domingo, abril 15, 2007

Entulho

Posso bem com as masturbações dos outros. Mas não tolero as minhas masturbações mentais. Por todo o lado, pinceladas amarelas toldam-me o raciocínio. Guardo um orgulho secreto pelo meu entulho. Toneladas de fantasias recauchutadas deixadas ao abandono. Posso bem com as escoriações amorosas que vos são infligidas. Mas não aguento que me remexam no entulho. Não há entulho como o primeiro. As minhas paixões são resíduos facilmente inflamáveis, rastilhos de palha seca e de sangue efervescente incinerando-se em céu aberto. Atingiram-me um nervo que apodrecia por detrás da minha máscara feita de panos sujos e frutos calcinados. Aturo bem as minhocas que proliferam nos vossos corações e que rompem com a vossa carapaça de serapilheira. Mas não suporto que pilhem a escória que tão cuidadosamente armazenei no meu baldio. Recebo a poluição sem explicação. Existe um esgoto que liga directamente as suas bocas aos meus tímpanos. Parece que estou condenado a acomodar os efluentes das vossas almas. Vejo abutres e eles esperam algo de mim. Os espantalhos apertam-me os neurónios. O silêncio ensurdece-me a vista sobre o meu entulho. Filtro o cloro dos meus olhos e entrego-os ao sol. Nem me importa o ultraje da vossa patetice. Não quero saber da vossa felicidade malhada tipo ferro quente. Quero um camião de lixo despejado por cima do meu amor. Quero desfazer-me da réstia de dignidade que me resta em horário nobre. Há que implantar mais gorgulho no meu entulho. Entre farinha e farelo, pretendia ser a mó. Ao invés, esmago-me contra as paredes da conveniência. O status quo espezinha-me em migalhas de subhumanidade. Respiro por um tubo de escape e congrego salitre nos meus olhos. Partículas de fumo químico envolvem o meu horizonte. O filtro já não côa. Coou demais, cedo demais. Agora faz parte do meu entulho. Quero dois pulmões bem sujos para absorver a salubridade dos dejectos que se amontoam em redor. Tenho vontade de me inquinar numa piscina de enxofre aquecido. E depois oferecer-te uma flor. Qualquer uma que me deixe exigir-te algo em contrapartida. Não pensem que o lixo se livra assim, despejando-o no caixote mais perto. A vossa porcaria não me importa, mas a minha nunca passará impune. O meu entulho é um amigo que devo bem tratar e nunca partilhar.

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