quarta-feira, março 07, 2007

Exposição de Gráficos

O mundo da cultura ficou embasbacado. Compreende-se. Foi uma iniciativa sem paralelo – a combinação do programa Microsoft ™ Excel ™ (daqui para frente designado como “ME”, só para evitar ter que recorrer constantemente ao símbolo ™, pois é uma chatice) com a arte é deveras inovador e demonstra, de forma cabal, que existem profundas preocupações estético-estilísticas sempre presentes em qualquer analista de dados de qualquer boa companhia de seguros ou corretora bolsista da nossa praça.
A iniciativa de que se fala foi a I Gala Internacional de Exibições de Gráficos do ME, levada a cabo, numa 1ª fase, no Grande Auditório da CGD (1ª semana de Fevereiro), depois transferida para o CCB (2ª semana de Fevereiro e fins-de-semana subsequentes), posteriormente deslocada para a Fundação de Serralves (2ª semana e meia até à 4ª semana de Fevereiro), tendo tido o seu final previsto no caixote do lixo do bar da estação ferroviária Coimbra B (último dia de Fevereiro e dias seguintes, se a recolha de lixo entretanto se atrasou). Contando com o apoio da própria Microsoft ™ (não consegui evitar mais este ™), de proeminentes críticos de arte internacionais e de diversos analistas, esta Gala reuniu várias obras (em rigor, foram quatro ou cinco, se for incluído o índice alfabético dos participantes colocado na porta de acesso à exposição) provenientes de autores, na sua maioria, desconhecidos pelo grande público e mesmo pelos respectivos chefes das empresas onde trabalham, que suspeitavam, mas não acreditavam, que os seus funcionários não ficavam até altas horas da noite no seu posto apenas para trabalhar em prol da empresa.

“Foi uma surpresa, reconheço”, admitiu Gervásio Mangueira, um ingénuo director-geral de uma PME da zona de Leiria. “O Malaquias sempre foi uma pessoa reservada e pensei que ficasse em frente ao computador apenas para não ter que ouvir a mulher dele lá em casa a queixar-se da sua sinusite. Afinal, foi pela arte”, deduziu o Dr. Mangueira, em sinal de empatia para com o seu notável funcionário. É que Malaquias conduziu Portugal ao 3º lugar da exposição com este excelente gráfico sobre a cotação do Brent, o famoso índice petrolífero. Os críticos foram unânimes na definição dos pontos fortes deste gráfico: simplicidade, não-legendagem e a curva solitária vermelha numa progressão ascendente sobre fundo branco. Um trabalho semi-anarquista, uma ode ao grafismo alternativo e uma ruptura com o neo-classicismo vigente nas consultoras actuais. O holandês Jan Vanderhaeghe, excelso crítico de arte gráfica do ME da escola flamenga, foi mais longe e afirmou que Malaquias “devolveu o ME às massas” e que este gráfico constitui, pelo seu desprendimento visual, “um sinal claro que os gráficos em linha voltaram ao patamar cimeiro do ME de uma forma estrondosamente forte e clara, suplantando a filosofia estática dos pie charts”. Apesar de tudo, outros críticos não foram tão eloquentes para com a poupança de recursos demonstrada por Malaquias, preferindo realçar a forma “cruel, e, ao mesmo tempo, algo preguiçosa” como o índice de Brent foi representado por Malaquias. O dinamarquês Kurt Svengaard, duma empresa de bolachas de Aalborg, foi o mais acérrimo crítico do trabalho do português, contribuindo para que Malaquias não passasse do 3º lugar. “Esta originalidade conduz a poucos efeitos práticos. Por exemplo, não está claro quais os anos a que se refere o gráfico do índice de Brent. Nem tão pouco se o barril de petróleo está cotado em dólares, como é comum. Não é um gráfico perceptível a quem não esteja familiarizado com os mercados de matérias-primas.”
A medalha de prata ficou reservada para Maurice Lefèvre-Alves, casado com um neto de emigrante português radicado em Lausanne, Suíça, com um portentoso gráfico ME ainda no mesmo estilo do anterior, mas mais elaborado. O cuidado de incluir Portugal, desprezando a “sua” Suíça, não só demonstra o grau de sofisticação inerente ao próprio impacto visual da obra-gráfico, mas também à preparação que esteve por detrás da sua elaboração propositadamente para esta Gala.

“Remete muito para o impressionismo proto-resultadista”, comentou um membro do júri, o francês Cédric Laspalles, contabilista em Le Havre, francamente deliciado com o gráfico que ilustra o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor em diversos locais, desde o Portugal anfitrião até à Europa dos 27, EUA e Japão, num quase arco-íris repleto de espontaneidade criativa e dolência burocrática. “De facto, é harmoniosa a lata de Maurice, ao engraxar desta forma veemente o país onde se desenrola esta Gala… Parece quase um gráfico português dos finais do século XX, que bebe as mesmas influências de irregularidade e continuidade do gráfico de Malaquias. Foi mesmo feito para agradar ao público da casa. Quase que ganhava só por isso. Ainda assim, um soberbo gráfico, muito completo. Admiro particularmente as barras que ilustram a diferença entre a Zona Euro e Portugal; dão outro colorido e acrescentam uma nova dimensão de análise ao gráfico; o contraste entre o positivo e o negativo torna-se evidente”. Já o australiano Bruce Schwaddabadenbeck, ou apenas “Becky”, revelou dúvidas: “O BCE já conheceu melhores momentos, não devia ser a principal fonte de informação para este gráfico… Mas pronto, o Eurostat compensa essa falta de rigor”. Apesar de tudo, “Becky” atribuiu uma boa classificação ao gráfico: “É um bom gráfico sobre um tema pertinente que sempre intrigou todos os bons open-spaces onde se tratam indicadores estatístico-financeiros”. O 1º lugar foi para o misterioso gráfico de Iñaki Urrutia, um basco que não quis prestar declarações. Introduzindo cor de fundo, linhas e barras coloridas, dois eixos das ordenadas, cada um com a sua escala, e um eixo das abcissas que possivelmente representa os meses do ano, o gráfico de Iñaki foi considerado o mais arrojado da Gala. Isso mesmo atesta o único português do júri, Higino Outeiro: “Não há dúvidas: foram utilizadas muitas técnicas do ME, o grafista basco perdeu mais de 15 minutos para completar este gráfico… é uma antítese à naturalidade romântica dos restantes gráficos em exposição, inserido dentro do panorama do expressionismo yuppie de Nova Iorque”. O mistério em torno do gráfico, sobre o que ele realmente representa, parece ter fascinado o público, bem como o próprio júri. O americano Todd Valiens não conseguiu explicar: “Pode ser a produção dual dentro duma linha de montagem combinada com as vendas ou o comércio entre dois países combinado com a pluviosidade mensal… o que torna excitante este gráfico é exactamente isto, o facto de ser deixada ao apreciador do gráfico a escolha do tema”. Esta falta de objectividade não podia ser penalizante para a classificação deste gráfico? Valiens acha que não: “Interessa-me, enquanto júri, o impacto que o gráfico pode gerar junto dos fãs de gráficos e não o seu significado intrínseco. E este gráfico gera emoções que não são reproduzíveis nos gráficos que usualmente são publicados no Financial Times, por exemplo.”Uma menção honrosa coube a este estranho gráfico que chegou às mãos da Comissão Administrativa da Gala. O catalão Josep Bordi explicou. “Foi uma rapariga chamada Paloma que nos enviou este gráfico, dizendo-nos que o pai gostaria de estar presente nesta Gala com uma obra sua, mas que, infelizmente, não sobreviveu o tempo suficiente. Nós aceitámos a sua participação por simpatia, embora este gráfico não tenha muita qualidade”. Higino Outeiro parecia mesmo incomodado com o gráfico em questão: “Isto não é nada, não tem ordenação nenhuma, não há números nem evoluções que se consigam discernir. Parecem gatafunhos pré-escolares!”. O mesmo Higino previu um futuro pouco brilhante para o autor: “Talvez tenha algum sucesso junto de certas tendências surrealistico-analíticas, mas terá de evoluir muito para ser reconhecido nos bons gabinetes”.
A Gala foi um sucesso e a Microsoft ™ (cá está o ™ outra vez…) mostrou-se agradada com a publicidade positiva que gerou com o evento: cerca de 23 pessoas compareceram, 2 delas enganadas. Um sucesso, portanto. Um responsável da organização referiu que planeia repetir o evento no próximo ano, contando que surjam “mais e maiores gráficos”. O sonho deste responsável é receber “um gráfico com conezinhos vermelhos a ilustrar o número de vacinas ministradas na região demarcada do Douro desde 1980”.

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