quarta-feira, junho 21, 2006

Maniche & Nuno Gomes "A Selecção de..." (2006)


Hoje em dia, toda a gente percebe de tudo. Basta que venda. Não interessa qual a especialidade de cada indivíduo - se houver público, há mais um perito.
Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo. O Professor (com “P” grande) deixou de nadar nas águas poluídas do Tejo, porque isso arranjou-lhe mais preocupações de saúde do que votos, e passou a falar de futebol. O arregaçar da sua sobrancelha na TV e a letra cuidada dos seus postais germânicos n’ “A BOLA” não enganam – estamos na presença de um doutorado. Já sabíamos que sim; agora a questão é: Vossa Excelência a falar de futebol, Professor? Qualquer dia temos o Marcelo a treinar o Celoricense por 3 semanas, ao jeito de um Luís Campos… Enfim, Marcelo percebeu, na sua douta magnificência cognitiva, que consegue fazer figura de parvo também a falar de futebol e com isso atrair mais gente parva para o ouvir a falar durante mais tempo, multiplicando o número de aparições na comunicação social, promovendo progressivamente a sua imagem. Um doutorado, que ninguém tenha dúvidas.

Mas não é só a Marcelo que são permitidas veleidades de cross-over entre vários domínios artístico-científicos. Reparem nestas capas.

Maniche, nome artístico de Nuno Ribeiro, proveniente desse berço de estrelas que é o Bairro da Boavista e desse feudo de intelectualidade que foram os sucessivos balneários das camadas jovens do Benfica, espelha as virtudes renascentistas na era virtual. Não só joga bem à bola, especialmente quando carrega uma imagem de Mourinho para dentro do campo, dominando na perfeição o bambolear de ancas, o vestir e a pose necessárias a um manequim, a arte de espalhar gel no cabelo e de espalhar cremes na cara, a inteligência de ter escolhido um pseudónimo estrangeiro de forma a poder vender no estrangeiro e a parecer sofisticado em terras lusas, como alia tudo isto a uma rara sensibilidade comercial digna do melhor criador de playlists das rádios nacionais e a um gosto musical perfeitamente adequado ao seu status de estrela futebolística da moda.
Senão vejamos: Busta Rhymes, Black Eyed Peas, Eamon, Akon, Nelly, Boss AC, Ne-Yo (quem?), Rihanna, levando Paulo Gonzo ao barulho para dar o toque romântico de uma balada ao fim da tarde num resort de luxo. A faixa de Paulo Gonzo intitula-se “Fico Até Adormeceres”, em tom de desafio. Maniche não dorme; Maniche é sagaz, vence pela resistência. Vejam o seu olhar de maroto, como quem avisa “se adormeceres, roubo-te a carteira e o telemóvel!” – portanto, Maniche ficará por muito tempo. Assim como esta compilação verdadeiramente assombrosa na nossa memória colectiva.

Já Nuno Gomes parece, de relance, um pouco mais discreto. Mantém o mesmo fascínio pela moda, embora menos exuberante. Percebe-se: Nuno Gomes gostaria de ter nascido como a recatada Joana Vanessa e não como o avançado Nuno Ribeiro (curiosamente e não por acaso, homónimo de Maniche). Daí os tons rosa da sua t-shirt, o jeito do cabelo, a sensualidade feminina das suas mãos que apoiam a cabecinha sorridente, plena de inocência colegial. A pedir meças a qualquer modelo dos anúncios da Evax. Nos gostos musicais nota-se uma menor tendência para a Mega FM e mais para uma RFM, com uma maior predominância do espectro musical português – vide Ala dos Namorados (que escolha condizente, Nuno; sempre o teu imaginário adolescente de rapariguinha a sobressair…); Valha-nosDeus, perdão, Madredeus; Rui Veloso e os patrocinadores da selecção Da Weasel. Depois, um toque de erudição musical com Chico Buarque e uma rapariga com estilo, Joss Stone. A rematar coloca "Love Generation", uma excelente escolha para quem teima em quebrar tabus relacionados com a androginia. De permeio, coloca um desconhecido Vasco Rossi, como que a afirmar a sua predilecção por homens latinos. De comum com o CD de Maniche tem a faixa de Boss AC – quiçá porque Maniche sonha com o papel de Boss AC no clip, com toda a sua pinta de machão viril e engatatão, talvez porque Nuno Gomes almeja estar no lugar de Merche Romero e sentir as carícias aveludadas da figura-mor do gangsta-rap português.

Eu podia tentar perceber: mas eles são parte dum grande negócio do qual, se calhar, até são a parte mais explorada, e são obrigados a colaborar. Contudo, eu não consigo duvidar que eles se sentem muito bem assim e que os seus gostos musicais são mesmo estes, em traços gerais. Até porque se calhar nunca ouviram mais nada.

Resumindo estes álbuns numa palavra: essencial.
De facto. Estes álbuns são essenciais para qualquer Marcelo Rebelo de Sousa que queira fazer-se passar por um entendido junto de alguém menos informado na matéria. A banda-sonora imprescindível para qualquer aspirante a guionista d’ “Os Morangos com Açúcar”.

Classificação: 2/10 pela música – o Nuno Gomes é, apesar de tudo, menos mau nas escolhas; 9/10 pelo instinto comercial – especialmente o de Maniche.
Faixas a reter: as capas falam por si.

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