segunda-feira, novembro 17, 2008

Corpo Depenico

Eu sei que ela tem mau gosto. Ela ainda ouve Iran Costa e delira com a dança do bicho sem estar a brincar. Ela gosta mesmo. E quanto mais o tempo passa, mais devota ela se torna.
E depois ela tem uma boca à Stallone, torta, parece uma porca deformada à espera de um parafuso. Se calhar dá jeito para o sexo oral. Se calhar.
O mau gosto alarga-se a outras vertentes. Não chegava aquele cabelo oleoso, mal penteado e mal apanhado com um elástico imundo; aquelas roupas cor-de-rosa e os mesmos jeans de há dez anos atrás, gastos e rotos, também não eram suficientes. Agora ela colocou uns óculos com grossas hastes avermelhadas… os olhos até são azuis e fortes, mas aquelas hastes berrantes e com um design de imitação vêem-se a uma grande distância, como se ela quisesse chamar todos os touros até si.
É capaz de ser verdade: ela quer que os cornudos venham até si. É fácil de compreender que ela tenha sido traída pelo próprio marido e que agora queira vingar-se de alguma forma. Ela já deve ter sido traída e traído mais vezes do que nós julgamos. Mas isso não é nada de especial. É a vida, é o salve-se quem puder.
Seria giro considerar uma vingança a sério, para variar. Do género trair-lhe com o maior amigo ou inimigo e extrair algum gozo verdadeiro com isso. Porém, ela não tem sofisticação, nem tempo, nem forma física para augurar uma vingança das boas, servidas a frio – ela apenas pode aspirar a aspirar os restos da sociedade, sem sentir demasiado nojo com isso, despachar a coisa com uma automatização quase animalesca. A vingança dela será sempre a quente, gratuita e de baixo nível, com quem aparecer na hora certa, com quem parecer mais errado.
Ela até parece estar mais baixa. Mas, por outro lado, está mais larga – para a frente e para os lados. A flacidez é algo de adquirido, cortesia de dois filhos prematuramente paridos, dois pirralhos que têm a mesma boca descaída da mãe, o mesmo semblante de indignação cigana, a mesma inclinação para o disparate fácil. Aposto que a filha que caminha a passos largos para a adolescência já sonha em ceder o seu corpo por um cigarro. O miúdo já só quer coçar os tomates, ainda antes de chegar à escola primária. Os genes estão lá todos.
Ela vai a caminho do supermercado, repor latas de atum, roer as unhas para cima da maionese, descalçar-se enquanto despacha os fregueses na caixa. E depois vai buscar os miúdos à creche e largar grande parte do seu salário. O marido, um adepto do tunning e da box pirata, já se encontra desde as duas na tarde a aconchegar o estômago com cervejas e Martinis, consumindo um SG Filtro regularmente a cada quinze minutos. Ganhou um jogo de snooker. Perdeu outro. O suficiente para perder a paciência e deixar os filhos à espera.
Mas estará tudo bem à noite, sob a luz incandescente da TVI, batatas fritas e duas bifanas mal-passadas, os miúdos a dormir e o sexo do costume, as banhas a chocalharem-se umas nas outras, as varizes a serem importunadas, nenhum gemido, nenhum sorriso, apenas uma sensação de dever cumprido. Os fluidos irão umas vezes para dentro, outras para fora; na maior parte das vezes não se pensa no depois e com muita sorte não se tem outro filho. Lá vai calhando. O melhor mesmo para o planeamento familiar é estarem ambos zangados ou ele ficar demasiado bêbado para fornicar.
Acho que sei onde encontrá-la. Na paragem da camioneta, esperando pela carreira que vier em primeiro lugar na qual arranja logo lugar sentada. Terá sempre alguma desculpa e maus modos para fazer alguém se levantar. E alguém dirá que não? Apesar de tudo, é uma senhora.

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