A loura?
Ah, a outra…
Mas ela não era aleijada?
Tinha ideia de ela não ter um braço…
A sério? Pois é, a ciência evolui…
Sim, sim, acredito que as próteses sejam muito perfeitas hoje em dia…
Nunca experimentei.
És maluco pá!... Então agora ia cortar a minha mulher aos pedaços só para…
Quero lá saber que dê tesão! Prefiro ela inteira.
Sim…
Pois…
Bem, da maneira que contas as coisas…
Hum-hum…
Sim…
E depois aplicas o golpe? Ah, antes disso…
Está bem…
Vou pensar… mas duvido…
Não gosto de sangue…
Eh pá, mas isso é diferente!…
Eu depois digo-te se compro ou não.
Bem, mas eu estava a ligar-te por causa doutra coisa…
Não.
Ainda não tive tempo. Se calhar para a semana…
Pois, mas não era isso…
Ahahahah!
O que eu queria dizer…
Sim…
Sim…
E então?
Ahahahahah! É demais!
O quê? E ficou com os tomates à mostra?
Ahahahahah!
Esse gajo nunca bateu bem…
Grande cena! Eheheheh!
Sim…
Sim…
Está bem, está bem…
Olha, eu queria convidar-te a passares cá por casa um dia destes…
Tenho aqui umas fotos para te mostrar que encontrei na arrecadação…
Sim, da viagem que fizemos. Ainda não viste nada, pois não?
Tinha essa impressão…
Ainda.
Está.
Logo vês.
Não.
Ficou bem.
Tenho.
Tudo.
Essa é que não.
Não há milagres…
Pois é, pois é…
É fácil: viras à esquerda e dás logo com o quiosque…
O quiosque do monhé…
Qual? Então aquele gajo que levou nas trombas uma vez junto ao bar…
O monhé paneleiro...
Ah, sim?
Desculpa lá, pá, não sabia que agora era teu cunhado…
Eh, pá, ó Ernesto, juro que não sabia…
Já não falamos há tanto tempo…
Não foi nada de propósito…
Não quis ofender…
Mas por acaso monhé é insulto?…
Eh, pá, estás a passar-te, meu…
Eu nunca disse isso!
Então e quando nós…
O que é que se passou na feira há dez anos, afinal?
O que é que a minha mãe…
Hã?
Repete lá…
Não acredito!
Eh, pá, olha aí as bocas, pá!...
Eu respondia-te se não fosse teu amigo…
Pois sou!
Tem lá calma, eu só disse que a minha casa fica perto do quiosque do monhé…
Desculpa!
Está bem!
Pronto!
Mas tens a mania da perseguição?
O quê?
Enfia tu no teu, ó porco!
Ai agora vens com essa!…
Tu é que estás com problemas!
Sim, sei…
Fui eu, sim. E o que é que queres fazer agora?
Ela sempre foi mais vaca do que aquilo que parecia, caso não saibas…
Ai sim?
Podes dizer à vontade…
Tenho a tarde inteira…
Pois, pois…
Na cozinha? Estou a ver…
Fui eu e o Abadito…
Ahahahah, tenho pena!
Sim…
Sim…
Tem juízo…
Tu é que vais para o caralho!
Pois fico!
Merda para ti também.
Foda-se.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Bluff

Era para ser uma vida linda. Era para ser um trabalho que dava gosto. Era para ser uma pessoa muito solícita e simpática. Era para ter chegado em primeiro lugar. Era para nunca sentir fome de nada. Era para ser a mais espantosa descoberta do século. Era para ser uma namorada virgem. Era para ser barato e bom. Era para ser uma verdade absoluta. Era para ser pacífico e sem dor. Era para ser justo e equitativo. Era para ser a imagem duma geração. Era para ser maior. Era para ser melhor. Era para ser puro prazer. Puro gozo. Pura festa. Pura diversão. Puro êxtase. Pura tranquilidade. Mas é afinal um bluff.
Não há necessidade de me sentir defraudado. Eu sou a fraude.
Não tenho de acreditar em mais nada se acreditei nisto tudo até aqui.
Vamos a mais uma ronda?

quinta-feira, novembro 08, 2007

Desaparecidos

- Então a sua equipa de investigadores consegue localizar qualquer desaparecido.
- Qualquer um.
- Toda e qualquer pessoa.
- Pessoa, animal e vegetal.
- Vegetal?
- São os mais fáceis de detectar. Uma das curiosas características dum vegetal é a sua reduzidíssima mobilidade, o que facilita o trabalho dos nossos activos colaboradores. Outra característica de alguns vegetais é o facto de calharem mesmo bem numa salada. Também reagem muito bem ao vinagre. Mas isto agora não vem ao caso.
- Certo. E quantos vegetais já recuperaram, só para ter uma ideia?
- Bem, assim de repente e sem querer ser demasiado exaustivo, o alho francês do Sr. Carmildo, o molho de agriões da D. Paulina, o rabanete de estimação do Sr. Guilhermino e o Sr. Orestes, um perigoso tetraplégico desaparecido na Costa Vicentina.
- Como assim, “perigoso tetraplégico”? O que é que ele podia fazer?
- Oh, ele cuspia a longa distância e com grande precisão. Especialmente escarretas esverdeadas, as mais mortalmente nojentas. Quando o apanhámos, estava a fazer mira a um casal de turistas holandeses perto de Aljezur. Já tinha cuspido em cerca de vinte ou trinta transeuntes só numa semana. Também atropelava velhotes nas passadeiras com a sua cadeira-de-rodas motorizada. E insultava de uma forma horrenda e gratuita quem lhe fizesse frente. Não foi fácil, chegámos a ter um colaborador nosso com depressão quando tentava localizá-lo, mas finalmente conseguimos.
- E já recuperaram animais, também. Suponho que animais de companhia de luxo.
- Sim, como o São Bernardo do Sir Manfred Hurthington, o poodle da estrela de cinema Mimi Mama… e também o Dr. Tancredo Diapasão.
- O Dr. Tancredo Diapasão?
- Sim, o famoso neurocirurgião que saiu de casa para comprar tabaco e não foi visto durante meses. Ele é um terço camelo, um terço porco e um terço aparentemente humano. Poucas pessoas sabem disto. Também fomos nós que descobrimos. Apanhámo-lo num “peep show” dos Restauradores, em Lisboa.
- Certo, certo… mas aqueles casos mesmo mediáticos, que estão na crista da onda, vocês não resolveram nenhum, pois não?
- A nossa equipa de investigação é demasiado discreta para se envolver com mediatismos. Nós é mais madrugadas de Sábado na :2 e menos Jornal Nacional da TVI; mais S. Carlos e menos Pavilhão Atlântico; mais revistas subscritas por correio e menos 24 Horas…
- Uma elite, portanto.
- Estamos para além da elite, para além da superioridade viscôndica sportinguista, para além daquilo que é directamente palpável…
- Posso falar com os seus colaboradores?
- Só estou eu disponível, sou eu que dou a cara pelo projecto.
- Só você? Porquê?
- Bem… para dizer a verdade…
- Sim?
- Os meus colaboradores estão desaparecidos.
- Como?
- Eu sei, eu sei, parece parvo, mas incuti tácticas de dissimulação tão fortes neles que eles acabaram por desaparecer em busca de desaparecidos.
- Então…
- Sim, receio que tenham todos desaparecido. E quem os pode encontrar, eles que são a nata da investigação? O enorme Zé Latas foi à procura do brilhante Manel Frasco, que por sua vez estava a seguir a pista da nossa excelente Maria Aguarela, que foi vista por última vez atrás do nosso amigo e companheiro Rui Cão, que perseguia o nosso repentino Quim Martins, que andava a buscar o seu isqueiro no porta-luvas há semanas. Sobro apenas eu e a Ana Feldspato. Isto é , a Ana Feldspato também desapareceu ontem. Pelo menos hoje não veio trabalhar. Pode ter ficado em casa a tratar dos filhos, quem sabe. O mais certo é ter desaparecido como os outros.
- E agora? Parece que a sua empresa está a desmembrar-se…
- Agora é continuar a lutar e seguir em frente, há mais desaparecimentos para resolver. Há que dar o corpo às balas. Vender cara a derrota. Trabalhar desaparecimento a desaparecimento. Não colocar o pé em ramo verde. Adquirir experiência para regressarmos em força no futuro. Fazer os possíveis e os impossíveis para sair com resultados positivos. Pensar já no próximo desaparecimento. Limpar o pensamento e seguir em frente. Acreditar que é matematicamente possível dar a volta. Não chorar sobre o leite derramado. Se continuarmos a trabalhar assim, certamente que os desaparecidos aparecerão. Quer que continue com mais frases feitas?
- Não, deixe estar, acho que percebi o seu ponto.
- Ainda bem, só me lembrava de mais uma. E tinha a ver com o árbitro, não estava muito relacionado.
- Não acha estranho, o facto de profissionais da detecção desaparecerem sem deixar rasto?
- Não. Eles estão extremamente qualificados para desaparecer. O que me estranha é o facto de não reclamarem os vencimentos em atraso.
- Havia salários em atraso?
- Sim. Os fundos que lhes prometi…
- Sim?
- … desapareceram.
- Como assim?
- Foram-se. Eclipsaram-se. Foi um ar que lhes deu. Escapuliram-se. Era uma vez um saco de dinheiro… Ouça, eu podia continuar com sinónimos que enfatizassem esta situação, mas depois assemelhar-me-ia bastante ao sketch do “Papagaio Morto” dos Monty Python. Relembre-se que sou uma elite e que detesto vulgaridades e plágios baratos.
- E você sabe como o dinheiro desapareceu?
- Um mistério. Indecifrável. Apenas comparável ao da origem das espécies.
- Você não parece muito preocupado…
- É natural. Eu estou podre de rico.
- Não terá sido você a desviar os fundos para benefício pessoal?
- Alguém nos ouve?
- Nem por isso.
- Alguém nos lê?
- Só no blogue “Outra Louça”.
- OK, então estou à vontade: fui eu que gamei tudo. Mas apenas enquanto os meus colaboradores estavam embrenhados nas investigações… quando eles reparassem que lhes faltava algo, eu tencionava devolver-lhes o dinheiro… mas eles foram desaparecendo… e eu, pronto, fui aconchegando o dinheiro…
- Esta sua empresa parece-me uma grande fraude…
- É. Duma forma muito simplista, sem grandes explicações, parece mesmo uma fraude…
- E o que você vai fazer quando a bomba rebentar nas suas mãos?
- Aceitar as consequências com a dignidade intrínseca aos homens probos.
- A sério?
- Sim… e depois sou capaz de…
- Sim?
- Desaparecer. Afinal, domino a técnica…

sexta-feira, novembro 02, 2007

Astrólogos Reunidos

Não houve surpresas no I Congresso de Astrologia e Tarologia. Todos os presentes previram com exactidão o que iria acontecer – tendo sido esta, quiçá, a maior surpresa de todas. Inclusivamente, o Mestre Haddaway acertou na previsão em que iria falhar o jacto de urina na retrete, algo que, embora comum, aborreceu de sobremaneira a Madame Minneht – para além de lhe ter proporcionado uma incómoda sensação de humidade nas nádegas.
Como tal, os discursos e apresentações sucederam-se a um ritmo elevado, pois breves segundos bastavam para que toda a audiência percebesse o que se iria passar. Após alguns bocejos, o principal incidente a registar envolveu uma vidente júnior, que alegadamente se deixou hipnotizar por um mago sénior a meio da palestra “Bolas de Cristal num Mundo de Plástico”, aparentemente por ingenuidade ou apenas por curiosidade mórbida. Ela queixou-se que foi sodomizada numa estranha combinação do regente Mercúrio com Urano na sala das arrumações. Porém, o mago negou com veemência e recomendou uma safira para debelar o mau-olhado hemorroidal que parecia afectar a vidente, remetendo posteriores explicações para o seu mapa astrológico de 2008.
Assim, numa votação em que alguns declinaram participar, pois sabiam de antemão o resultado final, as principais deliberações foram:
1 – Reintroduzir Plutão como planeta a sério, pois dá jeito tê-lo como planeta de influência (Saturno não chega para tudo);
2 – Ênfase à formação em retórica linguística, de modo a aprimorar as técnicas de “generalização no vácuo”, isto é, escrever as previsões de uma forma tão vaga que qualquer pessoa, com pouco esforço, consegue identificar-se com o que está escrito;
3 – Equacionar a criação dum signo de substituição ao Virgem, dados os dissabores causados pelo seu nome junto do público masculino (entre as hipóteses, estão os signos de Heterossexual Assumido e Sem Confusões, Virgem Só de Signo Porque na Cama Sou Um Tipo Bué da Experimentado ou Virgem Só do Cu);
4 – Moção de apoio ao movimento “Júlia Pinheiro a taróloga”, que visa: a) retirar tempo de antena a Júlia Pinheiro na TVI, onde tem actuado “como um Eucalipto da inteligência humana” e b) juntar Júlia Pinheiro e Maya num programa de astrologia só para elas e possibilitar o trabalho digno e concentrado dos restantes astrólogos;
5 – Aprovação unânime da inutilidade destes Congressos e marcação de uma sardinhada para Junho como forma de reunião alternativa.