sexta-feira, julho 17, 2009

Repórter Metal-Estrábico

- Estamos aqui no Sardoal, onde um violento incêndio DESTRUIU a habitação e os terrenos agrícolas do sr. Barquinho… um verdadeiro ESPECTÁCULO de devastação, verdade seja dita. CINZAS NEGRAS cobrem toda esta área, onde jazem igualmente algumas CARCAÇAS de animais que ainda fumegam ao sol… O INFERNO passou por aqui. Parece que nada sobrou, não é, sr. Barquinho?
- Ainda me resta um carneiro, que se conseguiu safar sabe-se lá como…
- Então? Você não tinha perdido tudo?
- Não, eu não disse isso…
- E você não se encontra deprimido?
- Bem, eu… realmente, não é uma situação fácil…
- Quando digo “deprimido” estou a querer dizer “angustiado”, “com aquela sensação que o mundo inteiro está de costas voltadas para si”, “naqueles dias em que parece que um anjo negro está a menstruar-se abundantemente sobre o seu corpo”… você está assim, ou não?
- Pois… estou um pouco…
- Sente a dor dentro de si, não sente? Assim como se ela estivesse alojada dentro do estômago e pronta a subir pelo esófago acima para ser vomitada?
- Há alguma dor, sim…
- Boa, boa, você está a entrar dentro do espírito! Agora, concentre-se na sua dor… pegue neste microfone e grite “FUCK JEEEEEESUUUUUUUUUUS!!!”, como se tivesse sido perfurado com várias agulhas a ferver simultaneamente… um voz cavernosa, cá do fundo; não é “fuck Jesus, sra. professora”, à moda da pré-primária; é “FUCK JEEEEEESUUUUUUUUUUS!!!”, como se fosse um Morbid Angel.
- O quê? “Fâque djiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiizââââââââââs”? O que é isso?
- Vai-lhe ajudar, prometo. Não lhe vai recuperar a casa nem as galinhas, mas é um paliativo espectacular, garanto-lhe.
- Acho que não consigo, não sei…
- Pronto… É timidez, não é? Então gritamos os dois, pode ser? Vamos gritar uma coisa mais fácil. Quando eu contar até três, gritamos os dois: “PAAAAAAAAAAAAAIIIIIIN!”
- “Peine”?
- Sem o “e” no fim.
- “Pein”?
- Isso! Mas forte, homem! Mesmo como um demónio das trevas! Lembre-se da sua agonia interior! Pense neste fogo que lhe estragou a vida! Raiva nesse grito, hã? Vamos lá… um…
- Peeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeein.
- Então? Que é isso? Só contei até um…
- Só sei contar até um.
- Ah… bom, mas não foi satisfatório, você não estava com a dor toda. Vamos lá repetir…
- Não me parece boa ideia. Isso não me está a ajudar por aí além…
- Bolas, homem! Satanás estabeleceu um contacto directo consigo! Destruiu-lhe a vida! Você sabe o privilégio que teve? Eu sonho com o dia em que Satanás venha ter comigo e me tatue um crucifixo invertido na testa com um ferro em brasa… e tenho que andar a dar cabeçadas na parede em incessantes headbangings enquanto ouço speed metal para sentir a verdadeira dor, à espera do toque do Diabo! Você não sabe a sorte que teve! O Diabo dá dentes a quem não tem nozes!
- Não foi Satanás. Foi o Zé Padeiro.
- O Zé Padeiro?
- Sim, foi ele que começou o fogo. Fez uma queimada de mato no quintal, deu-lhe o vento e… pronto, foi o que se sabe.
- E não sente a vingança da besta dentro de si?
- Não... O Zé Padeiro é bom rapaz… aconteceu-lhe desta vez, dantes já tinha acontecido a mim… Paciência.
- Não equaciona torturar-lhe um bocadinho…
- Hmmm… Talvez não lhe dê mais aguardente durante uns tempos… Mas, fora isso, não.
- Ou ler o livro de S.Cipriano assim só para distrair as ideias…
- Eu não sou muito católico, nem de igrejas nem dessas coisas todas…
- Nem um ritual com velas e animais mortos no meio da Serra de Sintra à noite…
- Não… Você sabe o que é uma queimada?
- O que eu sei é o alinhamento do novo álbum dos Manowar.
- Manowar? É uma debulhadeira?
- Não. São os reis do power-metal!
- Ah…
- Aqui vai: “Steel Hell “, “Powerking”, “Wheels Of Fire”, “Metal Lord”, “Fists & Iron”, “The Axes Of The Damned”, “Blade Machine”, “The Old Curse Of God's Hammer”, “Fight For Power And Fire (And Steel)”, “Hell Last Burning”, “Slave No Power” e “My Cute Little Pony”, que é uma faixa de bónus gravada em cima de uma Harley Davidson a caminho da Disneyland. Digo-lhe uma coisa: é BRUTAL!! METAL!!!! YEAH!!!!
- Ah…
- Saquei os mp3 na net. Já não compro cds.
- Está bem…
- Mas tenho uma t-shirt oficial deles.
- Pois…
- E você não tem nada, não é, sr. Barquinho?
- Ah, ainda vou tendo alguma coisinha… Como o carneiro.
- O carneiro… Ena pá, é isso mesmo!
- O quê?
- O carneiro é espectacular para o sacrifício!
- O quê? Chanfana?
- Bute lá sacrificar o carneiro! Não, não, espere: deixe-me ir buscar as facas góticas ao carro. E o manto negro.
- Mas… Mau, assim já não dá!…
- Tem toda a razão: falta um som à maneira. Exodus, pode ser? Também tenho Odious Mortem.
- Não, não, pare lá com isso, ninguém vai matar o bicho! Mas o que é que é isto, afinal?!
- Eu preciso de dor para me sentir realizado. Satanás está comigo.
- E ele quer um queijinho?
- Um queijinho?
- Destes queijinhos frescos que se safaram ao fogo.
- Mostre lá.
- Olhe aqui. Hã, maravilha, não é? Nós aqui na terra temos que ter algo para as visitas, mesmo que seja o Senhor Doutor do Mal.
- Por acaso Satanás é engenheiro. E esses queijos estão muito brancos.
- Como assim?
- Satanás não gosta de coisas brancas.
- Ele que imagine que isto é tipo… uma sobremesa esbranquiçada, vá lá…
- Satanás não come sobremesas. Só Suissinhos de framboesa. Têm muito cálcio.
- Vá, eu sujo o queijinho com…pode ser estrume?
- Não tem chocolate negro?
- O carneiro comeu todo o chocolate negro que tinha quando viu o fogo chegar.
- Seja estrume.
- Muito bem. Ora cá vai disto… pronto, e agora?
- Satanás agradece mas diz que já comeu.
- Ora bolas, e agora?
- Satanás aceita dinheiro.
- Dinheiro? Bem, não tenho assim muito aqui à mão… mas tenho ali umas poupanças que posso desenterrar debaixo da laranjeira queimada… Assim de quanto é que ele precisa?
- Quanto é a viagem de volta para a Reboleira?
- Para aí uns… sei lá, 20 euros.
- Então Satanás quer 80.
- Então mas…
- Despesas de representação. Está no contrato.
- Se é assim… Espere aí um bocadinho…
- Fico dolorosamente à espera. Já sinto o fogo a trepidar nas minhas veias… o sangue está a ferver… ah!, que espantosa agonia! DARKNESS IS MY MOTHER, BEAST IS WITHIN, UUUUUUUUUUUUUUUUH! FALLEN CHRIST EVERYWHERE, CRAWL IN PAIN! PROFANE MYYYYYYYYYYYYYYYYY SOOOOOOOOOOOOOOUUUUUUUUUUL!!! UUUUUUUUUUH! CRAAAAAAAAAAAAAAWWWWWWWWWWWWWWWLLLLLLLL IIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNNNNNNNNN PAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNN!!!!!! UUUUUUUH!
- Cá está.
- AHAHAHAHAH!, o mal triunfou outra vez! Mais uma ajuda para Satanás comprar um iPod! E você, sr. Branquinho, como é que vai sobreviver à catástrofe?
- Pronto, ainda tenho umas coisitas… mas vai ser quase como refazer a minha vida do um…
- Do zero, quer dizer…
- Não, mesmo só do um… porque eu só sei contar até um, já tinha dito.
- É verdade.
- Mas fiquei contente.
- É isso, também sentiu no fundo um prazer intenso por sentir a dor e a desolação da enorme perda, não é? Eu sei o que isso é.
- Pois… Não é bem isso; gostei de ter a imprensa por aqui a tentar manipular os meus sentimentos e a extorquir-me o pouco que me restava… Quero dizer… Isto é só para gente importante, não é?… Acho eu… Não, foi bom, foi muito bom, apesar de tudo. Valeu a pena perder tudo por cinco minutos no jornal das oito.
- Não, o senhor está a brincar!... Você está é dentro do espírito da dor! Você sentiu o chamamento das trevas! Eu estou a ler isso nos seus olhos!
- Eh pá, eu acho que é outra coisa… mas você é que é a da cidade…
- Quer ir ver o concerto dos Torsofuck ao Santiago Alquimista? Pago eu.
- E depois quem cuida do carneiro?
- Sacrificamo-lo na volta.
- Mas…
- DECEASED FAITH, ATROCIOUS SUICIDE! PROFANE MYYYYYYYYYYYYYYYYY SOOOOOOOOOOOOOOUUUUUUUUUUL!!! UUUUUUUUUH! UH! UH! UH! CRAAAAAAAAAAAAAAWWWWWWWWWWWWWWWLLLLLLLL IIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNNNNNNNNN PAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNN!!!!!!

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