sexta-feira, janeiro 16, 2009

A Escola Não É Para Mim I

Sala de aula.
Estão presentes dois alunos de uma turma originalmente constituída por mais de uma dúzia.
A maioria opta, compreensivelmente, por não frequentar as aulas: ainda não chegou ao fim do novo jogo para a Playstation e jogar naquela sala desprovida de posters de artistas gay nas paredes e sem colunas de som ligadas no máximo é, no mínimo, chato, para não dizer cruel.
Chega a ser penoso, porque é necessário suportar todo aquele frio e apoiar o fundo das costas naquelas cadeiras desconfortáveis. Onde se está bem é em casa; aí, sempre se vão mandando mensagens SMS, MMS, MSN, SSS, TMN, GMT, TripleX e outras que tais com maior tranquilidade.

Um desses alunos parece estar adormecido, mas também pode estar extremamente drogado. Ou mesmo em estado comatoso, dada a baba que escorre pelo canto da boca. Já ninguém ouve a voz dele desde o 3º dia de aulas, mas, apesar de tudo, é o melhor aluno da turma à conta da sua estranha e passiva assiduidade. É o Evaristo.

A outra aluna está preocupada com a sua ovulação e masca compulsivamente uma pastilha elástica, dada a falta das unhas que já não tem. É hiperactiva e mexe-se muito: na cadeira, no cabelo, no telemóvel, no clitóris; enfim, o respectivo encarregado de educação prometeu que, a partir de terça-feira, ela passaria a vir às aulas vestida com uma camisa-de-forças – para evitar que ela tenha mais orgasmos sonoros que perturbem o decorrer das lições e que irritem os cães das redondezas. É a Arlete.

Um terceiro aluno chega cerca de meia-hora depois da aula de 45 minutos ter iniciado. Não parece muito bem-disposto, pela forma pouco simpática com que empurrou a cabeça do Evaristo contra o tampo da mesa e pontapeou umas quantas cadeiras que nem sequer estavam perto do lugar onde se sentou, lá no fim da sala, mesmo com vários lugares disponíveis mais à frente. Acendeu um cigarro com a ponta do cigarro que vinha a fumar e arremessou com imensa pontaria essa ponta para dentro do estojo da Arlete, que estava a mastigar uma borracha e até se engasgou. Felizmente, a cerveja que estava dentro do estojo apagou imediatamente a beata. Este aluno é o Policarpo.

O professor faz a introdução de um novo tema.
- Neste tempo que resta da aula, vamos aprender um novo tempo verbal.
Policarpo sente-se injustiçado e reclama.
- Aprender? Mas que m***a é esta? Então e os bonecos de plasticina?
- Policarpo, penso que aos 15 anos, e mesmo considerando que estamos na 3ª classe, esse tipo de material já não constitui a pedagogia mais adequada para ti.
- Ca****o mais à pedofilia!
- Pedagogia, eu referi-me à pedagogia – corrige o professor, com muita calma.
Policarpo, um pequeno facínora eufemisticamente descrito na imprensa como “um jovem com problemas sócio-económicos, de sangue na guelra e com uma imaginação muito fértil”, não aguenta o desaforo.
- F***-se mais essa m***a, ó car***o! Estou-me a passar contigo, ó c***ão! Cala-te mas é!
- Pronto, Policarpo, pronto… Podes então fazer uns desenhos com lápis de cera, está bem?
- Bah! Lápis de cera… Vou mas é fazer uma ganza! Tens filtros, meu?
- Filtros?
- Sim, uma beca de cartão… caga nisso. Ó vaca – dirigindo-se a Arlete – orienta aí o teu cartão de eleitor para fazer um filtro.
Arlete fica atarantada.
- Cartão de eleitor? Cartão de eleitor? Meu, acho que já o usaste todo… Não tenho filtros, pá, não tenho filtros – entretanto, toca o seu telemóvel.
Policarpo desconfia.
- Bem, ó c**a de sabão, se é aquele m***as do Bairro dos Alguidares a mandar-te mensagens outra vez, tens de te haver comigo!
- Não é, Poli, não é! É o meu irmão, juro-te que é o meu irmão!
- Ai o ca****o, o teu irmão está na choldra, por que raio é que te está a mandar mensagens? Não me f**as, ‘tás a ouvir? Vou-te aos cornos se tiver que ser!
- Não era esse, era o meu outro irmão, Poli. Tem calma, tem calma, não me faças mal!
- Se me estás a mentir e andas a fazer br***es aos gajos do Bairro eu juro que mando o teu puto pelo cano de esgoto, ‘tás a ouvir? Tal como fiz com o teu outro filho!
O professor intervém.
- Policarpo, esse não é o modo correcto de tratar uma colega, que ainda por cima é mãe solteira. Porta-te bem.

Aquele pedido de contenção faz saltar a tampa de Policarpo, que até aí tinha estado bem mais moderado do que era usual.
- C’um ca****o! Vou f***r a tua cara toda, meu c***ão! Que é para aprenderes a não te meteres comigo!
Policarpo avança destemido em direcção ao professor, arregaçando as mangas e colocando o capuz do seu casaco na cabeça. Este é o sinal indicativo do início do ataque, bem reconhecido pelo professor. O professor fica assustado, paralisado, tremendo de pavor.
- N-n-não, Poli! Por favor!...
- Que é que me chamastes? Poli? Mas quem é que te deu essas confianças, ca****o?!
Palavras não eram ditas, dispara um violento pontapé que acerta em cheio no abdómen do professor. Este, instintivamente, dobra-se para a frente e, ajoelhado no chão, pedindo perdão, “Desculpa, Policarpo, desculpa!”, é vítima de mais umas duas joelhadas na testa. Já deitado completamente no chão e com um golpe no sobrolho, é avisado por Policarpo, que lhe agarra nos colarinhos e o puxa para si.
- Estás a ver, ca****o? Para a próxima nem sequer te aviso… és corrido logo à naifada, tal como o gajo que veio antes de ti. Já agora, arranja-me uns trocos!
O professor, combalido, sangrando, parece negar esta última pretensão.
- Aiii… não tenho nada, Policarpo, não tenho nada… só tenho uns quantos cêntimos na carteira, que hoje fui pagar a renda da casa… Por favor…
- Ai o ca****o!... Tudo o que tiveres na carteira é meu! E se tiveres mais do que dizes, estás fo***o comigo!
Policarpo saca a carteira do professor, deixando tombá-lo desamparado no chão. Efectivamente, o porta-moedas apenas contém duas moedas, que Policarpo julga perfazerem 40 cêntimos – embora, na verdade, sejam 60, mas Policarpo ainda só sabe contar até 20.
Todavia, debaixo da fotografia dos filhos do professor, Policarpo descobre uma nota de 10 euros enrolada.
- F***-se, és mesmo um mentiroso do ca****o! Estes já cá cantam – rosna Policarpo, enquanto guarda a nota no bolso do lado menos rasgado das suas largas calças de ganga.
Com mais dinheiro para comprar barras de haxixe, nem por isso Policarpo fica muito satisfeito: ele não gostou que o professor lhe tivesse prestado uma informação falsa. E retalia como consequência.
- Isto assim não pode ser, ca****o! Que me**a é esta, um prof a mentir aos alunos? Mas quem é que tu pensas que és, ca****o?! Vou mas é chamar os meus pais, já vais ver como elas te doem!
Ainda o professor tentava levantar-se para, pelo menos, tentar recompor-se e tratar do seu ferimento e já Policarpo ligava para os pais. Dorido e apoiado na sua secretária completamente graffittada e lascada, o professor ouve uns sons esbaforidos do outro lado do telemóvel. Policarpo termina a chamada e assegura o professor.
- Eles já vêm aí. Isto não pode ficar assim. Vais aprender a respeitar os alunos, ‘tás a ouvir?
Olhando com raiva para o professor que tenta estancar a sua hemorragia, Policarpo aplica mais um soco no tutor, fazendo-o tombar de rabo no chão.
- Aguenta-te aí, ó porco!
O professor lamenta-se, olhos humedecidos pela dor, não apresentando resistência – senão as coisas poderiam ser piores. Por exemplo, ainda podia ir preso por levantar um dedo a um aluno, que, como se sabe, é uma heresia pior do que queimar um exemplar do Corão, com uma mulher nua ao lado, perante uma horda de muçulmanos em Meca e em pleno Ramadão.

Arlete não deu muita importância a este desaguisado, entretida que estava a mandar mensagens via telemóvel com uma mão e a pintar as paredes com spray com outra. Ainda deu uma risada com este último soco, mas não se notou muito, porque se Arlete se rir muito o piercing que ela tem no lábio rasga-lhe a boca toca.
Evaristo ainda estava sentado, com cabeça voltada para baixo em cima da mesa, boiando numa piscina de baba. Certamente que não deu por nada.

(continua)

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