sábado, maio 01, 2010

Dia do Trabalhador

Estive a seguir todas as recomendações para ser feliz. Não me levar muito a sério, basicamente. Olhar para os outros sacanas que me espezinham com um sorriso na cara e pensar que tudo podia ser pior. Por exemplo, a minha filha podia andar com um preto das barracas, daqueles cheios de brincos e com as calças a rojarem pelo chão, boxers às riscas à mostra, espetando linguados no meio da rua como se não houvesse amanhã. Talvez não haja. Talvez haja uma rusga, finalmente, que ponha termo ao bairro social. Mas o mais certo é que não. Os sociólogos e os políticos não vão deixar. Eles gostam de cancros. Especialmente, os dos outros. É provável que as coisas continuem a arrastar-se como as calças dele. Pelo chão. Como será muito provável esse namorado momentâneo da minha filha vir a ser desempregado. Não apenas "estar" desempregado, porém "ser" um desempregado. Fazer do desemprego uma profissão. Está na moda, como ele próprio. É chique receber subsídios e chular o Estado. E ainda aparecer na MTV Portugal como um tipo muito cool. Chular o Estado é um desígnio nacional. A MTV Portugal, por seu turno, não deve ser levada a sério. E esse puto não se leva a sério. Ele não leva nada a sério. A vida para ele é um enorme gueto onde ele só faz de DJ e spraya tags nas paredes. Devia aprender com a ignorância dele, seria muito mais feliz. Estamos numa de não nos levarmos a sério. Minimizarmos as circunstâncias para aliviarmos a nossa alma de fardos desnecessários. Noutro dia esmaguei um pequeno insecto. Não lhe queria fazer mal, mas esborrachei-o. Acontece. Não foi nada de especial. Vai acontecendo. Ele morreu. Eu por cá ando. É assim a vida, construída de pequenos acontecimentos que para alguns são tudo e para outros pouco mais que nada. O truque está na trivialização sistemática dos actos. O tempo ajuda-nos a construir um aspecto blasé. A idade traz-nos coisas que julgamos estar em loop, um disco riscado que já nem sequer nos incomoda. A minha vida tem vindo a constituir-se por músicas de porcaria e dizem-me que essa é a banda sonora da minha vida. A música que se faz hoje em dia é muito má, ninguém parece dar por isso. Ligam-me sempre a músicas que estão nas playlists actuais e que eu não gosto, mas dizem que elas têm muito a ver comigo. Eu nunca me imaginei na última cena do meu filme com aquela música enquanto passam os créditos. Mas é mesmo assim. Há coisas que não conseguimos controlar. Nem devemos. Nem alguma vez iremos, se quisermos. É assim, ponto. Apenas há que ir tentando mudar. Enunciar citações alheias como forma de mostrar um grande aparato cultural. Soltar palavras chapa-5 na esperança que o nosso receptor ainda não as conheça e pense que somos um génio. Alguma coisa devemos ser. Nem que sejamos apenas o génio da banalidade. A preguiça quando se instala é pior que um pacote promocional da TMN, demora a ser extraída. A sombra da bananeira é tão reconfortante que nos esquecemos que um dia temos de voltar ao sol, à torreira do trabalho, que as bananas estão lá em cima e não caem só por si. São apenas bananas, mas estão lá em cima. E nós, que somos a reserva moral desta sociedade, vamos ficando cá por baixo. Deixados à sorte de bananas. Isto já lá não vai só com palavras, mas é o melhor que nós conseguimos fazer. Somos poetas e criativos, não gostamos de actuar, ainda chateamos alguém. E isso é chato. Sentamo-nos em casa a ver os outros falhar. Engordamo-nos em centros comerciais e damos dinheiro para clubes de futebol e para os nossos filhos se divertirem como nós nunca pudemos divertir-nos. Pensamos que isso é o melhor. Se é que sequer pensamos a sério. Se o fazemos, não devemos. E os putos vão crescendo estupidificados em frente ao computador e com os telemóveis de última geração. Não vão querer saber de nada para nada. Vão entrar num ciclo vicioso de alienação e aos 20 anos já estão hiperactivamente deprimidos e nunca mais vão recuperar. Temos fé que uma busca no Google resolverá os nossos problemas. Todavia, a internet também esconde um grande problema: estar acessível a tanta gente tão pobre de espírito. O que quer que isso seja hoje em dia. Queremos acreditar que será tudo para o nosso bem. Estive a pesquisar tantas formas de ser feliz, tantos links supostamente milagrosos, e enquanto isso o dia foi-se lá fora.
Um bonito dia de sol, um lindo dia de primavera, e eu aqui, abafado pelo peso da informação. A pós-
modernidade dá cabo de nós.

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