segunda-feira, janeiro 22, 2007

A Âncora

(Quadro de Roy Liechtenstein)


Eu consigo dar-te o que tu queres. Não precisas de te preocupar mais. Tens aqui o que andaste à procura. E porque continuas a deixar-me num plano secundário, se eu tenho comigo a segurança da certeza, a certeza da satisfação?
A ti não te chega ires comigo ao espaço. Nós já corremos os campos da lua com os nossos corpos impregnados de libertinagem, tocámos de raspão nos raios de sol sem nos queimarmos, absorvemos nos nossos cérebros a leveza de gases raros que nos propulsionaram para fora das nossas órbitas mentais. Dançámos em tua honra em cima das estrelas, acima de todo o mundo. Juntos. Trocando saliva e suor. Abri-me em toda a plenitude e envolvi-me seriamente nas brincadeiras que desenvolvi em especial para ti. Todo eu especializei-me em ser o teu posto certo de atendimento. Cobri-te com os meus acetinados cobertores e tentei proteger-te dos ventos frios enregeladores da tua alma. Suavizei-te dos calores tépidos proporcionados por aquelas fontes de calor dúbias e doentias. Cada dia era uma festa de ano novo que organizava meticulosamente em tua honra.
Defini-te como objectivo. Quis-te tanto só para mim e tu para mais ninguém. Assim que te percebi à deriva, atirei-me a ti feito âncora. Desejei afundar-me contigo num poço de prazer e sentir os nossos pulmões a rebentar de êxtase. Agarrar-me a ti tipo lapa. Prender-te de vez a mim. Disse-te, quando tocámos os limites do bom-senso, “Agora vou querer ainda mais do tu queres” e tu abriste a boca em deslumbramento. Fomos de costa à costa de uma assentada e pensei para mim que tu não podias fugir. Dei-te tudo o que se pode pensar, tudo o que era possível e impossibilitei qualquer hipótese de insatisfação. Fortaleci a minha disponibilidade dando mais um nó, crivando mais um prego, colhendo mais um fruto.
Mas não te saiu um agradecimento sincero. Não consegui arranjar água suficientemente pura para limpar o teu sorriso amarelo. Permanecem perdidas na tua cabeça as chaves do teu cofre sentimental inexorável. E que mais te posso fazer? Se não te chega o que faço por ti? Eu abandonei os meus objectivos próprios só para te ter aqui. E tu, aí, sem vontade de seres feliz, sem vontade de alcançar os teus sonhos, sempre com o irritante hábito de menosprezar os meus esforços e de ignorar a tranquilidade que te entrego de mão beijada. Não tens presente o bom que tens, o bem onde estás.
Eu consigo dar-te tudo o que tu queres. Mas tu não precisas. Tu só queres fazer de mim uma etapa e quero-te como meta. Não te interessa o paraíso, interessa-te questionar como se chega lá, entreter-te com os motivos ao longo do percurso e estudar alternativas inúteis. E não consegues perceber que tenho comigo a senha exclusiva que te leva lá. Faço-te ver todos os dias que não há nada melhor. Explico-te todas as horas que não pode haver nada melhor. E como retribuição recebo a tua apatia. É como se estivesse a entregar-me para o vazio. Como se estivesse a mergulhar de cabeça para um mar profundo e sem água. Como se fizesse da tua indiferença a força que me move, mesmo que saiba que me movo por um projecto sem retorno.
O problema é que tu queres outro alguém que te leve, rotativamente, por estas estradas de prazer. Eu, mesmo sendo o melhor, não te chego. Torno-me na rotina. Mas continuo a insistir em dar-te tudo o que te faz falta. Fazendo das minhas privações fartura para te cortar desse espaço lúgubre onde te deixas perder. A minha fé em ti é grande demais, não tenho mais nada a perder a não seres tu. Eu não me interesso mais.

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