domingo, fevereiro 24, 2008

Cedo Para A Cama

Cedo para a cama, o leitinho morno da praxe, aquele teu olhar melancólico debaixo dos lençóis, sem nenhum toque de sal, sem nenhum resquício de gás, o amor eclipsou-se por detrás das complicadas agendas que sobrecarregaram os nossos olhos. Pensamos em sorver as coisas boas da vida exercitando as rígidas regras das cartilhas que emergem como cogumelos na matéria dos dias, pensamos bem, pensamos demais, mudamos então de ideias e ficamos na mesma, sempre iguais, inamovíveis com o peso da ruptura que nos intimida, lamentando o sol ir-se tão de repente. Não damos por nada nesta cama de sonhos perdidos, a insónia é uma causa ou uma consequência que aceitamos sem questionar, a privação do sono é uma ameaça que levamos muito a sério. Dormir juntos é o melhor que parecemos conseguir fazer em conjunto, é apenas deixarmo-nos ir, ninguém se chateia. Perdemos algo que não sabemos ao certo o que é, mas as nossas peles com certeza que já não vão dispensando as loções revigorantes. Já não conseguimos achar graça aos mochos e corujas, vamos compreendendo os vaidosos galos matutinos, vamo-nos resignando à voragem do cansaço, vamo-nos lembrar de velhas repetições, velhas memórias que afinal agora são de outros. E é ver-nos assim, esquecidos, apoiados em almofadas que já não têm forma, fazendo as coisas certas não porque nos saiba bem, mas sim porque já não arranjamos outra solução. A apatia dos dias avançou sobre o nosso quarto como uma névoa invencível, a rotina galgou inexorável sobre as mantas e agora submetemo-nos ao relógio universal com uma servidão digna, mas completamente infrutífera. A noite já não nos chama, a lua tem outras companhias para explorar, as sombras que antes nos lançavam desafios pertinentes hoje já não encerram grandes mistérios. Vejo a tua cara e ela já não ferve de amor, apenas pede clemência para que não a abandone. Cedo para a cama, chinelos ao lado, é assim, dizemos mudos um para o outro, é assim que deve ser.

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