domingo, fevereiro 17, 2008

La Tristesse Durera

Não é preciso pensar muito para dizer o que está mal nesta fotografia. É verdade, Paulo Bento está a sorrir. Ou melhor, estava. A imagem é de 2002, tirada um pouco antes da realização do ignominioso Mundial da Coreia/ Japão, um pouco antes dos sorrisos terem amarelecido ou até desaparecido por completo, mas já depois dos mimos do mesmo Paulo Bento ao árbitro Gunter Benko. Enfim, Paulo Bento ainda sorria.
Hoje em dia, pode ser discutido (até à exaustão, à falta de melhor assunto) o seu corte do cabelo, a sua dicção, a sua histórica auto-proclamada tranquilidade, os seus lábios semi-jaggerianos, a sua postura no banco, a bufaria que existe ou não, a sua quota-parte de responsabilidade de tudo o que corre mal no Sporting, mas poucos poderão discutir que Paulo Bento não sorri. Ponto. É tabu.
Desconheço se existe alguma cláusula contratual que impeça o sorriso. O certo é que o exclusivo não é de Paulo Bento. Os treinadores dos maiores não sorriem. Ver um treinador português de uma equipa denominada grande a sorrir no banco ou numa conferência de imprensa é quase tão difícil como arrancar um sorriso ao implacável John Rambo. Bem, Mourinho ainda exultou freneticamente em Sevilha, saltou e gritou com a Taça UEFA na mão. Mas um ano depois, em Gelsenkirchen, Mourinho estabeleceu um novo paradigma, um modo de estar de tal forma marcante que seria religiosamente seguido por qualquer treinador: exibir um ar deveras blasé, de aborrecimento e enfado imperturbáveis, especialmente nas horas boas. Afinal, ele é O Especial, quem fura protocolos tácitos e o verdadeiro precursor de tendências estético-estilísticas. E quem não for sistematicamente circunspecto não chega ao topo – isto é para vocês, Manuel Cajuda e Jorge Jesus, que já foram vistos em celebrações exuberantes quando as vossas equipas marcaram golos decisivos.
Camacho não ri, rosna desculpas em espanholês e encolhe os ombros. Jesualdo, a custo, lá esticou os lábios enferrujados pelas agruras da vida na sua primeira vitória no campeonato e envergonhou-se pelo sucedido. “Eh pá, descuidei-me, se tivesse visto o fotógrafo tinha pensado em coisas tristes”, pareceu dizer para si quando se viu nos jornais, quase, quase a mostrar os dentes lavadinhos e brilhantes. É que isso colocou em sério risco a sua posição de eterno carrancudo, função que Jesualdo aprimora com níveis bastante satisfatórios, cavando sulcos estratégicos na testa para ajudar à sua expressão de duro inamovível. E Paulo Bento, jovem treinador, já entrou nesse comboio de tristeza, a gravata já lhe aperta como apertava ao eterno portador de semblante desolado que era (e deve continuar a ser) Fernando Santos.
Ainda não terá vivido demasiado tempo no banco, mas o suficiente para carregar aquela expressão de perene frieza emocional. Qual a profundidade melancólica dos pensamentos que estes treinadores utilizam para evitar um esgar de contentamento? Serão eles pessoas mesmo tristes? Será que a felicidade do futebol se esgota no final da carreira de jogador e a partir daí é um suplício constante se se opta por prosseguir enquanto treinador? Será a proximidade do abúlico Pedro Barbosa? Não conheço a resposta. A imposição de autoridade por via de um aspecto permanentemente severo parece ser uma boa desculpa. Mas lá que a fotografia já não parece do mesmo Paulo Bento, lá isso não.

Ainda nos meandros da completa negação de felicidade, os Radiohead editaram mais um álbum que, sabia-se mesmo antes de ser editado/ largado pela Internet, é um êxito crítico assinalável. Thom Yorke já não sabe o que é o prazer, só a dor. E a dor dele é abençoada, um autêntico colírio para a alma dos críticos que, com instintos que chegam a ser sádicos, se deliciam automaticamente com qualquer gemido por ele emitido. Se há coisas inegáveis no panorama musical é que os Bush nunca fizeram nada de jeito e os Radiohead estão sempre a tocar na perfeição em cada uma das suas acções. Depois, se os sons que acompanham a dolência de Yorke forem o mais intrincadamente rebuscados possível, tanto melhor: é obra-prima atrás de obra-prima. E eles vão prosseguindo com a sua cavalgada a que chamam, à falta de melhor, “alt-rock”. Mesmo que as guitarras distorcidas características do rock não morem por lá.
Haja paciência para tanta adulação pré-concebida: haverá dezenas de bandas que valerá a pena ouvir antes dos Radiohead, isto se não estivermos a equacionar o suicídio enfiados dentro dum exíguo quarto pintado de negro na cave duma estação de metro desactivada. Desde “OK Computer”, alvo de uma aclamação crítica desmesurada, que os Radiohead parecem mais do que aquilo que realmente são. “Amnesiac” extremou as extravagâncias indulgentes de “Kid A” de tal forma que nem me apeteceu ouvir “Hail To The Thief”, porque não estava para me entristecer ainda mais com dores que não são minhas e com sons que não são nem carne nem peixe, estavam para ali entre a electrónica e outra coisa qualquer. Se calhar fiz mal, mas pela amostra de “In Rainbows” nem por isso. Ouvi o álbum duas vezes seguidas e existem dois ou três bons momentos. Esta é a melhor banda do mundo? Pois sim, os doutos críticos é que sabem, eu sou apenas um ignorante.
Porque é que a sisudez deles é tão melhor que a dos outros? Quem me dera fazer da minha tristeza um estilo de vida e ser feliz por isso… Ele há ironias que até têm a sua graça.

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