sábado, janeiro 12, 2008

Deixa Mamar

Perdão pelo título. Percebi mal. É “Deixa-me Amar”, afinal.
Ah, está bem. É só a língua portuguesa a ser traiçoeira. Culpemos a língua. Eu, por mim, não tenho problema nenhum. Se fosse “Deixa-me Matar”, “Deixa-me Roubar” ou “Deixa-me Colocar Uma Música da Kelly Family Enquanto Descasco as Batatas” é que já colocaria reticências. Quereis amar, porém? Amai com toda a força, eu deixo.
Visitem então o blogue. "Já", como suplicam os fãs e autores do blogue. É interessantíssimo, não só cromaticamente, mas também a nível de conteúdo.
Eu cá nunca vi telenovelas da TVI. Nem a própria TVI, excepção feita ao futebol (Luís Sobral, com esse timbre de voz podias ser o Leonard Cohen do jornalismo oportunista português). Sim, sou demasiado práfrentex para isso, não me coíbo de o afirmar. Mas arrisco uma possível estrutura para a telenovela, com todas as probabilidades de erro a que me sujeito.
- Uma família rica que vive numa quinta e cuja fortuna é incomensurável, OBRIGATORIAMENTE com criada, NECESSARIAMENTE gorda e muito simpática, que serve sumo de laranja pela manhã, quando TODA a família se reúne à mesa religiosamente às 7:30 em ponto. A família TEM de ter um patriarca sóbrio e extremamente respeitado – que será o Ruy de Carvalho ou o Sinde Filipe, é aproveitá-los enquanto forem vivos. Dentro dessa família, dois irmãos, desavindos, um muito bem intencionado e outro muito pérfido, ambos muito impulsivos e competitivos em todos os aspectos das suas vidas. De preferência, acabarão por se apaixonar pela mesma rapariga, que provirá dum estrato social inferior e que conquistará os elementos menos ásperos afectos à família rica (entre eles estará a criada, os netos do patriarca, que são fruto duma relação anterior de algum dos filhos e que andam lá pela quinta, bem como a esposa do patriarca, se este não for viúvo, o que até será mais provável). Este triângulo amoroso será o fio condutor sentimental da história, embora todos saibamos que no fim ela ficará com o irmão-bom.
- A rapariga sofrerá muitas desilusões e vê-la-emos a chorar bastas vezes em primeiro plano, com uma música lamechas do Rui Veloso, Santos & Pecadores, Paulo Gonzo ou qualquer outra estrela nacional como pano de fundo. A sua vida será uma montanha russa de emoções e ela será uma tipa que veio parar ao local onde se desenrola a história por acaso. Ora desiludida, como referi, ora extremamente feliz, felicissimamente parva, exultando com o seu amor (os irmãos da família rica ou um amigo de infância, o qual nos apercebemos logo que não terá hipóteses), que confidenciará à sua grande amiga, claramente menos atraente em termos físicos. A rapariga irá planear casamentos como quem bebe copos de água, mas estes cairão por terra quando tudo estiver a postos. Esta sua amiga viverá uma história de amor não-assumido com um pobretanas qualquer, que, embora muito honesto e benquisto, é um trapalhão de primeira. Esta relação constituirá o fio burlesco da história, o rapaz trapalhão será o jogral do enredo e será nestes diálogos que os argumentistas aproveitarão para lançar todo o seu manancial de piadas. O rapaz será exortado a fazer muitas caretas e os seus amigos fartar-se-ão de brincar com a sua inépcia, incluindo o bêbado da taberna (infelizmente, o Canto e Castro já não pode fazer este papel, então busque-se o Manuel Cavaco), gerida por um casal de velhos sempre a par de todas as novidades e a postos para assumir a figura de consultores afectivos.
- Existirá uma empresa, ligada por qualquer meio à família rica, gerida de forma implacável por uma administradora cruel, mas extremamente sensual – papel criado de propósito para a Alexandra Lencastre, que preparar-se-á especialmente para o papel com horas e horas de solário, oxigenação capilar, fortalecimento hormonal do seu, já de si, enorme par de mamas e aprimoração do sotaque Cascaisiano a níveis estratosféricos. Existirá um colaborador galã (pode ser o irmão-bom, por exemplo) sempre revoltado com a liderança da empresa, um visionário empresarial, um injustiçado. A administradora, com o apoio de um amigo sinistro (pode ser o irmão-mau) que lhe é leal de forma doentia e nunca a larga, fará os possíveis para sabotar as boas intenções do galã. A auxiliá-la, encontraremos ainda uma outra amiga, uma figura deveras antipática e desprezada por todos os protagonistas, mestre na arte do sorriso cínico e da manipulação sentimental. O amigo sinistro da administradora deseja que ela seja sua, mas a administradora quer é o galã, que por sua vez nem a pode ver pintada à frente. A amiga da administradora, a meio da história, será atingida pelo Cupido e também quererá o galã para si, não olhando a meios para atingir os fins. Enquanto isso, a empresa, que em termos organizativos é pouco menos que perfeita, embora todos passem mais tempo a tratar da sua própria vida e a tratarem-se coloquialmente por “você”, passará por dificuldades inesperadas. Um inspector da Judiciária (pode ser o Rogério Samora?), tão sagaz quanto inoportuno, passará a ser visita frequente do luxuoso escritório e quererá analisar uma misteriosa pasta com documentos comprometedores, que todos farão questão de guardar até aos episódios finais. Será usual a administradora começar a falar sozinha na sua casa mobilada pelo IKEA, COM UM COPO DE WHISKY COM TRÊS PEDRAS DE GELO NA MÃO, planeando assassinatos e chantagens em voz alta. Este será o lado noir, frio e cosmopolita da história.
- Os miúdos, filhos dos irmãos, entre órfãos e filhos de pais divorciados que só sabem o que é viver com a avó, frequentarão um colégio sem ponta de sujidade. Será notável o instinto precoce para a moda, pois todos estarão na crista da onda em termos de vestuário e penteados. Serão mestres nas novas tecnologias e nos desportos radicais. Uma professora muito atenciosa e querida ousará enfrentar o director do colégio, um tipo mal-encarado e parado no tempo que se afronta com facilidade com qualquer atitude dos miúdos, apenas para defender uma atenção especial a um miúdo em particular – que, sabe-se, já fumou um Davidoff que roubou à mãe ou que, num acto de loucura sem precedentes, bebeu três cervejas Tagus numa festa da escola e foi apanhado semi-nu na praia como consequência. Pobre rapaz este, viverá sempre com o estigma do James Dean lá do sítio. Este será o lado juvenil da história e será por aqui se que se irá evidenciar a próxima Vera Kolodzig.
Confusos? Verão que tudo é fácil. Fico-me por aqui. Com estes ingredientes já temos o essencial. Agora é criar monstruosos laços de família e esclarecer verdades que se julgavam absolutas: afinal, o pai de X é na verdade seu irmão e X nem sequer é um ser humano, mas sim um macaco ultra-desenvolvido que tem um fetiche pelos pés de Y, que por sua vez não gosta de Z, mas sim de K, enquanto W e P não eram primos, mas sim siameses filhos de Z e K é homossexual e gosta de W, seu próprio filho, mas W tem os diamantes que roubou a P e P não pode deixar de ser amigo de Z enquanto este não resolver o caso das fotocópias ao rabo de K, que é a sua mãe adoptiva e vive com Y, após uma fuga frustrada com W para a Venezuela quando X ainda andava metido nos meandros das apostas ilegais com Z, que batia em P enquanto bebia para esquecer a cadela desaparecida de K ou de W. Enfim, depende de quantos meses quisermos esticar a história.
E quanto mais a história durar, mais os argumentistas mamam. “Deixem mamar”? Pois mamem. Agora sim, faz todo o sentido.

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