quarta-feira, janeiro 31, 2007

Chamem o Guinness

Somos grandes. Enormes. O nosso apelido podia ser “Grandeza”. Ou “Grandiloquência” – é um substantivo mais bonito e comprido, devidamente proporcional ao nosso ego nacional.
Para quê negar? Portugal nasceu para arrecadar records do Guinness.
Julgo não serem necessárias provas, mas eis alguns exemplos concretos: o maior centro comercial do mundo, a maior ponte do mundo, a maior refeição alguma vez servida em cima da maior ponte do mundo, a maior árvore de Natal do mundo, o maior clube de futebol do mundo (que até já teve a ideia de conglomerar o maior número de Pais Natais do mundo), a maior corrente humana do mundo a acompanhar a sua selecção de futebol, a maior taxa de sinistralidade rodoviária do mundo, e por aí fora.
Mesmo que alguns desses celebérrimos feitos estejam já desactualizados, o nosso orgulho incha sempre que nos referimos a eles, o brilhozinho no olhar confirma o nosso agrado, uma lagrimazinha marota escapa-se-nos quando associamos esse facto à nossa bandeira verde-rubra. Pela seguinte razão: foi lindo sermos record mundial e acreditamos que voltaremos a sê-lo. Desunhar-nos-emos para que tal suceda.
O objectivo deste país, aliás, não é, como muita gente pensa, “a coesão social”, “o progresso”, “Maastricht, Roma, Nice e a convergência para o modelo europeu”. Isso é apenas distracção. O que nos une como portugueses é a perseguição de mais um record. Do Guinness, já que não aceitamos livros de records menores. É por aí o caminho, Sr. Primeiro-Ministro. Vamos esquecer a política de contenção e a corrupção; queremos mais fenómenos no Entroncamento e mais um mega-investimento público para sermos, finalmente, o recordista dos records. Veremos toda a população mobilizada, vá por mim.
O pessoal que compila records do Guinness já sabe quem nós somos. Quando toca o telefone ou quando se recebe um mail por lá, todos já sabem donde provém a comunicação: de Portugal, evidentemente. Aprenderam à força onde nós ficávamos e ao que nos dedicávamos. Benditos sois, records!, que tanto propagam o nosso nome pelos quatro cantos desta Terra redonda, pensamos nós, embevecidos. Estes portugueses são o nosso sustento, se não fossem eles estávamos a observar comboios nas terras altas da Escócia, pensam os Guinness-enses.
O interessante é a quantidade de records mais ou menos oficiosos que grassam por aí à espera de uma paginazinha no livro. Um autêntico filão de oportunidades mediáticas que repousa inanimado, à espera de reconhecimento. Um reservatório de publicidade fácil à espera de saciar a nossa sede de moral instantâneo. Podíamos ter o record da ostentação – sendo um país relativamente pobre, gostamos de crédito fácil, carros novos e telemóveis topo-de-gama; o record da gabarolice – o Benfica vai ganhar o campeonato com 100 pontos de avanço enquanto eu, com o 9º ano, sou o director-financeiro de uma multinacional e ganho 2000 contos por mês; o record da falta de memória – onde um talentoso humorista comunista e benfiquista (e creio que também bom chefe de família) entra na lista dos mais ilustres portugueses, quando há 3 anos era um maluco desconhecido como os outros; o record de jornais desportivos diários, sendo que um deles tem o descaramento de se chamar… “Record”; o record de estratagemas inventados para fugir às responsabilidades; o record das terras com mais records, Entrocamento, Fátima, o sítio do sobreiro que chorava lágrimas de santo, etc.. Vejam lá se chega. Se não chegar, nós inventamos mais uns quantos. O record do desenrascanço é nosso, convém recordar.
Mesmo este blog, aparentemente inofensivo e perdido no espaço cibernauta, almeja um record: mais de 2500 visitas e apenas 5 pessoas o conhecem – isto é, uma média de 500 visitas por pessoa. Extraordinário. Mas podemos ser ainda mais ousados. Se vos disser que eu e o Muntubila fizemos 2000 dessas visitas, no mínimo, isso dá 1000 visitas por cada um de nós. Um número assombroso, um record de comentários e de visitas cruzadas espera-nos de braços abertos. E não é tudo. A própria ausência sabática de Muntubila não é inocente. Estou em posição de assegurar que Muntubila quer quebrar o record do tempo passado sem escrever para o seu blog. Neste momento, o blog do Gato Fedorento vence. Mas esse record, enquanto for deles, não interessa.
O que necessitamos é de um record genuinamente nosso. Mais meu do que teu. Mais português do que ibérico. Para mostrar que só nós é que não conhecemos limites. Para dizer “presente!”. Para podermos esfregar na cara dos outros aquilo que eles não são capazes de fazer. Mesmo que eles apenas achem pitoresco. Mesmo que eles não saibam o que é o Guinness. Mesmo que pareça uma tarefa digna do “Jackass” da MTV. Desconfio que esses gajos da MTV são todos descendentes de portugueses.
Isto tudo apenas para referir que está mais um record na calha: o maior coração do mundo, a exibir na Baixa lisboeta, por alturas da Dia de S. Valentim. Verdadeiro e imaginativo. Grandioso e amoroso. Mais uma ideia exorbitante dum grande português. Chamem o Guinness, melhor, digam ao Guinness para se mudar para cá, gasta menos em viagens.
Aposto que, seguindo esta peculiar ideia, teremos um record por cada evento mais ou menos festivo. Por exemplo, na Páscoa surgirá um coelho gigante algures no país, capaz de defecar ovos de chocolate Kinder para alegria da criançada e dos pais, satisfeitos por poderem usufruir de mais leite e menos cacau. É nestas alturas que me apetece ouvir o hino e colocar a mão direita sobre o coração.