terça-feira, novembro 25, 2008

Beto I

- Beto, posso fazer-lhe uma pergunta?
Roberto vira o pescoço na direcção do som. É um tornar de pescoço pleno de enfado, as sobrancelhas lamentam “que maçada!” e a boca engelha-se, revelando o tédio que assola Roberto. Porém, a carreira de Beto, no ano da graça de 2008, ainda não se encontra totalmente arrumada, pelo que não será de bom-tom recusar a atenção do público em geral. Por enquanto, ainda não. Daqui a um ano logo se vê, se calhar já os pode mandar passear à vontade, se ainda tiver o jipe com vidros fumados para fugir deles. Roberto exala então um pesado suspiro e anui.
- Sim, sim, à vontade.
É claro que é mentira. Roberto não está à vontade. Está atrasado para jogar Playstation até que o seu colega chegue com umas meninas lá a casa.
- Beto, você é mesmo beto?
- Sim, claro. É uma alcunha que me persegue ao longo da vida. Já faz parte de mim ser Beto – responde, com naturalidade. Afinal é apenas mais um daqueles fãs estúpidos com perguntas parvas. Roberto faz aquela cara de quem já fumou cinco ou seis ganzas no balneário, um sorrisinho levemente aturdido, pálpebras carregadas e olheiras proeminentes.
- Não, Beto. Eu queria era saber se você é mesmo beto?
- Como assim?
- Beto… assim um tipo sem jeito…
- Não estou a alcançar… – e Roberto começa a pensar que isto é uma brincadeira de mau gosto. Qualquer dia ainda lhe dizem que a sua ex-mulher era um homem. Ou que o Custódio era um tipo porreiríssimo. Ou que o Real Madrid estava mesmo a contar consigo. Ou que os extraterrestres ergueram a Casa da Música no Porto.
- Beto, assim à primeira vista não me parece que sejas o beto que te perguntei se eras… mas pode ser que sejas…
- Ai, então pá? Então não estás a ver que sou o Beto? – Roberto deduz com algum grau de certeza que está a ser vítima de um espertinho qualquer e começa a franzir o sobrolho, pronto para cuspir insultos e mandar um banano ao tipo. Como se ainda fosse um capitão de equipa que, na sua mente, nunca deixou de ser. Marcava-lhe já um livre directo com a ponta da bota nos dentes do espertinho e… toma lá que é fresquinho!, a ver se aprendes a respeitar o Beto – Eu sou mesmo o Beto, pá! – diz Roberto, puxando dos empoeirados galões que ostenta algures na sua imaginação.
- Ó Beto, o que eu quero saber é se te consideras mesmo um beto… daqueles de Cascais… com sapatinho de vela e cabelo que foi ao barbeiro dentro de uma forma de alumínio… com um gosto execrável para a moda… filhinhos do papá que adoram pólos de râguebi…
- Ah!!! – Roberto percebe e condescende – Ah, estou a ver…
- … daqueles tipos que exibem três nomes ou um nome estrangeiro que fazem questão de mostrar em cada ocasião para mostrar que são os maiores… que têm um carro de alta cilindrada logo aos 18 anos…
- Sim, sim, claro…
- … daqueles tipos que nunca precisaram de fazer fretes na vida porque os papás sempre lhes deram tudo… daqueles tipos que não vivem sem que a empregada lhes faça tudo e mais alguma coisa…
- Pois, pois, certo…
- … daqueles tipos que gostam de touradas só porque é giro gostar da tradição… e que tratam por você toda a gente… e que só admitem ser chefes…
- Já percebi, já percebi…
- … daqueles tipos extremamente presunçosos que só se dão com outros amigos betos e cujas gajas só estão com eles pelo dinheiro e pelo facto de poderem andar a cavalo…
Roberto sofre um clique:
- Eh pá… a Filipa gostava de andar a cavalo? Foi por causa disso?
- Se calhar, pá… se calhar…
- Esquece, esquece… deixa lá estar… – a mágoa percorreu Roberto, estava a delirar, ia marcando um auto-golo. Recompôs-se rapidamente.
- Afinal és beto ou não, Beto?
- Bem… julgo que não. Creio que a maior parte dos betos que referes são do Sporting, mas nem todos os sportinguistas são betos. Eu, por exemplo, sou só Beto de nome.
- Então e como é que te defines?
- Eu sou mais do estilo metrossexual tímido. Ali entre o Beckham e o Rui Patrício, mais ou menos.
- Se é assim… Ainda pensei que fosses mesmo um beto… Não achas que podes criar um conflito na mente das pessoas? Todos nós pensamos que és beto… senão não te chamavas Beto, que é uma alcunha assim a atirar para o rasco… chamavas-te Berto, ou Róbi, ou Sr. Filipa de Castro…
- Sr. quê?!? Como assim? – Roberto abespinha-se: o cabelo espeta-se ainda mais, mesmo sem recurso ao gel, as tatuagens de Roberto incendeiam-se de fúria, agora é que vai sair um carrinho destravado aos tornozelos do engraçadinho, ai isso é que vai – Ouve lá, pá, a minha mulher…
- Ex.
- … a minha ex-mulher não é para aqui chamada, ouviste? Não sei nem quero saber nada sobre ela!
- Ai não?
- Não!
- Então deixa estar, já não quero saber se és beto ou não. Sempre pensei que a Filipa andou contigo só por causa de seres um beto, Beto. Se já não sabes nada dela, já não me interessas. Vou tentar saber mais sobre ela noutro lado.
Roberto fica com dúvidas sobre a sanidade mental do adepto e demonstra a sua costumeira expressão de reprovação e repulsa com que amiúde confrontava os árbitros. O fã ainda mete mais conversa:
- Mas, por outro lado, ainda bem que não és beto, Beto. Os betos são muito mal vistos. Mesmo se o Beto do Leixões se ande a safar.
- Boa, boa, porreiro – disfarça Roberto, a ver se o amigo já lhe mandou alguma mensagem para o telemóvel.
- Achas que é ele que agora anda com a tua mulher? Ou será um beto qualquer do Estoril, tipo Soares Franco? Ou um dos filhos dele? Ou se ela já se cansou de Betos e de betos? Será que ela agora prefere bêbados broncos do Benfica? Não sabes mesmo nada sobre a tua mulher? Aquele par de mamas não pode andar à solta! Como é que deixaste que ela fugisse?!? Vá lá, vá lá, conta-me tudo! Eu quero saber!
Roberto tomou balanço, cerrou os lábios e disparou uma cotovelada que só parou no crânio do fã. Cá vai disto! Uma pessoa pode perder alguma dignidade durante a sua vida, pode perder a sua mística e o seu brilho… mas nunca perde o jeito que lhe imortalizou. Foi uma cotovelada galáctica, todos o disseram. Está em forma, o Roberto.
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Apesar de neste post poder ficar a ideia de que tenho algo contra a Scarlett, não é verdade – se lerem com atenção, até notam que não me importava nada que ela me piscasse o olho. A minha crítica visava essencialmente o empolamento unânime que os “paineleiros cinematográficos” e afins fazem da miúda, como se não houvesse nada melhor que esta estrela de cinema.
Para mim, há – em termos meramente físicos, entenda-se. Inclusivamente, há portuguesas de muito bom nível que se tivessem o marketing da Scarlett, um Woody Allen qualquer por trás, poderiam tornar-se num caso sério. E esta até é do Sporting. E, por acaso, não é a minha vizinha, mas é uma modelo com alguma projecção – doutra forma, nunca a veríamos nestas poses.
Isto não coloca em causa o que se deve reter do meu ponto: existem muito mais cidadãs anónimas (e também do Sporting, que funciona como uma espécie de selo de qualidade extra) com condições para nos encher o olho como a Scarlett ou como a Vanessa.
PS: Agora que já inventei uma desculpa para pôr estes links, devo confessar: não gosto das tatuagens no pé e a Scarlett dispensa silicone, mas pronto; pormenores são pormenores.

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