quarta-feira, junho 21, 2006

O Supervisor de Evacuação

Hipólito (nome fictício) foi agraciado com o título de “supervisor de evacuação” do edifício onde trabalhava.
Pensou que teria a sórdida missão de observar os seus colegas de trabalho a defecarem nos intervalos, mas foi-lhe dito que afinal “evacuação” significava “fuga” do edifício, caso este fosse acometido de alguma catástrofe, e que ele seria o coordenador dessa evacuação. Era um título deveras pomposo e que encerrava em si bastante responsabilidade, mas Hipólito jogou com a lei das probabilidades e concluiu que mesmo a desgraça mais provável, que seria um incêndio, dada a antiguidade do edifício, só remotamente se verificaria.
Sendo assim, Hipólito não frequentou as acções de formação destinadas a preparar o bom supervisor de evacuação para situações de pânico e para dotá-lo de conhecimentos precisos sobre a localização de todas as saídas de emergência.
Eis que, num dia soalheiro, um cheiro intenso a queimado vindo do corredor, acompanhado por um fumo enegrecido, fez disparar os alarmes: FOGO! Ouvem-se gritos, gera-se o descontrolo, é o salve-se-quem-puder. Hipólito, heroicamente, pega no extintor. Os nervos fazem com que parta a cavilha de segurança sem forças para conseguir com que o extintor dê mais que uma mera cuspidela de espuma. Atarantado, larga o extintor e dirige-se atabalhoadamente para o elevador, à frente de todos os seus desesperados colegas. Ao ver que este não funciona, grita em pranto “Para as escadas!”, no que foi prontamente seguido pelos colegas. Ofegante, com pulsações elevadas, é o primeiro a chegar cá baixo. À medida que os bombeiros tomam conta da situação, Hipólito conta um a um os seus colegas e, aliviado, repara que todos escaparam ao incêndio. Suspira com o sentimento de dever cumprido.
No dia seguinte, foi chamado pelo chefe. Para a promoção, estusiasmou-se. Pura decepção. O chefe:
- Ó Hipólito, você não escutou com atenção o briefing, pois não?
- Como?
- Hipólito, Hipólito… Então você não sabe que deve haver sempre, no mínimo, 2 vítimas por cada catástrofe destas? O que acha que os accionistas vão pensar ao saberem que estamos constantemente abaixo das quotas de sinistralidade laboral? Já viu o que os jornais vão dizer: “Transvest S.A. volta a salvar todos os seus funcionários após mais um estrondoso incêndio”? Se você quer ser herói, vá ser herói para outro lado, Hipólito! É um aviso que lhe dou! Percebeu, Hipólito?

Hipólito não poderia facilitar daí em diante. Ansiou pelo momento em que pudesse demonstrar que estava ao nível da responsabilidade que lhe fora confiada. Até começou a despejar beatas acesas nos caixotes de lixo cheios de papel na esperança de iniciar rapidamente um fogo. E, num destes dias, lá o conseguiu – um violento incêndio começou junto ao economato, perigando seriamente as vidas dos funcionários.
Hipólito tentou encaminhar todos os seus colegas para uma sala apertada e sem possibilidade de fuga, mas todos o ignoraram e encaminharam-se segundo as regras para as escadas de emergência em direcção à saída. Hipólito nervoso, estava a falhar outra vez e já tossia com o fumo. Tinha de agir com celeridade. Pegou no extintor e foi atrás dos colegas, a ver se encontrava alguém mais atrasado. Deparou-se com o Raúl do departamento fiscal, que se prepararava para descer o primeiro degrau. Aplicou-lhe com um forte golpe de extintor na nuca. Raúl tombou desamparado no chão, sangue abundante a escorrer-lhe, cabeça aberta e gritos de dor incontida, por entre pedidos de misericórdia. Hipólito atingiu-lhe com mais 3 ou 4 bastonadas de extintor na cabeça, desfazendo-a em pedaços de ossos, carne, miolos, vísceras e sangue, assegurando-se que Raúl estava eliminado. Então surge mais uma retardatária, a Mónica da secretaria. Virou-lhe com o extintor e espumou-lhe a cara o suficiente para a cegar. Depois, empurrou-a escadas abaixo e ela desmaiou, moribunda, com a perna possivelmente quebrada. Hipólito correu mais do que podia para salvar-se, enquanto Mónica era deixada à sorte das labaredas que crispavam forte e cada vez mais próximo.
Foi um sucesso. Finalmente ocorreram as primeiras vítimas na empresa de Hipólito, após vários anos de tragédias. As acções da Transvest S.A. subiram 3% num só dia, invertendo uma tendência negativa que se vinha arrastando há alguns meses, atingindo um novo máximo homólogo e contrariando a descida generalizada do mercado. Os seus colegas, embora lamentando a perda de Raúl e Mónica, gabaram as capacidades de Hipólito, sabendo também que a empresa respirava agora bons augúrios, provavelmente até poderia expandir-se para o Brasil ainda naquele semestre. Hipólito, ufano, conseguiu a sua promoção passado pouco tempo, acumulando as novas funções com o título de “supervisor de evacuação honorário”.

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