domingo, abril 20, 2008

O Mega-Repolho

Em tempos houve o hiper-pepino. Agora há o mega-repolho.
Pasmai-vos, arautos da incredulidade, pois este repolhozão está aí para, adivinharam, quebrar mais um
record do Guinness. Assombrai-vos com a imperial envergadura deste vegetal, verdadeiro baluarte da robustez hortícola, o Mike Tyson da granja: 13,5 kg. O suficiente para alimentar vinte pessoas.
Pressupondo, claro, que as pessoas se querem alimentar dum record do Guinness. Entre tanto que há para comer, porquê macular de forma tão displicentemente grosseira a nobreza deste soberbo presente da Natureza?
Não seria bonito depois ouvirmos lamentar “Eh pá, era um grande repolho que me deu fama por quinze minutos, não há dúvida, mas que me deu uma caganeira do caraças depois de o comer”. Que será o mais certo.
Não comam o repolho. Nem por objectivos humanitários, pois a probabilidade do repolho alguma vez ser enviado para a Somália não é nada elevada. Não deixem que um mau laxante substitua a gloriosa memória duma verdura que teve o seu tempo e fez história, modesta, é certo; mas, caramba, é apenas um gigantesco repolho, que mais poderemos exigir dum vegetal? O seu destino natural era ser, na melhor das hipóteses, um pedaço na sopa do dia numa cadeia de restaurantes qualquer.
Não desmereçam o repolho. Quantos de vós já foram citados pela Lusa? Já nem digo pela France-Press nem sequer falo pela Reuters, mas pela Lusa. Quantas? Logo vi. Este repolho teve direito a mais que uma simples citação, teve uma breve biografia de vida, soubemos todos que medrou assombrosamente a partir de Fevereiro, assim que a chuvinha começou a cair, e posou de tronco inteiro para uma fotografia. E todos vós, invejosos e rancorosos, pesquisai o que quiserdes que o Google nunca vai mostrar a vossa fotografia de reles convencidos. Dói, mas tem que ser dito. Este repolho, e o pepino de Agosto, são mais famosos que nós.
Podemos fazer como os adeptos do Benfica, ou como as avestruzes, estou confuso (é um daqueles pássaros embrutecidos), e enterrar a cabeça na areia, mas este repolho tem de levar-nos a reflectir seriamente e a tentar perceber qual é o nosso papel na sociedade contemporânea. Neste labirinto de informações somos ultrapassados em mediatização por um vegetal. Alvitro, correndo o risco de estar a ser demasiado alarmista, que estaremos no limbo da desumanização em matéria de facto. Vejam lá isto e digam-me o que querem fazer a partir daqui. Comer o indefeso repolho soa-me a vingança cobarde, no mínimo.
Comam nabos, ao invés. Deste prodigioso quintal em Fronteira, no Alto Alentejo, a moda nem sequer é o repolho. É o nabo. Nabos senhoriais e imponentes, valentes e galhardos, mas que, porém, não deixam de ser nabos. E todos nós, posso dizer com frontalidade, sabemos que nabos estão por aí aos montes, pejando todos os lados, isto, isto tudo, tudo aquilo que nos rodeia e que podemos alcançar com a vista, no fundo, é só nabos. Estamos fartos de tanta nabice. Ou não fosse isto Portugal e nós todos portugueses, não é?, hã?!, grande nabo que tu me saíste, olha só aquele nabo, é só nabos na estrada, na rua, nabos, nabos, nabos, nem sequer são nabiças verdinhas, não; são nabos, nabos, nabos, cabeçudos; mas sempre nabos, nabos, nabos. Cabeçudos do caraças. Nabos.
Portanto, não fazem cá falta, é comê-los e ter bom proveito.
E também dizem que há peras e alfaces e mais-não-sei-o-quê de enormes proporções, tudo do bom e do gigante, tudo natural e condensado naquela mísera fracção de hectare. É ver cabazes cheios de hortaliças e legumes que nos fazem sentir lilliputianos a saírem das mãos do lavrador. Como deve ser maravilhosa a composição daquele húmus. As mãos do agricultor sentem-se orgulhosas, como se tivessem sido o sémen que fecundou aquele rico útero da Natureza com a sua sábia destreza. É a coroa de folhas de oliveira na sua cabeça e devemo-lo compreender. O sorriso é o mesmo que rasga a cara do pai embevecido ao ver o seu filho marcar um golo.
E é bom que Cristiano Ronaldo tenha alguém, ou alguma coisa, que ponha em causa o seu monopólio de afectos dirigidos aos portugueses reconhecidos internacionalmente. É bom e está aqui. Acudiu-nos para arrasar com este marasmo complacente. Abram alas para o repolho, com as suas larvas amarelas, fom, fom, fom.

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