segunda-feira, abril 16, 2007

Uma Não-Notícia

Hoje foi um dia particularmente pouco buliçoso no Aeroporto de Faro. Não aconteceu:
- Despenhamento do avião proveniente de Sheffield, com chegada prevista às 15:50, com 85 passageiros bêbados a bordo. Muitos deles envergavam a camisola da selecção inglesa no momento da aterragem, que ocorreu sem problemas. Depreendeu-se, portanto, que fossem ingleses, embora um ou outro pudesse ser galês e estivesse já muito confuso. Não houve nenhum problema mesmo, nem com a cor da pele dos passageiros, já previamente equipados com uma tonalidade tipo camarão com que costumam enfrentar o sol. Pronto, talvez tenha morrido um passarito ou outro despedaçado pelas ventoinhas do aparelho. A companhia aérea em causa, uma transportadora “low-cost” sedeada nas Antilhas Holandesas, já declinou responsabilidades em eventuais danos causados à fauna local. Os passageiros, após derrubarem meia dúzia de canecas, dirigiram-se para apartamentos hoteleiros no eixo Albufeira-Tavira. Ou só Albufeira, talvez. Onde haja música alta e se possa aproveitar uma longa “happy hour”, para ser mais rigoroso;
- Malas extraviadas nos tapetes. Toda a gente não esperou mais de 10 minutos pela sua bagagem, sem se perder alguma, para desespero dos repórteres que precisavam de fazer uma peça sobre os clichés portugueses, subordinada ao tema dos atrasos e esperas. Tudo correu bem. Nem uma queixa. Quer dizer, houve uma situação. Um responsável pela secção das reclamações apresentou queixa por “manifesta falta de preparação para dias sem queixas” a si próprio, levando cerca de três horas a tranquilizar-se a si mesmo – as quais dedicou a jogar freneticamente Copas e Minesweeper. Em ambos não conseguiu averbar uma vitória sequer, tal o nervosismo provocado pela falta de stress. O stress, recorde-se, já antes o levara a vencer um jogo de copas sem apanhar nenhuma copa e derrotando todos os outros três jogadores em simultâneo, bem como a vencer o Minesweeper – Nível Especialista em apenas 147 segundos. Esse responsável acabou por confidenciar “isso só aconteceu uma vez, quando fiz esperar 52 pessoas durante cinco horas”;
- Ameaça de bomba dirigida à torre de controlo. Enquanto se aguardava por uma ameaça terrorista árabe credível, os controladores aéreos passaram o tempo a jogar às cartas e ocasionalmente ao bate-pé. E, de vez em quando, lá ajudaram um avião a aterrar, entre suspiros de tédio. Uma técnica de sistemas informáticos, alegadamente, deu um linguado no seu colega responsável pelo radar. Ele foi o próprio a confirmar a situação, mas ela negou veementemente, dizendo que ele pedira um 6 (um chocho) e não um 9 (um linguado). Pelo meio, uma empregada de limpeza moldava foi “forçada” a participar e chegou mesmo a mostrar as cuecas, para gáudio da equipa que aterrava o avião da Ibéria nesse instante. Foram os próprios indivíduos controladores que colocaram as aspas no verbo “forçar”, preferindo enfatizar a competição renhida do jogo de Uno que disputaram;
- Tráfico de droga detectado nos controlos. Nada. Nem um grama de haxixezito para amostra. Apesar da fé depositada num estranho indivíduo de dentes dourados, calças brancas, óculos escuros e na sua companheira com 50 kg. de bagagem provenientes da Colômbia, nada de especial fugiu às declarações. Pelos vistos, esse homem trazia apenas plantas medicinais e alguma farinha Maizena e o controlo aceitou as justificações, sem esconder a sua desilusão. “Temos um mecanismo que detecta cocaína em todo o lado, desde o interior das meias até às profundezas do estômago. Conseguimos inclusivamente vislumbrar qual foi o almoço do dia anterior, se o indivíduo em questão não tiver um metabolismo muito acelerado. Tanto investimento para nada… os traficantes fugiram de Portugal! Uma vergonha! Já nem somos atractivos para os senhores da droga, o Sócrates que ponha os olhos nisto”. Quando indagado sobre a redução do tráfico de droga nos aeroportos internacionais portugueses, o responsável pela segurança adiantou que “é de facto lamentável que não se criem condições para que os traficantes apareçam. Podiam colocar aqui um agente à paisana à espera nas aterragens com um cartaz «Droga da Colômbia – por aqui». Mas não. Primeiro a administração pública de Lisboa e só depois nós. Temos tudo pronto para os apanhar e eles não aparecem, preferem vir de barco. Assim nunca teremos direito aos nossos 15 minutos de fama”.
Tinha de acontecer algo, contudo; portanto, procedeu-se à detenção de um passageiro em trânsito para Málaga, proveniente de Joanesburgo. O referido indivíduo apresentou, segundo uma fonte policial, “um bafo insuportável a pasta de dentes”, que logo o levou a ser colocado de parte pelas autoridades. Depois, para agravar a situação, o seu cinto de metal apitou nos controlos, levando a equipa de piquete da policia a intervir. Os cães do piquete rosnaram de forma ameaçadora à chegada, adensando as suspeitas sobre o indivíduo, que afirmou ter 2 gatos em casa que costumavam ronronar em torno das suas pernas. Pouco convencida da autenticidade das suas declarações, a polícia exigiu que o indivíduo tirasse o cinto e, para que nada passasse em claro, as calças também. Quando o indivíduo tirou as calças, revelou uma roupa interior de uma marca cujos artigos são usualmente encontrados nas feiras da região. As autoridades pensaram imediatamente tratar-se de um produto contrafeito, embora o indivíduo tenha referido que não esteve em Portugal desde os seus 7 anos, algo que não convenceu as autoridades. Cientes que precisavam de alguma coisa com maior impacto para deter o indivíduo e possuir uma coluna no jornal semanal do Barlavento algarvio, as autoridades passaram em revista o documento de identificação do indivíduo e verificaram que este possuía várias falhas consideradas graves, a saber: inexistência de acentos ortográficos (embora não se aplicassem à situação); fotografia desactualizada (o indivíduo tinha o cabelo uns dois ou três dedos visivelmente mais comprido na foto e foi incapaz de replicar o mesmo sorriso parvo da foto, queixando-se que o cão polícia bafejava muito perto para que pudesse sorrir) e inexistência de detalhes sobre os irmãos (que o indivíduo afirmou ter; mais concretamente, declarou ter 5 irmãos e 3 irmãs, sendo que nenhum nome figurava no passaporte, embora tal aparentemente não fosse necessário). Este, segundo a polícia, foi o motivo chave que deteve o exasperado sul-africano perante os flashes das câmaras e o brilho dos telemóveis.
Indagou-se se seria mesmo um motivo válido para deter um indivíduo. As autoridades não tiveram dúvidas: “Porque não? Ainda agora, ali atrás, deixámos passar um homem com 24 garrafas de whisky, 30 volumes de tabaco e uns quantos animais predadores em vias de extinção, por ter declarado que tinha uns irmãos cá em Portugal e que eram umas prendas para lhes oferecer. Deixámo-lo passar, enternecidos pela honestidade e verificando que, à parte do tigre branco, eram tudo coisas inofensivas e sem maldade alguma. Quando as coisas são explicadas, com fundamento, nada se passa. Agora, se tentam armar-se em espertos… sai-lhes o tiro pela culatra. Vejam bem, 8 irmãos e não dizia nada à gente… é preciso ter lata”.
Foi um dia com motivos jornalísticos interessantes, afinal. Ficou aprazada uma nova visita dos jornalistas lá mais para o Verão, quando as notícias começarem a rarear. As autoridades prometeram fazer o melhor para não desapontar quem lhes pode dar um espaçozito num meio de comunicação social.

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