segunda-feira, outubro 29, 2007

Um Grande, Grande Homem


Donato Gervásio Timoschuk Varejinha (1942 – 2007), mais conhecido por Tó Quim, foi um renomeado estadista, jurista, filólogo generalista, carpinteiro, farmacêutico, ensaísta, cientista, animador de festas infantis e igualmente o mais temido líder de uma série de quadrilhas sanguinárias – papel no qual utilizou o seu pseudónimo Zé das Bombas. Consta que em 1965 também chegou a ser um gás raro posteriormente sublimado, de forma definitiva, num ser sólido, embora tal tenha sido desmentido pelo próprio nas suas memórias.

Origens – Tó Quim talvez tenha nascido a 15 de Fevereiro de 1942, em Carrazeda de Ansiães, filho de um amolador incógnito e da padeira local, Maria das Dores Timoschuk, mas pode ter simplesmente aparecido do ar por volta do mesmo ano e caído nos braços de Maria Timoschuk. Da mãe herdou o gosto pela confeitaria e pela cozinha, do pai tudo o resto, incluindo o apelido “Varejinha” e um pénis extraordinariamente curvado para a direita quando erecto. Criança precoce, em 1946 escreve o seu primeiro “Tratado Sobre a Arte de Bem Levedar o Pão”, que recebe menções honrosas no III Certame Internacional do Papo-Seco de Bruxelas e é imediatamente inscrito na lista das grandes obras de gastronomia enciclopédica, segundo classificação da École du Pain et de la Belle Baguette de Perpignan. A redacção original do Tratado viria a ser utilizada pela sua mãe para forrar os tabuleiros do pão e ocasionalmente como combustível do forno a lenha. Tó Quim não esmoreceu e, logo em 1948, volta a arrasar a crítica familiar com um ensaio para crianças sobre o efeito do isolamento na psique humana, com profundas análises neurologicamente comprovadas, incluindo descrições impressionantes da regressão da massa cerebral nos homens e mulheres com mais de 50 anos das zonas beirãs com fraca incidência da luz solar. Após este ensaio, Tó Quim deixa a sua Carrazeda de Ansiães natal, francamente desiludido com a pouca receptividade intelectual do meio, e ruma até Alter do Chão, onde espera cativar a comunidade científica. Por volta desta altura, Quim Zé começa a pintar o cabelo de roxo, algo que seria a sua imagem de marca até inícios dos anos 70. É em Alter do Chão que Tó Quim desenvolve o gosto pela política, desde Marx a Oakeshott, e também o gosto por lingerie usada de mulheres obesas e quarentonas.

Juventude – Tó Quim foi um jovem amargurado pelas vicissitudes da vida, que cedo o desterraram para paragens remotas. Em Alter do Chão, com vista a debelar a saudade e as primeiras reacções hormonais, concebe um plano militar para conquistar toda a África subsariana. Embora louvado pelos grandes generais do seu tempo, o plano é guardado na gaveta. Em 1953, e já com o seu primeiro livro dedicado à botânica alentejana publicado nas províncias ultramarinas, Tó Quim dá o seu primeiro beijo, curiosamente à sua prima. A ternura e a inocência típicas da adolescência marcaram-no definitivamente: “Não resisti ao apelo”, confessou nas suas memórias. “A tipa era gorda e isso dava-me uma tesão do caraças. Para mais, sendo levemente incestuosa, só a possibilidade de haver uma relação timidamente sexual encheu-me de ganas”. Em 1954, Tó Quim parte uma perna ao saltar de uma azinheira, em condições misteriosas. Tó Quim afirmou durante muitos anos que teria sido o seu grande inimigo, Manuel Churchill das Neves, a empurrar-lhe da árvore e a causar-lhe esta maleita que o fez coxear durante décadas, após aliciar-lhe com um pouco de vinho; porém, após das Neves ter doado cerca de 500 mil euros (em moeda actual) no célebre comício de Rio de Mouro em Abril de 1984, em nome da “boa amizade”, Tó Quim admitiu ter estado apenas “bêbado como um cacho”. Em 1958, já um pouco farto da monotonia de Alter do Chão, Tó Quim matricula-se finalmente na escola para aprender a ler e a escrever, embora tivesse já um plano de domínio do mundo, cinco tratados internacionais e uma dúzia de publicações sob a sua égide. Cansado de picotar e de fazer bonecos de plasticina, Tó Quim abandona a escola ao fim de 4 dias, publica o célebre manifesto sobre crianças desdentadas, inventa o primeiro mata-borrão pacifista do mundo e descobre a cura para o então inexistente SIDA, de uma forma tão inacreditável que ninguém acreditou mesmo, tendo a fórmula sido atirada para o lixo por alguém que hoje estará muito arrependido. Com o título de campeão do berlinde regional no bolso, Tó Quim percebe que é finalmente tempo de dizer adeus a Alter do Chão em 1960. Mas devido a dificuldades perceptivas e cognitivas, Quim Zé demora muito tempo entre o acto de dizer adeus e a partida efectiva, que só acontece em Março de 1962. Entretanto, escreveu a sua primeira música, uma balada sugestivamente intitulada “Catatónico É O Meu Amor” e assassinou a sua primeira pessoa, socorrendo-se dum saco de plástico e duma ripa de madeira – a vítima foi um crítico mordaz da sua obra-prima seminal, o óleo de inspiração litúrgica, “Madalena Arrependida a Levar Nas Trombas do José Traído”.

Reconhecimento e Atentados Bombistas – após Alter do Chão, seguiram-se Berlim, Sever do Vouga e Boston, sempre em busca do ideal de perfeição, com uma miríade de obras, prefácios e posfácios de elevado calibre académico pelo meio, até que Tó Quim assentou arraiais em Alpiarça. A versatilidade de Tó Quim era já por demais conhecida e o seu cabelo roxo começava a ser uma figura omnipresente na comunicação social. É aqui, e depois de ter projectado a nova Basílica da Estrela (de seu nome Basílica da Serafina) e de ter dado à luz trigémeos falsos (um ser humano, um ser aparentemente humano mas deveras esquisito e um guaxinim), que Tó Quim reconhece o recrudescer em si do seu alter-ego, o Zé das Bombas. Tó Quim admite esta realidade nas suas memórias: “Estávamos no meio da década de 60: Beatles, Vietname, Ultramar, cabelos compridos, ácidos, enfim, estava tudo na mesma pasmaceira de sempre e eu pensei cá para comigo: bem, o povo é demasiadamente estúpido para compreender e aceitar a grandeza das minhas teorias sobre a neo-relatividade, portanto tenho que dar ao povo o que ele quer”. E o que é que o povo quer? “Bem, o povo quer paz, pão, habitação, saúde e educação, mas acima de tudo sangue”. Estava dado o mote. Com alguns ensaios de permeio, Zé das Bombas consegue o seu discreto, mas eficaz, sucesso inicial: em 1968, detona uma das pernas da cadeira de Salazar. Quase ninguém credita Zé das Bombas por este êxito. “O povo é ingrato”, refere. “Mas não fico ressentido. Eu, aliás, o Zé das Bombas, era um anarquista puro e duro e isso não era bem aceite. Nem a anarquia nem os chupas com sabor a limão”. Os chupas com sabor a limão foram considerados como um dos maiores flops de Tó Quim, ultrapassando mesmo a sua fracassada tentativa de demonstrar que Isaac Newton descobriu uma maçã podre e não a relatividade, de quem diz ser “pai adoptivo e afectivo ao nível do Sargento Luís Gomes”. Em meados da década de 60, já todos conheciam, de uma forma ou de outra, a caixinha de surpresas que era Tó Quim e o seu grande contributo para a Humanidade, sendo impossível ignorar este homem – especialmente, quando este anunciou ter inventado uma tinta invisível de aplicação dérmica e ter surgido completamente nu e perfeitamente visível no programa “Zip-Zip” de Maio de 1969 (aparentemente, a tinta demorava algum tempo a fazer efeito; a emissão integral nunca foi para o ar).

Apogeu – as décadas de 70 e 80 ficaram marcadas pela intensa actividade de Tó Quim ou, mais concretamente, de Zé das Bombas. Cansado de ser uma figura esbelta e disposto a assumir a sua ruptura com o mundo medíocre que o rodeava, Tó Quim adquire o aspecto descomprometido que o iria caracterizar postumamente em 1972 (tal como se pode ver na foto, descansando ao natural após uma sessão de tremoços e imperiais na Tasca do Raposo, em Alpiarça). À medida que as teses, compilações científicas, descobertas e arte diversa de Tó Quim germinam como coelhos à solta na pradaria, Zé das Bombas começa a assumir uma preponderância fulcral na vida de Tó Quim. Foi Zé das Bombas quem planeou o 25 de Abril de 1974, embora esse mérito lhe tenha sido sonegado por uns quantos capitães e uns políticos esquerdistas – algo que fez crescer a fúria anarquista que habitava dentro de si. Todo o ano de 1975 foi vivido sob o signo de Zé das Bombas, que, passados uns anos, foi o principal mentor e instigador das FP-25 de Abril. Entretanto, Tó Quim foi cada vez mais relegado para segundo plano, enquanto Zé das Bombas ia acumulando grandes feitos: mutilou uma vasta gama de crianças em África, esfomeou a Ásia Meridional, treinou o gang Baader-Meinhof, esteve na génese do movimento talibã e secou notavelmente todo o Médio Oriente, para além de ter reivindicado a extinção do lince ibérico e de ter rebentado, por várias ocasiões, os lavabos das casas de banho da antiga Feira Popular – para a posteridade ficam as imagens de pânico da população aterrorizada na Grande Banhada de Setembro de 1983. Enquanto os líderes do mundo gizavam formas de aquecer a Guerra Fria, Zé das Bombas, lesto, desencadeou o seu ataque final: com um remate bem colocado à meia-volta, abriu as válvulas e deu-se Chernobyl. Foi o último grande assomo de Zé das Bombas que, enfastiado, retirou-se e deu lugar ao velho conhecido Tó Quim, agora já um grande senhor da cultura mundial, com discos de platina em quase toda a Europa, Nobel da aquacultura e presidente da Liga dos Homossexuais Que Não Gostam da Cor Púrpura. Em 1988, Tó Quim renunciou à sua homossexualidade e tornou-se homófobo e racista. Mas em 1989, Tó Quim, na apresentação da sua peça infantil “Os Dedos Nos Meus Orifícios”, negou as suas preferências e assumiu-se como “trissexual” e “apoiante de todas as minorias étnicas, excepto dos pretos que roubam na minha zona”. A 6 de Novembro de 1994, um dia depois de ter descoberto a origem do Universo e de ter pintado a sua casa de amarelo, Tó Quim é preso por acidente, ao pisar o pé calejado do Intendente Geral da Polícia Metropolitana durante o jogo Farense – Salgueiros. Tinha chegado ao fim a brilhante carreira deste perigoso iluminista.

Declínio e Morte – com a sua prisão, todo o legado histórico de Tó Quim e de Zé das Bombas foi ignorado e varrido da memória colectiva de toda a Humanidade, por intermédio duma espectacular reacção química universal, sugerida pelo próprio Tó Quim – o que explica o facto de ainda hoje se acreditar em Deus e na reencarnação, bem como o facto de nunca se ter ouvido falar em Tó Quim ou em Zé das Bombas. Apesar de tudo, Tó Quim foi absolvido, sem escapar ao apedrejamento público levado a cabo pelos magistrados e juízes do processo na mata de Monsanto (“O Martírio do Monsanto”, 27 de Março de 1996). Tó Quim ficaria ainda privado de exercer qualquer actividade produtiva para além de artefactos em madeira, o que constituiu um golpe profundo no seu ego. Ainda assim, criou um modelo de mesa-de-cabeceira em mogno que ganhou o 2º prémio no Festival do Móvel de Freamunde, graças aos seus motivos gótico-rococós aplicados à marcenaria para uso doméstico. Regressou à sua amada Carrazeda de Ansiães para se reencontrar com as suas raízes, mas tudo o que achou foi uma nota de hipoteca na sua antiga casa e a campa da sua mãe vandalizada no cemitério local. Constatando que nada havia que o prendesse a Carrazeda de Ansiães, vogou aleatoriamente até aterrar em Alfândega da Fé e por aí ficou até à semana passada, onde ditou as suas memórias a uma ex-prostituta para futura publicação, falecendo em 17 de Outubro de 2007, com sinais evidentes de caspa e algumas lêndeas no baço. No futuro, não se prevêem homenagens nem condecorações ao grande e execrável Tó Quim. As contribuições de Tó Quim tenderão a permanecer incógnitas para as gerações vindouras e estas não sentirão pena nenhuma.

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