quarta-feira, junho 23, 2010

A Mão de Sebastião

A vida sexual de Sebastião corre sobre rodas. Vai tudo bem. Ir tudo bem é tão bom quanto impressionante nestes dias. E tudo o que era preciso estava afinal bem perto – era apenas ele mesmo.
Não era narcisismo. Era somente a sua mão predilecta. Pois é, a sua mão de estimação. A mesma com que ele agarra a tesoura, a caneta e a raquete. Fiel e dedicada. Ele e a sua mão nunca se chateiam. A mão de Sebastião não é esquisita. Não está cá com “agora não” e “vai com calma” e coisas do género. Pelo contrário, a mão de Sebastião é a que o instiga a desafiar os seus limites hormonais. E contenta-se com pouco, basta uma memória difusa de um decote ou uma mulher semi-nua num outdoor publicitário. A mão não quer perfumes nem roupas, quer acção. Quer aquilo que Sebastião quer e ainda mais. É a mão, essa aparentemente inofensiva mas secretamente pérfida construção de pele e dedos, que sussurra internamente ao Sebastião, “viste aquela gaja, viste?” e o desafia sem pudor “’bora ali à casa-de-banho fazer o que temos a fazer”.
E Sebastião, que remédio, vai. Fazer amor a três com a sua mão e o seu cérebro fotógrafo no conforto de um lavabo público de um centro comercial. Uma orgia singela mas poderosamente intensa. Sebastião deixa-se levar, deixa-se dominar pelos seus sentidos, torna-se num animal apenas focado num único objectivo: o prazer instantâneo. O cérebro espalha a gasolina e a mão ateia o fogo. Em dois minutos está tudo feito, os azulejos salpicados de um branco pegajoso e um alívio interior. Durante momentos sente-se o orgasmo a bater como uma droga aditiva. É mesmo uma droga aditiva. O ritual será repetido aqui ou noutro lugar, não tardará muito.
Não há corações partidos no mundo de Sebastião. Ele já os reprimiu do seu mundo. Eles só faziam bem aos psicólogos e psiquiatras e tornavam-lhe num ser depressivo e auto-destrutivo. Não, corações partidos é que não. Não valia a pena lutar se o custo da perda fosse muito elevado. Era mais seguro jogar pelo retorno certo. E então Sebastião largou o mundo real e apostou no seu próprio mundo, aquele que nunca o desiludia. Os seus olhos olhavam para o espelho e gostavam do que viam. A sua língua apreciava o que Sebastião saboreava. O nariz tinha o mesmo gosto olfactivo que Sebastião. Enfim, só Sebastião podia compreender Sebastião – e ele ficou feliz por perceber esta evidência a tempo.
Então, Sebastião devotou toda a sua pré-adolescência, adolescência, pós-adolescência e fase-aparentemente-madura-mas-apenas-e-só-de-aspecto a cuidar de si para si. Por si. Limitado a um espaço físico e mental que apenas o abrangia, recolhendo imagens exteriores para se excitar, consubstanciando a sua excitação e fechando o círculo, em exercícios constantes e estimulantes de auto-aprendizagem. E tudo com o auxílio da sua impagável mão. Não achava que este estilo de vida fosse humilhante; humilhante era andar aos caídos, suplicando pela mulher divina que nos presenteasse com aquilo que só nós sabemos como gostamos, sem nunca a encontrar. Ou, tão mau quanto isso, observar a sua imagem de divindade cair por terra quando finalmente encontramos essa mulher, com gestos ou palavras que nós nunca sonhámos. É que por vezes o cérebro vai com o coração e trai-nos. Mas quando o cérebro vai com a mão, a satisfação está garantida. Sem mais delongas, sem mais explicações. A mão dá-lhe o que ele precisa e isso já é muito bom. É mesmo muito bom.
É a mão dele que agita freneticamente o seu sexo uma, duas, três, quatro, cinco, mais vezes por dia, louca de desejo, sempre pronta a acariciar, a apertar e a limpar os restos, nunca dando parte de fraca. Nenhum reumatismo, nenhuma artrite. Sempre para cima e para baixo, marcando o ritmo, açambarcando a batuta, coisa jamais vista.
Sebastião vive feliz, colhendo os onanismos por ele próprio semeados. Ele sabe que a sua mão sabe melhor o que ele quer que qualquer outra mulher. Só a sua mão tem aquele jeitinho especial de agarrar, de satisfazer, de manipular. Enfim, é uma mão; manipular é a sua especialidade. Mas nenhuma outra mão, nem a sua outra mão, conseguem exprimir assim tão bem semelhantes qualidades. “Esta mão caiu-me do céu”, agradece Sebastião.
Sebastião sem a sua mão não sobreviveria. Teria de ser reformatado. Mas isso dói. Custa reiniciar. “Deixa-te desses pensamentos, lembras-te da tua professora de matemática, aquela que tinha um grande par de mamas e andava sempre de saia curta? Queres relembrar-te dela, como ela estaria agora, hã? Queres, queres?”. Era a sua mão. Vai-te a ela, Sebastião.

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