segunda-feira, abril 30, 2007

Teodoro, Ou Como Se Ganha a Vida Denunciando a Destruição de Ninhos de Cegonhas

Teodoro. Uma no cravo e outra na ferradura. Orgulho nacional sombriamente recolhido lá para os lados de Alcácer do Sal. Fervor e ecologia. Tempo livre e bizarrias. Teodoro não gosta de jogar às cartas no jardim. Embirração e sisudez. Teimosia e curiosidade. Teodoro não trabalha. Não estuda pelos livros, estuda pela vida.
- Estas aves não mudam de parceiro, não mudam de casa – confia-nos, com a sedução ornitológica impregnada na sua voz.
Fidelidade e admiração. Culto e devoção. Teodoro dedica-se à observação de cegonhas. As aves que trazem bebés de Paris. Espécie protegida até ao tutano. Podemos sacrificar vilas e cidades inteiras. Mas não o ninho da cegonha. Preservação e conservação. Prioridade e primazia. Teodoro. Onde haja um poste de alta tensão à beira da auto-estrada, estará Teodoro com os seus binóculos, recolhendo fragmentos da intimidade das cegonhas. Olhos alertas. Espionagem e voyeurismo. Cuidados e cautelas.
- Eu processo quem ousar chegar perto dos ninhos. Esses malandros da EDP já me conhecem.
Na EDP, efectivamente, todos conhecem Teodoro. Também na REN, na Quercus, em vários Institutos nacionais. Lá vai Teodoro. Mais uma atrocidade cometida contra as cegonhas – desta vez, queriam mandar abaixo um poste ferrugento junto ao rio Sado. Não pode ser. Inquietação e indignação. Processos e manifestações. Não interessa se o poste iria servir para melhorar a vida de 15.000 pessoas, no mínimo. Não. Interessa que iria prejudicar uma família de cegonhas. E depois, onde estaria a imagem da harmonia familiar, donde viriam os bebés, quem iria tratar dos peixes e lagostins do rio? Denúncias e exposições. Mediatização e consternação.
- Não podia deixar passar em claro – explica-nos Teodoro – Na 3ª feira, lá pelas 5 da manhã, levantei-me para ver como estava a família do 4º poste a contar da ponte, umas cegonhas porreiras, pássaros elegantes e bem formados. E dei de caras com uma equipa furtiva de engenheiros a fazer marcações. Aproximei-me. Os tipos, surpreendidos por verem alguém por ali àquelas horas, borraram-se logo todos. E eu, “Então, o que estão para aí a medir? É bom que não tenha nada a ver com aquele poste… Sabem porquê?”, e os gajos, todos acagaçados, já a quererem fugir, a gaguejar, lá sabiam porquê, “Por causa das cegonhas?”, responderam a medo. E eu disse-lhes, “Ah, pois é. Digam-me para onde trabalham e vou processá-los por atentado contra a Natureza”. E assim foi.
Obstinação e raiva. Amor e princípio. As cegonhas sentem-se seguras. Policiamento e segurança. Por amor à Natureza, Teodoro já impediu várias urbanizações, linhas de transporte eléctrico renovadas, campos de golfe, fábricas, bordéis, escolas de arte plástica, um novo campus universitário, tanta coisa que já não se lembra. E tudo porquê?
- Pelas cegonhas. E também pela publicidade. É que depois de ter impedido tanta coisa, não sei porquê, as coisas não se desenvolvem cá pela terra. É só coisas antigas lá na vila, as pessoas fogem daqui, fogem de mim, inadvertidamente fiz com que dois amigos meus falecessem numa discussão acalorada com a minha bazuca de bolso, tenho de combater a modorra, apesar do número de cegonhas ter crescido bastante nos últimos tempos e do meu trabalho de observação ter aumentado das 12 para as 14 horas diárias, excepto ao Domingo. Ah, e cerca de 20% das indemnizações que recolhi foram para mim. Sim, também pelo dinheiro. Nem todos os seres são perfeitos. Só a monogamia das cegonhas, claro, isso não falha. Animais fantásticos!
Fantasia e realidade. Teodoro. O inquinador de projectos. Espalha-brasas inveterado. É esta a sua vida. Vivam as cegonhas, viva Teodoro, vivam as forças de bloqueio. Em prol de qualquer coisa superior. Pode ser essa ave migratória, fomentadora da natalidade. Liberdade e acusação. Determinação e caricatura. Loas a Teodoro.

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