terça-feira, outubro 14, 2008

Assediem-me, Por Favor

Natércia não é um nome fictício. Apenas a sua beleza o é, segundo os parâmetros normalizados desta sociedade que vê a bimba da Floribella e os seus dois chumaços peitorais como algo extremamente voluptuoso. A sua para-actividade é tentar despertar as atenções dos seus colegas masculinos no local de trabalho. Para quê? Apenas para dar dinheiro às lojas de roupa e aos catálogos de produtos de beleza. Pois os resultados práticos, até ver, deram em nada. Pronto, ficou com um torcicolo de tanto olhar para o Abel do 5º piso. E o Abel reparou mais no computador de Natércia do que nela própria, mais fascinado pelas memórias RAM do que pelas suas pernas deliberadamente ao léu.
O emprego consome toda a sua vida própria. Acorda cedo para chegar lá, almoça por lá, ceia por lá, quase só lhe falta dormir por lá e já houve quem desse à luz por lá. Não há tempo nem espaço para a socialização fora do emprego. E se não se arranjou com um homem enquanto ainda não era refém do seu próprio trabalho, não era agora, na pele de uma trintona submissa ao patronato, que Natércia podia arranjar. Tinha de conseguir alguém que vivesse naquele habitat.
E aquele habitat possuía condições muito duras, semelhantes ao mais inóspito deserto. Uma parte já tinha família constituída; outros apenas se dedicavam de corpo e alma à empresa, fazendo amor com ela em cada serão e fim-de-semana passado pelo open-space. Todos pareciam razoavelmente felizes com os seus respectivos pares. Tensões sexuais nunca pareceram existir. Enfim, uma aparente cambada de assexuados.
Depois apareciam as grávidas. Os filhos. As namoradas. Afinal aquela gente até faz amor. Tem sexo. Manda umas trancadas. Sabe dar uso à genitália. Gosta de apalpar. Aprecia vestuários ousados. Tem fantasias. Adora ver o sexo dos outros. São mesmo uns grandes voyeurs, discretos como se quer. Ninguém suspeitava, mas o chefe teve de ter um impulso sexual qualquer para ter tido o filho que é a cara dele. E se a sub-directora fala em roupa para bebé é porque houve rebaldaria lá pelo quarto dela, numa altura qualquer.
O desejo de Natércia, para além de manter um bom currículo, é o de adicionar algum sal à sua vida, presentear o seu sexo com as coisas boas que ela apenas supõe que ele pode dar e receber, aquilo que ela tanto vê nas novelas e nas revistas. Natércia quer ser assediada. De uma forma qualquer, tanto faz. “Bolas!, reparem em mim!”, diz ela em surdina com a sua blusa bem desabotoada. Quer que a usem num jogo sexual. Quer ser proposta de alguma forma, impúdica ou sacramental, para um acto de cópula. Natércia quer, pelo menos, ter esse prazer de sentir o seu corpo admirado por alguém, ser a maçã proibida de alguma alma masculina caridosa e, de preferência, bem robusta a nível físico. Mas não. Ninguém lhe passa cavaco. E ela nem sequer pesa 80 quilos como a Ricardina, que anda feliz com a sua vida de recém-casada. Como é que a gorda conseguia? Sim, Natércia tem muita inveja.
Inveja e raiva, de ver tantos e tão bons avanços destruídos desta forma que nem lembra ao Diabo – na verdade, denúncias como esta que aqui veio transcrita levam Natércia a suspeitar que até uma freira não teria coragem de recusar constantemente estes avanços e acabaria por ceder de uma forma ou doutra. “Deus dá nozes a quem não tem dentes”, repetia ela para si mesma, acreditando que ainda poderia ser alguém no mundo da carne. Se os assediadores soubessem o que Natércia pensa deles, nem sequer perderiam tempo a assediar essas mocinhas petulantes e viriam logo ter com ela, seria uma situação de claro win-win.
Um dia alguém há-de olhar para ela de alto a baixo, alguém há-de convidá-la a sair, e nesse dia ela promete que tudo vai fazer para não assustar o assediador. Nunca haverá violação, porque ela estará disposta a deixar-se possuir em qualquer circunstância, até na sala de reuniões em frente de todo o Conselho Directivo, tão ardente é o seu anseio. Alguém que (se) venha, rápido. Que bom será sofrer de assédio. Se é que se poderá designar de “sofrer”.
Não, isso será uma pura massagem para o ego. Seria muito agradável ela também fazer parte da percentagem das que são assediadas no trabalho. Seria muito bom sentir o bafo de homem, que isto do trabalho é muito bonito e faz muito bem, mas não conforta nem o corpo, nem a alma – e ela sabe-lo bem, naqueles intermináveis Sábados à noite que passa sozinha a rever relatórios. Natércia vai rezando para que esse assédio surja, em forma de linguagem brejeira, gabardina aberta ou outra qualquer. Ela lá estará de mente, braços e pernas abertas para recebê-lo.

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