quarta-feira, janeiro 28, 2009

Serviço Púbico

O verdadeiro serviço púbico em Portugal é prestado pela RTP – Rita Tira Pintelhos.
E como se chegou a esta situação?
Rita tornou-se uma moça desempregada quando deflagrou a crise internacional. Ou quando se aperceberam que a Rita era só mais uma que passava os dias no Messenger e em intrigas cochichadas pelos corredores. Tanto faz. Adiante.
O que fazer? Começou a frequentar uns blogues de gente famosa, pondo-se em bicos de pés e escrevendo vezes sem conta na caixa de comentários “olhem para mim, tenho tanto jeito, arranjem-me um tacho, a mim, que tanto adoro o que vocês fazem e dizem e que tanto preciso de uma ocupação”. Claro que não por estas palavras. Mas a bajulação, o seguidismo, a falta de personalidade e a ilusão de protagonismo fácil estavam lá todas. Ela persistia nesta táctica, mas ninguém lhe ligava puto, porque todos andavam à procura do mesmo.
Até que lhe disseram, “Irra, mais valia estares quieto e coçares os co**ões!”.
Ora que boa ideia.
Porque é que as pessoas coçam os tomates? Se calhar, devido à frondosidade da selva púbica, que cresceu e se encravou sem qualquer espécie de ordenamento.
Logo aqui se abria uma janela de oportunidade: homens e mulheres pouco dados à depilação púbica, de alguma forma presos a uma estética que morreu nos anos oitenta, desterrados numa era marcada pela metrossexualidade.
E como Rita dominava todas as técnicas de depilação e tratava por tu todas aquelas ceras… abriu a RTP.
O marketing foi notável. Rita prometia um tratamento estético indolor e colocar as pessoas na moda. Em três tempos, homens e mulheres deixaram de se sentir incomodados na sua região genital – agora todos usavam roupa interior justinha à vontade. A palavra foi passando de boca em boca. Os urinóis e os chãos das casas de banho deixaram de apresentar vestígios de pêlos púbicos. Sucesso estrondoso. Rita fez-se empresária de sucesso, e nem precisou de subsídios nem de Novas Oportunidades. O segredo estava todo na pintelheira.
Ouçamos os depoimentos de alguma gente famosa que utilizou os serviços da RTP:

Isto sim, é serviço púbico digno da RTP! Ainda não me convenceram a rapar esta barba e ainda estou relativamente gordo, mas já sinto uma sensação de leveza muito agradável cá em baixo!” (Pacheco Pereira)

Parecia uma mulher das cavernas antes de conhecer a RTP. Agora pareço-me mais com o Tony Ramos.” (Maya)

Além de me ter depilado de uma forma perfeita, a RTP também me extraiu uma parte substancial do meu cérebro e ninguém deu por nada. Perfeito.” (José Castelo Branco)

(A Betty preferiu não falar para não lhe cair o maxilar)

Fomos roubados! Até aos co**ões!” (Luís Filipe Vieira)

Quanto às acusações de que o BPP é alvo, refuto-as liminarmente; quanto à exemplaridade da minha depilação púbica, confirmo.” (João Rendeiro)

A RTP prestou-me um ganda serviço púbico. E sempre em pretoguês, ‘tás a ver, man? Iá, props pró people, 'tá-se bem.” (Samuel, o Miúdo)

Sim, a RTP rapou-me todo. Mesmo os sovacos. Custou-me um bocadinho, mas até sou bonitinho, bem vistas as coisas. O Máximo tinha razão.” (Barbas)

RTP? Isso é passado. Eu agora sou mais pelas sessões contínuas de telenovelas e coisas do género… Ah!, RTP, a depiladora? Sim, sim, claro, muito boa. Vai ser grande, a miúda. A gente há-de arranjar-lhe algo para o horário nobre.” (José Eduardo Moniz)

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Quem Eu Realmente Odeio

A propósito desta salutar iniciativa do site MaisFutebol, tenho a dizer o seguinte:

1 – Detesto o Momha (V. Guimarães)!
2 – Odeio o Chico Silva (P. Ferreira)!
3 – Embirro com o Leandro Carrijo (V. Setúbal)!
4 – Já fui mais com a cara do Chidi (Rio Ave)!
5 – O Baba (Marítimo) dá-me comichões!
6 – Todo o banco de suplentes da Naval é patético!
7 – Não é que me faça alguma espécie, mas o Elvis (Leixões) deve ser alguém completamente insuportável.

Contem comigo sempre que for chamado a pronunciar-me negativamente sobre alguém. Eu sou especialmente bom na arte do bota-abaixo gratuito e irracional.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

A Escola Não É Para Mim II

(continuação do post anterior, que, paradoxalmente aparece a seguir a este, seguindo a lógica bloguística do “passado-não-interessa-só-o-presente-é-que-está-no-topo”)

O professor permanece grogue, fazendo os possíveis para estabilizar-se de pé. Policarpo está naturalmente agitado por lhe faltar a droga, furioso pelas suas vontades não terem sido imediatamente saciadas. Vai daí, começa a partir os vidros da janela da sala de aula, atirando cadeiras. Necessitava de largar as suas tensões acumuladas enquanto os pais não vinham.
Felizmente para o material escolar, os pais de Policarpo surgem com brevidade. O pai é um zombie. A mãe é uma vampira. Literalmente, um zombie e uma vampira.
Como seria de esperar, a mãe é que toma a iniciativa – o pai tem pouca habilidade para falar, move-se vagarosamente e tem um olhar perdido semelhante ao de Evaristo. Arlete assusta-se com os encarregados de educação de Policarpo e guincha desalmada.
- Eu v-vou… Eu vou para o recreio! Tchau! – e foge, cheia de medo e nervosa, pela porta fora, feito uma louca. Não mais regressou.
A vampira pergunta a Policarpo os motivos daquela chamada de urgência.
- ‘Tás a ver aquele ca****o cheio de sangue? Fui eu que lhe arreei porrada por se armar em esperto! E, feito estúpido, mentiu-me de seguida! Nem estou em mim!
A vampira fica muito espantada, os seus olhos com elevado grau de transparência arregalam-se e os caninos proeminentes quase quebram de tanta estupefacção:
- Que horror! Ando eu a confiar a educação do meu filhinho a estes monstros mentirosos! E que mentira é que ele te contou?
- Disse-me que não tinha trocos para me ajudar a comprar um bolo, que ando cheio de fome e os meus pais andam com dificuldades… mas fui ver e o gajo tinha 10 euros. 10 euros, mãe! Isto não se faz!
- Ooooh! Isto que o Policarpo disse é verdade, sr. professor?
O professor explica, muito combalido:
- Eu só… só disse que ia ensinar um tempo verbal…
- Qual?
- O… o condicional…
- Quer dar-me um exemplo?
- S-sim… verbo matar: eu mataria, tu matarias, ele mataria…
- E já deram o futuro do indicativo?
- Sim… d-démos… é… eu matarei, tu matarás, ele matará…
- … ou “ela matará”, não? Também pode ser, não pode, seu professor desencaminhador de crianças, mas com um pescocinho bonito?
O professor estava demasiado aturdido, mas finalmente compreendeu o insólito da situação.
- Você… V-v-você é um vampiro? Oooh… eu não estou bem…
A vampira não calou a sua indignação.
- Até me custa a crer, um professor com um aspecto tão suculento… hmmm… tãããão suculento… – e, dito isto, agarra-se ao pescoço do professor e espeta-lhe uma dentada profunda, sugando o seu delicioso sangue A-RH+. O professor grita de dor, sentindo-se a esvair em sangue – a partir de agora, seria também um professor vampiro.
- Aaaaai!!!! Por favor… piedade!
- Hmmm… tão bom, que sanguinho tão apetitoso… fazia uma cabidela de trás da orelha com este professor… – nota a vampira, lambendo os seus lábios com lascívia. Mas logo volta à carga – Bom, mas isso não desculpa o que fez ao meu filhinho, isso não pode ser.
- É isso, mãe! Esse gajo precisa de ser fo***o a sério! É dar cabo dele! – apoia Policarpo.
- Pois é isso que vai acontecer! – sentencia a vampira – Assim damos uma lição a este desgraçado e aos outros que encaminharem mal os nossos filhos! Andamos nós a fazer o nosso melhor em casa, a suportarmos sacrifícios de toda a espécie… e é na escola que eles aprendem tudo o que é mau! Francamente! Bruce, – diz para o seu esposo zombie – arranca-lhe as entranhas para depois as levarmos para o gabinete da Directora desta escola, que é para ela ter um sinal da nossa insatisfação. Melhor, vamos levar as miudezas deste triste professor para o Ministério!
- Aaaargh… Comer? Uh-uh! – balbucia o papá zombie.
- Sim, querido vai lá tratar do professor, tens ali papinha da boa.
- Papa… papa… duuuuh… nham, nham! – eis que o zombie se arrasta de braços estendidos, aos balanços, em direcção ao professor, ainda agarrado ao pescoço que esguicha sangue para cima das secretárias, tornando o ambiente o mais propício para o filme de terror que se desenrola. O seu próprio terror.
- N-não… não… NÃÂÂÂÂÂO!!!! AAAAAAH!!! AAAAAH!!! A minha pélvis!!! NÃÂÂÂÔ!!!! AAAAAAAAH!!!!
O pai zombie ataca o professor arranhando-lhe a face, dilacerando-lhe o tórax, trincando-lhe o abdómen, escarafunchando-lhe os membros e sugando-lhe as profundezas, chupando-lhe os ossinhos sem esquecer a bílis e os órgãos de que ninguém se lembra. Um espectáculo de sangue e dor, uma operação brutal sem recurso a anestesia, um massacre selvático de contornos ultra-cruéis. Policarpo não sente misericórdia pelo professor: apraz-lhe o cenário de carnificina, que lhe lembra o “Resident Evil”, no qual é perito.
- Vai-lhe aos cornos, pai! F**e o gajo!
Quando finalmente saltam os intestinos do professor, a vampira dá as ordens finais.
- Pronto, já chega Bruce; senão logo não tens fome para o jantar. Deixa-me só recolher aqui um bocadinho deste sangue docinho… já está. Pega nessas vísceras e vamos ao nosso protesto, Bruce.
- Ahm-ahm… grunf…
- Não, Bruce, não vamos levar o cadáver… já lá temos muitos que cheguem! Este fica para as contínuas limparem, que elas precisam de trabalhar. E tu filho, o que vais fazer agora?
- Sei lá… já não tenho professor… acho que já se acabaram as aulas. Vou descarregar as minhas frustrações adolescentes no crime.
- Vê lá, filho, não te aleijes.
- ‘Tá descansada, mãe. Eu cá me arranjo.
Dão dois beijinhos e cada um segue a sua vida.

Evaristo ficou por lá até o virem buscar. Quem o veio buscar estranhou que houvesse mais sangue que o normal na sala de aula, mas deixaram Evaristo na mesma escola até ao final do ano lectivo. O argumento era que Evaristo até se andava a safar nos estudos.
No final do ano, Evaristo transitou com nota máxima.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

A Escola Não É Para Mim I

Sala de aula.
Estão presentes dois alunos de uma turma originalmente constituída por mais de uma dúzia.
A maioria opta, compreensivelmente, por não frequentar as aulas: ainda não chegou ao fim do novo jogo para a Playstation e jogar naquela sala desprovida de posters de artistas gay nas paredes e sem colunas de som ligadas no máximo é, no mínimo, chato, para não dizer cruel.
Chega a ser penoso, porque é necessário suportar todo aquele frio e apoiar o fundo das costas naquelas cadeiras desconfortáveis. Onde se está bem é em casa; aí, sempre se vão mandando mensagens SMS, MMS, MSN, SSS, TMN, GMT, TripleX e outras que tais com maior tranquilidade.

Um desses alunos parece estar adormecido, mas também pode estar extremamente drogado. Ou mesmo em estado comatoso, dada a baba que escorre pelo canto da boca. Já ninguém ouve a voz dele desde o 3º dia de aulas, mas, apesar de tudo, é o melhor aluno da turma à conta da sua estranha e passiva assiduidade. É o Evaristo.

A outra aluna está preocupada com a sua ovulação e masca compulsivamente uma pastilha elástica, dada a falta das unhas que já não tem. É hiperactiva e mexe-se muito: na cadeira, no cabelo, no telemóvel, no clitóris; enfim, o respectivo encarregado de educação prometeu que, a partir de terça-feira, ela passaria a vir às aulas vestida com uma camisa-de-forças – para evitar que ela tenha mais orgasmos sonoros que perturbem o decorrer das lições e que irritem os cães das redondezas. É a Arlete.

Um terceiro aluno chega cerca de meia-hora depois da aula de 45 minutos ter iniciado. Não parece muito bem-disposto, pela forma pouco simpática com que empurrou a cabeça do Evaristo contra o tampo da mesa e pontapeou umas quantas cadeiras que nem sequer estavam perto do lugar onde se sentou, lá no fim da sala, mesmo com vários lugares disponíveis mais à frente. Acendeu um cigarro com a ponta do cigarro que vinha a fumar e arremessou com imensa pontaria essa ponta para dentro do estojo da Arlete, que estava a mastigar uma borracha e até se engasgou. Felizmente, a cerveja que estava dentro do estojo apagou imediatamente a beata. Este aluno é o Policarpo.

O professor faz a introdução de um novo tema.
- Neste tempo que resta da aula, vamos aprender um novo tempo verbal.
Policarpo sente-se injustiçado e reclama.
- Aprender? Mas que m***a é esta? Então e os bonecos de plasticina?
- Policarpo, penso que aos 15 anos, e mesmo considerando que estamos na 3ª classe, esse tipo de material já não constitui a pedagogia mais adequada para ti.
- Ca****o mais à pedofilia!
- Pedagogia, eu referi-me à pedagogia – corrige o professor, com muita calma.
Policarpo, um pequeno facínora eufemisticamente descrito na imprensa como “um jovem com problemas sócio-económicos, de sangue na guelra e com uma imaginação muito fértil”, não aguenta o desaforo.
- F***-se mais essa m***a, ó car***o! Estou-me a passar contigo, ó c***ão! Cala-te mas é!
- Pronto, Policarpo, pronto… Podes então fazer uns desenhos com lápis de cera, está bem?
- Bah! Lápis de cera… Vou mas é fazer uma ganza! Tens filtros, meu?
- Filtros?
- Sim, uma beca de cartão… caga nisso. Ó vaca – dirigindo-se a Arlete – orienta aí o teu cartão de eleitor para fazer um filtro.
Arlete fica atarantada.
- Cartão de eleitor? Cartão de eleitor? Meu, acho que já o usaste todo… Não tenho filtros, pá, não tenho filtros – entretanto, toca o seu telemóvel.
Policarpo desconfia.
- Bem, ó c**a de sabão, se é aquele m***as do Bairro dos Alguidares a mandar-te mensagens outra vez, tens de te haver comigo!
- Não é, Poli, não é! É o meu irmão, juro-te que é o meu irmão!
- Ai o ca****o, o teu irmão está na choldra, por que raio é que te está a mandar mensagens? Não me f**as, ‘tás a ouvir? Vou-te aos cornos se tiver que ser!
- Não era esse, era o meu outro irmão, Poli. Tem calma, tem calma, não me faças mal!
- Se me estás a mentir e andas a fazer br***es aos gajos do Bairro eu juro que mando o teu puto pelo cano de esgoto, ‘tás a ouvir? Tal como fiz com o teu outro filho!
O professor intervém.
- Policarpo, esse não é o modo correcto de tratar uma colega, que ainda por cima é mãe solteira. Porta-te bem.

Aquele pedido de contenção faz saltar a tampa de Policarpo, que até aí tinha estado bem mais moderado do que era usual.
- C’um ca****o! Vou f***r a tua cara toda, meu c***ão! Que é para aprenderes a não te meteres comigo!
Policarpo avança destemido em direcção ao professor, arregaçando as mangas e colocando o capuz do seu casaco na cabeça. Este é o sinal indicativo do início do ataque, bem reconhecido pelo professor. O professor fica assustado, paralisado, tremendo de pavor.
- N-n-não, Poli! Por favor!...
- Que é que me chamastes? Poli? Mas quem é que te deu essas confianças, ca****o?!
Palavras não eram ditas, dispara um violento pontapé que acerta em cheio no abdómen do professor. Este, instintivamente, dobra-se para a frente e, ajoelhado no chão, pedindo perdão, “Desculpa, Policarpo, desculpa!”, é vítima de mais umas duas joelhadas na testa. Já deitado completamente no chão e com um golpe no sobrolho, é avisado por Policarpo, que lhe agarra nos colarinhos e o puxa para si.
- Estás a ver, ca****o? Para a próxima nem sequer te aviso… és corrido logo à naifada, tal como o gajo que veio antes de ti. Já agora, arranja-me uns trocos!
O professor, combalido, sangrando, parece negar esta última pretensão.
- Aiii… não tenho nada, Policarpo, não tenho nada… só tenho uns quantos cêntimos na carteira, que hoje fui pagar a renda da casa… Por favor…
- Ai o ca****o!... Tudo o que tiveres na carteira é meu! E se tiveres mais do que dizes, estás fo***o comigo!
Policarpo saca a carteira do professor, deixando tombá-lo desamparado no chão. Efectivamente, o porta-moedas apenas contém duas moedas, que Policarpo julga perfazerem 40 cêntimos – embora, na verdade, sejam 60, mas Policarpo ainda só sabe contar até 20.
Todavia, debaixo da fotografia dos filhos do professor, Policarpo descobre uma nota de 10 euros enrolada.
- F***-se, és mesmo um mentiroso do ca****o! Estes já cá cantam – rosna Policarpo, enquanto guarda a nota no bolso do lado menos rasgado das suas largas calças de ganga.
Com mais dinheiro para comprar barras de haxixe, nem por isso Policarpo fica muito satisfeito: ele não gostou que o professor lhe tivesse prestado uma informação falsa. E retalia como consequência.
- Isto assim não pode ser, ca****o! Que me**a é esta, um prof a mentir aos alunos? Mas quem é que tu pensas que és, ca****o?! Vou mas é chamar os meus pais, já vais ver como elas te doem!
Ainda o professor tentava levantar-se para, pelo menos, tentar recompor-se e tratar do seu ferimento e já Policarpo ligava para os pais. Dorido e apoiado na sua secretária completamente graffittada e lascada, o professor ouve uns sons esbaforidos do outro lado do telemóvel. Policarpo termina a chamada e assegura o professor.
- Eles já vêm aí. Isto não pode ficar assim. Vais aprender a respeitar os alunos, ‘tás a ouvir?
Olhando com raiva para o professor que tenta estancar a sua hemorragia, Policarpo aplica mais um soco no tutor, fazendo-o tombar de rabo no chão.
- Aguenta-te aí, ó porco!
O professor lamenta-se, olhos humedecidos pela dor, não apresentando resistência – senão as coisas poderiam ser piores. Por exemplo, ainda podia ir preso por levantar um dedo a um aluno, que, como se sabe, é uma heresia pior do que queimar um exemplar do Corão, com uma mulher nua ao lado, perante uma horda de muçulmanos em Meca e em pleno Ramadão.

Arlete não deu muita importância a este desaguisado, entretida que estava a mandar mensagens via telemóvel com uma mão e a pintar as paredes com spray com outra. Ainda deu uma risada com este último soco, mas não se notou muito, porque se Arlete se rir muito o piercing que ela tem no lábio rasga-lhe a boca toca.
Evaristo ainda estava sentado, com cabeça voltada para baixo em cima da mesa, boiando numa piscina de baba. Certamente que não deu por nada.

(continua)

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Faz o Download da Tua Amizade

Fixe, fixe, é enviarmos mensagens de amizade, com coisas a piscar e cãezinhos a lamber monitores, a todos os contactos da nossa lista, pelo menos uma vez por mês. A plataforma não interessa, pode ser mail, telemóvel ou site na Internet. Pode ser-se fixe de qualquer forma.

Sempre ficam a saber que (ainda) existimos e que somos pessoas extremamente chatas, carentes de atenção e sem sentido de originalidade – porque, na maior parte das vezes, apenas fazemos o forward da mensagem que nos foi enviada por outro semelhante, que por sua vez pescou a mensagem numa central qualquer de “mensagens fixes”.
Às vezes, nem sequer apagamos o “Fw:”. Quase que fazemos de propósito para que percebam que a mensagem não é nossa, como que denotando medo que algo escrito por nós possa ofender a sensibilidade do receptor. Todavia, interessa é deixar claro que a mensagem tem subjacente um sentido positivo, engraçado, porventura até didáctico. Super-baril.

Isto é quase como a história do dinheiro a circular: quanto mais circula, mais riqueza espalha no seu caminho. Assim são as mensagens: pega-se numa “mensagem fixe”, os forwards multiplicam-se exponencialmente e com isso cresce a “fixeza” da mensagem.
Uma mensagem que nos chega igual por intermédio de pessoas diferentes só pode ser uma mensagem altamente fixe. E será tanto mais fixe quanto mais espaçada no tempo for a recepção dessa mensagem: significa que uma atravessou o mundo pelo leste e outra pelo oeste até chegar a nós.

Enchemos os outros com estas mensagens fixes, complemente despersonalizadas, prolongando a ilusão que é muito fácil contentar alguém: “se eu enviar-lhe esta mensagem, ele/ela irá pensar que eu não lhe esqueci, que conto com ele/ela quando precisar dele/dela a sério no futuro; até poderá servir como introdução para uma conversa que nem sei como iniciar”.

Mas o que acontece é estar a revelar que sou preguiçoso demais para actualizar as listas de contactos. Que nem sequer me importo. Que houve alguém que teve o trabalho de pensar em algo por mim. É chapa-5, a torto e a direito. Tomem lá. Não quero nada só para mim. O que me mandaram eu mando para vocês; vocês que me disponibilizaram o vosso contacto algures no tempo e que nem me estou a lembrar na realidade quem são.

Estas palavras formatadas por alguém, recalcadas e de conveniência, podem soar muito bem, mas o gesto de enviá-las às carradas acaba por ser feio, se nunca acompanhado por outros gestos que demonstrem a veracidade dessas palavras.
Como é bom de ver, este gesto revela uma moleza confrangedora, um desinteresse que seria dispensável declarar. Por muito fixe que se queira ser ou parecer.

Creio que a palavra-chave é “parecer”. Mais do que querer ser, o que normalmente custa e dá trabalho, estamos na fase de querermos “parecer”. Parece suficiente e é geralmente muito mais fácil. É só fazer “click”.

Costuma ser esta a forma que arranjamos para agradar de forma instantânea na era dos instantâneos. Contacto pessoal? A menos que possa haver dinheiro ou sexo em jogo, já não é deste tempo.

Hoje pensa-se que a amizade compra-se, ou downloada-se, ilegalmente ou não, em qualquer site.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Um Número, Sem Nome

O que é que vem a seguir?
Vão dizer-me que estou despedido?
Eu já estou morto há algum tempo, mas se calhar só agora é que comecei a cheirar mal junto dos laptops deles.
Vão dizer-me que estou impossível de aturar?
É provável que sim. Depois de os ter aturado durante anos, cansei-me de me auto-reprimir.
Vão dizer-me que falhei?
Não esperava outra coisa.
Vão dizer-me que devo tentar mais e melhor?
Vão pensar que me conseguem motivar com lugares comuns?
Vão pensar que palavras bonitas farão o mundo girar?
“Proactivamente” para vocês também.
Detesto o vosso marketing, branding, labelling, cherry-picking, motherfucking, etc..
O politicamente correcto oprimiu-me irremediavelmente durante este tempo todo.
Agora não tenho personalidade.
Sou uma estatística que pode ou não ser mostrada, depende da finalidade.
Sinto-me um tetra-pak espalmado à espera da reciclagem que pode nunca chegar.
Já não importa muito o que vem a seguir.
Nem o que veio antes.
O segredo está em alienarmo-nos com estilo.
Se nos alienarmos com estilo vão pensar que nós estamos bem.
E nós próprios acabamos por acreditar.

terça-feira, janeiro 06, 2009

A Beleza Está Nos Olhos De Quem A Paga

Sandra, Solange e Soraia, três meninas de vinte e tal anos, bem constituídas, estão deitadas numa cama bem grande e pejada de peluches, almofadas e parafernália alusiva à Hello Kitty.

Convém advertir que nenhuma delas é lésbica, porque esta Solange fez um “upgrade” e é G (de “ponto G”) e não F (de “fufa”), como a mais célebre Solange do Mundo. Informa-se igualmente que a Soraia não é de Chaves e a Sandra não é nenhuma estrela pop mamalhuda contemporânea da Sabrina ou da Samantha Fox.


Pois bem. As três estão envolvidas numa discussão existencial sobre as vicissitudes da mulher moderna em pleno século XXI.
- Fui à manicura. Um roubo! – lamenta-se Sandra.
- Ai, mas nada se compara ao cabeleireiro – corrobora Solange – Já não dá para ir ao cabeleireiro com a mesma frequência de antes. Só ganhando o Euromilhões!
- Os preços são altíssimos, minha cara! Só para arranjar estas unhas foi o que foi. Já não volto lá até, no mínimo, 4ª feira! À pedicura já não vou… olha, nem me lembro! Certamente que já foi há mais de 2 semanas! Nem devia estar a dizer isto, mas estou um horror!
- Ai querida, eu acho que também estou. Mas com estes preços… os cabeleireiros é que a sabem toda! Sabem que são imprescindíveis e depois sobem os preços desta maneira indecente!
Soraia, que estava a brincar com os bigodes de um boneco da Kitty, intervém.
- O paxaxista não está assim tão caro…
Sandra e Soraia entreolham-se de espanto.
- Paxaxista? – interrogam-se em uníssono – O que é isso?
- Bem, é o tipo que nos arranja a paxaxa – explica Soraia, com calma.
- A paxaxa?!? A… paxaxa?
- Sim, o grelo.
- Aiiiiiiiiiiii, que horror, Soraia! Que brejeira! Que nojenta! – exclamam, agoniadas, Sandra e Solange.
- Então, qual é o mal? Paguei para me arranjarem a passarinha.
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiii!, onde aprendeste esses modos, Soraia?!? Isso não se diz!!! – indigna-se Sandra até quase ao ponto do desfalecimento – Que horror!! Que modos!!
- Tu… tu foste fazer o teu pipi? Como assim?! – pergunta Solange que, embora ainda enojada, parecia um pouco mais curiosa.
- Então, não se arranja o cabelo e as unhas? Eu arranjei a paxaxa. É o seguimento natural. Um desbaste de pêlos ali, um repuxamento dos lábios acolá, um envernizamento do clitóris aqui… e fiquei com uma paxaxa totalmente renovada. Não foi muito caro.
- Com mil dildos! Onde é que arranjaste esse… esse…
- Paxaxista. Paxaxista é o nome.
- … esse… “fascista”? Ele só trabalha com a genitália? – tenta saber Solange, intrigada. Sandra, entretanto, abre a boca estarrecida, incapaz de emitir algum som (e facilitando assim a escrita do diálogo).
- Só com paxaxas. Nada de pilas.
- Ooooh!...
- Para isso existe o caralheiro.
- O… cara… eiro?!?!
- Sim, logo ao lado. São dois irmãos. Estão logo ali a fazer esquina com a florista. Mas aviso que o caralheiro é mais caro que o paxaxista.
- Porquê? – pergunta Solange, uma máquina de curiosidade. Sandra continuava catatónica.
- O caralheiro trabalha com músculos rijos, o paxaxista pode trabalhar em profundidade em tecidos mais maleáveis. Arranjar uma pila não tem muito que se lhe diga, aquilo resolve-se com próteses e extensões… que são mais caras. Já a paxaxa tem todo um campo aberto por onde se pode trabalhar – elucida Soraia, à vontade no tema.
- E o teu pipi… como está?
- Já te disse: óptimo. Tenho uma paxaxa de meter inveja a qualquer um ou uma. Queres ver?
Pura retórica. Solange não disse nada, mas Soraia foi lesta a desapertar as calças, baixar as cuecas e revelar o seu deslumbrante baixo-ventre.
Era de facto uma paxaxa adorável, muito queriducha. Pêlos púbicos estrategicamente aparados com uma precisão quase tão afinada quanto a dos japoneses com os seus bonsais, deixando a zona não muito frondosa, nem muito deserta, desenhando uma forma semelhante a um triângulo isósceles invertido, com os lábios vaginais muito rosáceos, suculentos como um bivalve, a sobressaírem na região mais meridional e um clitóris brilhante, saliente, quase ofuscante na sua altivez. Um trabalho de mestre. Solange rendeu-se.
- Mas que belo pipi é o teu, Soraia! Parabéns! Se eu fosse F e não G estaria apaixonada.
- Obrigada! És uma querida! Ainda pensei em comprar uns tampões perfumados para cortar o cheiro do período, mas desisti. Acho que é demasiado supérfluo.
- Eu detesto tudo o que é fútil.
- Ai, eu também. Só perco tempo com coisas essenciais.
Sandra despertou levemente do seu torpor.
- E o teu namorado? O que pensa disso?
- Beeeeeeem… - sorri, maliciosa, Soraia – fomos os dois aos nossos respectivos esteticistas: eu ao paxaxista e ele ao caralheiro; ele foi colocar uma extensão pélvica que, minhas amigas: custou os olhos da cara, mas acrescentou-lhe 3 preciosos centímetros que dão um gooooooooooooozo…
- Oooooh!...
- Ele estava divinal. E adorou a minha paxaxa. Fizemos amor durante horas a fio e fomos ao Céu…
- Oooooh!...
- … ao Céu dos Tachos, que é o restaurante lá da minha zona, para comemorar os nossos novos looks. Recomendo.
Solange não se conteve.
- Leva-me já ao teu paxaxista! Quero que ele trate dos meus pêlos encravados na virilha! E quero que o Saraiva me deseje como nunca!
- Vamos lá, minha amiga. E o teu Saraiva, não tem uns milhares de euros para gastar no caralheiro?
- Ele não precisa, ele já é bem prendado. Se bem que podia ter mais consistência nos tomates, eles estão um pouco flácidos…
- Trá-lo contigo, Solange. Uma injecção de cimentina nos tomates dele vai fazer-lhe milagres… parece que vai rejuvenescer uns 10 anos! Ele que faça esse sacrifício.
- Então passamos por casa antes de irmos. Vamos lá?
- Vamos!
Solange alertou a distraída Soraia.
- Vais para a rua com as calças em baixo, Soraia?
- Ah, que cabeça a minha! Ando tão contente com o visual da minha paxaxa que me distraio facilmente! No outro dia, foi o revisor no comboio que me avisou para esse facto, já eu ia quase em Rio de Mouro. Eu bem que estava a sentir um friozinho, mas…
Soraia acompanhou Solange, que se mostrava deveras excitada, inebriada pelo chamamento do salão de beleza. A hipótese de fazer furor estava ali à mão de semear e não havia nada que se pudesse intrometer naquele momento. Como se fosse a abertura de uma loja em saldos, nada a podia parar. Sandra apenas teve tempo para gritar, passados alguns minutos:
- Porcas!