segunda-feira, novembro 06, 2006

O Metropolitano em Terras de Bouro

A grande novidade do momento é a chegada do Metropolitano a Terras de Bouro. Durante anos, a vila minhota ansiou pela concretização deste projecto essencial para a sua própria sobrevivência. Prometido pelos diversos executivos que ocuparam os cargos do Governo e da autarquia local ao longo dos anos, hoje foi finalmente inaugurado o primeiro troço, de Santa Eufigénia até Escroto de Boi, com a extensão de 5,5 quilómetros.
O presidente da câmara partilhou connosco a sua satisfação:
- Quero assinalar, neste dia grandioso para a nossa população, que esta obra só foi possível graças ao esforço e empenho destas gentes maravilhosas da nossa querida e estimada vila e também ao meu cunhado, que por acaso é secretário de Estado em Lisboa. A todos vós, o meu grande bem-haja.
O vereador sem pasta preferiu salientar os benefícios que resultam do Metropolitano em Terras de Bouro:
- Não podemos esquecer o enorme potencial de escoamento de estrume, animais e mesmo de alguns quilos de leguminosas que o Metropolitano possibilita. Em menos de 3 minutos, o agricultor pode levar o seu bode, ou mesmo uma saca de batatas, ou os dois, se conseguir, desde a estação de Farelos Molhados até às Picheiras. Por apenas 50 cêntimos, evita-se todo o trânsito da vila, nomeadamente as carroças e as motorizadas Famel Zundapp, poupando-se tempo e evitando confusões. É uma obra fantástica.
Pela tarifa única de 50 cêntimos, o Metropolitano estará acessível a pessoas, animais e cargas que não excedam os 200 quilos. Mesmo qualquer terrorista perdido que queira gasear as instalações do Metropolitano será bem-vindo, se conseguir atrair as atenções e turismo para a vila. Desta forma, Terras de Bouro passa a ser a vila com o sistema de transportes mais liberal de todo o noroeste de Portugal. Apenas serão penalizados, com uma coima que pode ir até aos 50 euros, os arrotos injustificados durante a viagem, segundo o regulamento. Quisemos saber porquê.
- Ah, não ligue a isso, tínhamos que proibir qualquer coisa de modo a que não pensem que isto é a bandalheira total. A história dos arrotos foi o Zé do Chiqueiro que propôs, achámos graça e ficou. Não se preocupe, se o bafo cheirar a álcool está justificado o arroto. Como vê, é mais uma formalidade do que outra coisa.
A generalidade da população aprova o empreendimento ora estreado.
- Isto é uma grande alegria. Estivemos muito mal, o campo não nos tem dado nada com a falta de chuva e o empobrecimento dos campos, mas agora o Metropolitano veio salvar-nos, graças a Deus. Sabe Deus quanto eu rezei para que houvesse alguma coisa que fizesse crescer as couves lombardas e as batatinhas… e agora foi de vez! Foi o melhor que podia ter acontecido.
Nós questionámos se esta pessoa estava ciente do que seria mesmo o Metropolitano.
- Vocês vêm lá de Lisboa e pensam que sabem tudo e que os outros são parvos, mas a mim não me chamam parvo! Ora essa, é preciso ter descaramento para perguntar uma coisa dessas! Eu, que estudei na Suiça, sou ávido leitor de Kant, Sartre e Popper, aprecio as árias de Verdi e Bach, consumo arte de Monet e Matisse e cavo alfaces e cenouras de Segunda a Sábado, a ser confrontado com esta ignomínia!... Não, por acaso não sei bem, mas acho que é um regador gigante com rodas, que apita e deita adubo.
Com 12 paragens previstas inicialmente, o traçado não reúne o consenso. Se há alguns que vêem com bons olhos as oportunidades que renascem com o Metropolitano…
- Ah, é muito bom!... Há quase 3 anos que deixei de sair de casa para cultivar o campo e só ia à taberna por causa da falta do Metropolitano… Foram tempos duros, só vivendo com a reforma de 3000 e poucos euros do exército e espancando a esposa para ver se o tempo passava melhor… mas agora que abriu a estação da Mosca Chata mesmo à frente da minha casa, já posso espancar a minha mulher na praça de Terras de Bouro.
…outros lamentam a opção de terminar a linha em Escroto de Boi, deixando as pessoas mais a leste, como é exemplo o lugar de Milheiral-o-Novo, fora do caminho do progresso.
- É sempre a mesma coisa! Uns são filhos e outros são enteados! Eu por acaso sou órfão, mas não há direito do Milheiral-o-Novo ficar de fora se o Escroto de Boi tem Metro! O Manel Diospiro, que eu conheço bem, mora no Escroto de Boi e pode levar os seus garrafões à vontade porque tem o metro a 50 metros do quintal e eu tenho de andar, no mínimo, 200 metros, isto se alguma das minhas cabras não se perder pelo caminho. Isto só é possível num país onde domina o compadrio e o favorecimento de alguns indivíduos! Eu paguei 1000 euros ao engenheiro e o Manel Diospiro pagou 500 euros e 10 garrafões de aguardente reles e ele é que fica com a estação! A porcaria é a mesma de sempre!
A opção de fazer o interface na estação de Santo Ambrósio ao invés da mui concorrida estação de Centro de Terras de Bouro É Mesmo Aqui Não Ande Mais É Aqui Que Você Deve Sair também não escapou às críticas.
- Essa é outra. Quer dizer, eu, que vou todas as noites das Picheiras até à Vacaria Grossa para ver as meninas, tenho de ir no ramal 1 até ao Escroto de Boi e depois voltar para trás no ramal 2 até Santo Ambrósio, demorando quase 20 minutos, quando se houvesse logo correspondência em Centro de Terras de Bouro É Mesmo Aqui Não Ande Mais É Aqui Que Você Deve Sair demorava apenas 15! E se fosse a pé demorava só 10 minutos! Com a minha idade, gasto muita energia nestes transbordos e depois não sobra nada para as meninas! Estes doutores andam a brincar com o povo… mas pronto, isto com o tempo vai lá.
A empresa pública responsável pela exploração, a METERRA, fez saber, pela voz do ministro da tutela, que o objectivo é fazer do Metropolitano de Terras de Bouro a maior amálgama ferroviária urbano-rural-humano-animal-mercantil-civil do norte português, “depois do híbrido eléctrico-comboio-metro do Porto, que ainda me faz corar de vergonha”. Sublinhou a importância da obra e desvalorizou o repúdio da oposição, que apontou irregularidades no processo e acusou o executivo de despesismo fútil. “Tudo atoardas de pessoas sem formação”, reagiu o ministro enquanto cuspia no chão.
Ambicioso, o ministro revelou ainda que está satisfeitíssimo por ter sido um “sucesso a todos os níveis” este projecto de transporte simultâneo e subterrâneo de pessoas, cargas e animais, registando com agrado o facto da sujidade dos porcos sair com facilidade dos bancos, graças a um material especial concebido pela Universidade de Aveiro. Como nota final, o ministro formulou os desejos para que, em 2020, “este seja o transporte preferencial das pessoas a norte do Tejo, com cerca de 40 milhões de pessoas e cabeças de gado de tráfego por ano e 200.000 postos de trabalho gerados directa, indirecta e artificialmente”. Oficiosamente, contudo, sabe-se que o crescimento será lento e que em 2020 a linha deverá apenas crescer até ao quintal da Sra. Arminda, no Bocafastal, ficando a ligação Lisboa – Terras de Bouro concluída, segundo a opinião especializada de alguns engenheiros optimistas e de outros alcoolizados, por volta do ano 2500, se entretanto Portugal ainda existir.

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