terça-feira, janeiro 15, 2008

A Pobreza É Um Luxo

O novo conceito de luxo é pagar para ser pobre. A ideia partiu da Xupax, uma empresa ligada à ocupação dos tempos livres das classes mais endinheiradas. Aparentemente condenada ao fracasso, a Xupax apercebeu-se que a ideia poderia singrar quando reconheceu que existem pessoas que gostam de sofrer e, acima de tudo, pessoas estupidamente ricas que pagam estupidamente para sofrer.
Por um montante inicial fixo que pode variar entre os 50.000 e os 250.000 Euros semanais e por um período nunca inferior a duas semanas, o cliente poderá gozar as delícias da vida dos pobres. Estão disponíveis as seguintes rubricas em pacotes customizáveis e extremamente flexíveis (extras entre parêntesis):
- trabalho mal-pago e com um chefe rezingão (chefe que humilha: + 200€ por cada ataque nervoso);
- casa nos subúrbios, apenas acessível por transportes públicos (apenas acessível a pé: +5€ por cada metro em terra batida; sem electricidade, água ou gás: +250€ por cada item);
- mulher anafada com bigode ou marido bêbado com unhaca no dedo mindinho (filhos na droga: +1.000€; filhos na droga e na prostituição: +2.000€ - valor que passa para 1.500€ se a prostituta vier com chulo, a providenciar pelo cliente);
- crédito malparado (possibilidade de exibir bens ainda não pagos aos amigos para ostentação: +5.000 € por cada unha roída de inveja);
- férias na Caparica (férias na casa dos sogros: +200 € por dia);
- visionamento em directo de jogos do Benfica (possibilidade de aparecer na reportagens da TVI: +3.500€);
- fome (MUITA fome: +500 €);
- doença apenas curável em establecimento público (doença incurável: o dobro do valor do pacote escolhido);
- outros extras avulsos, como espera de eventuais filhos à saída de escolas públicas e levar com a porta na cara dum estabelecimento comercial ou público: situações negociáveis caso-a-caso.
Vários magnatas e socialites gastaram exorbitâncias com esta experiência lúdica. Homero Bello de Gonzaga, notável milionário brasileiro, levou toda a sua família para duas semanas de horror numa favela paulista. Ninguém morreu, miraculosamente e apesar dos ferimentos. Homero considerou o tempo dispendido como “muito enriquecedor”, por estranho que pareça – Homero gastou mais de setenta vezes o equivalente aos rendimentos esperados totais das vidas dos seus 30.000 vizinhos da favela. Adiantou ainda que os níveis de adrenalina são incomparavelmente superiores aos do rafting ou aos de qualquer actividade tida como radical. “Jóia. Muito legal”, adiantou, ainda aturdido pelo choque.
Já Titá Gugu Xixi, colunável de Paço d’Arcos, ficou sem palavras. Não apenas por causa da operação mal sucedida à laringe, mas porque as expectativas foram largamente superadas. “Olhe, sei lá, super-chique, foi divertidíssimo viver como um porco durante dois meses. Nem shampoos de algas tinha, veja bem”. Nada lhe custou em demasiado. “Olhe, achei engraçadíssimo ver as miúdas a engravidar com 12 anos e os miúdos metidos com agulhas e facas e mai-não-sei-quê, de morrer. Eu própria achei giríssima a vida com ordenados mínimos aturar um trabalho tão estupidificante como é embalar clisteres durante 10 horas por dia e ainda ter que aturar um marido podre de bêbado ao chegar ao T1, sei lá. Demais”. Recomendou vivamente a Xupax a todas as suas colegas, mas admitiu que não era capaz de viver assim para sempre. “É adorável como experiência, mas com aquilo que ganhava não podia ir a Saint Tropez nem daqui a 30 anos, ‘tá a ver?”.
A Xupax tem a carteira de pedidos totalmente cheia e não está a aceitar mais inscrições. O esquivo director-geral da Xupax escusou-se a tecer comentários. Apenas confidenciou que “ser pobre não é para todos”.
PS - Texto baseado em factos reais constatados na Índia.

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