quarta-feira, outubro 17, 2007

Eu Gosto do Sorriso do Meu Coveiro

Acho imensa graça ao maroto. O tipo é um bem-disposto, risonho, uma excelente companhia, pelo que me é dado a entender. Parece-se com um actor. Se calhar até é. Dizem-me que todos os tipos do crédito imediato são maus; com efeito, chegaram-me aos ouvidos relatos pouco recomendáveis dos feitos de tais personagens, gente que passou momentos de intensa aflição à conta deles, por neles ter confiado; gente que penhorou haveres e projectos futuros por não ter sabido controlar a sua ganância. O Sr. G., um chato de primeira, desencorajou-me fortemente a não cair na cantiga. Eu julgo que ele terá inveja de mim e que ele é um grande ingénuo. Mas eu não acredito ser assim. Cá para mim, só me dizem isso que é para eu não ficar tão bem como eles. Eu já os topei, sou mais esperto do que eles pensam.
Então o tipo diz-me: “quer pagar rápido ou devagar?”. Vejam bem a fineza. A elegância. A solicitude. Na maior parte dos bancos, eu pago e calo com as trombudas e rígidas prestações que não escolhem outro momento que não aquele que foi pré-definido, seja ele dia santo ou não. Aqui, não. Além do mais, posso escolher pedir até sabe-se lá quantos mil euros. De uma só vez. Espectacular. O tipo ainda se despede com um “do que é que está à espera para concretizar todos os sonhos da sua vida”?
É verdade que até tenho sonhos. Molhados e secos; leia-se, uma grande viagem com praia e sem praia. Mas isso fica para mais tarde. Nenhum dos meus sonhos é demasiado grande. Ao contrário de muita gente, eu sei controlar-me. Se tivesse de desenhar os meus sonhos num alvo de parede, nunca arriscaria colocá-los no centro, na confluência das grandes ambições, mas sim na periferia, na zona mais acessível e na qual se ganham uns pontinhos que, bem amealhados, fazem uma boa figura. Não tenho capacidade de ser crocodilo, sei disso; mas, se me alimentar criteriosamente, poderei ser uma lagartixa ainda maior.
Por isso, quero um telemóvel melhor que o do Sr. A.; um LCD maior que o da Sra. B.; um computador, mais impressora, ecrã, câmara, colunas e scanner para o miúdo não se queixar que não lhe dou nada e que o filho do Sr. C. é que tem tudo à maneira; preparar o casamento da miúda, pois ela sempre sonhou com isso, todas as suas amigas se casam e, embora o meu futuro genro seja um parvo, ela merece um casamento bombástico; umas roupas novas para a patroa não amuar e para ela possibilitar-me sexo casual com regularidade; umas jóias para a sogra não me aborrecer mais com as suas lengalengas; mobiliário de sala novinho em folha, que o Sr. D. já fez isso e a sala deles ficou um mimo, sendo que os meus móveis já têm todos mais que cinco anos; já agora, aproveito e pinto a casa toda de novo, pois o meu vizinho, o Sr. E., também já fez o mesmo e insiste para que façamos o mesmo. Isto e alguma coisa mais que por agora não me lembro.
São coisinhas pequenas, como se vê. Não peço carros, nem casas, nem mesmo viagens. Só estas pequenas mordomias chegam para me fazer feliz. Não há-de ser nada. Lá pela patroa receber o salário mínimo e eu pouco mais que isso, não significa que não possamos ser felizes como todos os outros. O Sr. F., meu grande amigo, diz que está tudo bem com ele – ele só precisou dum telefonema e teve logo dinheiro fresco para comprar uma máquina de café, daquelas todas modernas. Ou lá o que era. Gaba-se muito das suas aquisições e necessito de ter algo para lhe responder à altura. Já o Sr.G. diz-me para não me meter nessas cavalgadas, mas eu nunca gostei muito dele. O Sr. G. vive num prédio asqueroso e tem mau aspecto, raramente é simpático, por isso não nunca me fio por ele.
Depois, olho para as taxas: na ordem dos 20 e 30 por cento. Bastante razoáveis. Eu não percebo muito de números, era tão sofrível a matemática que escolhi ir para línguas e mesmo assim não aprendi a falar francês convenientemente. E não acabei o 11º ano. Mas, vamos lá ver, 70 ou 80 por cento é que é um número alto, não é? 20 e 30 por cento parece-me muito simpático. Então peço o máximo. Disseram-me “com certeza, Sr. Firmino!”, e eu tenho quase a certeza que era o Fernando Mendes a falar. O tipo d’ “O Preço Certo em Euros”. Euros é com ele. Ele até parece um mealheiro. Um tipo porreiro, nada pode correr mal.
Já tenho o dinheiro comigo. É muito dinheiro, mais do que eu e a patroa ganhamos em 3 ou 4 meses. O miúdo está deslumbrado. A miúda já escolhe vestidos de noiva por catálogo e quintas deslumbrantes para o copo-de-água. A patroa em estado de euforia. Até a sogra não reclamou. É dinheiro rápido, é dinheiro fácil, adoro esta sociedade de consumo. Vou poder ser como os outros colegas. Vou ser feliz. E vou poder exibir todo o meu estatuto diante desse Sr. G., que é para ele calar-se duma vez com essa história do “coveiro”.
Que ideia. O tipo do crédito é uma jóia de pessoa. E agora vou estourar o dinheirinho, esfregar as mãos em novas mercadorias. Quando tiver de pagar tudo de volta já serei uma pessoa mais feliz. Afinal, o que é que pode correr mal a este humilde endividado?

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