segunda-feira, julho 10, 2006

O Herói Nacional


Delírio total. A comitiva lusitana, de regresso às valentes terras de Viriato e de Marco do Big Brother, espalha euforia por onde passa. Nem sequer precisa de passar em qualquer sítio – um simples bafo, respiração, ou mesmo uma mera evocação ou página central de jornal, são suficientes para desencadear o êxtase generalizado.
- Perdoem-me a emoção, senhores telespectadores… é fantástico! Esta é a nossa equipa, o nosso país… eu não consigo manter a imparcialidade… - comenta um repórter com ares de nacionalista – É simplesmente formidável. Caros telespectadores: estou sem palavras. Deixo-vos com o som de fundo das gentes que celebram a nossa equipa.
« PUR – TU – GAL! PUR – TU – GAL! PUR – TU – GAL ! »
Fotografado e assediado por todo o lado, embrenhado no cerne da confusão, o craque da equipa lusa, Manuel das Orelhas, vulgo Manel Coratos, resolve presentear os fãs com um soberbo e portentoso peido à saída do aeroporto. Um polícia mais sentimental não consegue manter a pose de autoridade e tenta recolher um pouco do seu cheiro para dentro de um frasquinho de plástico. A multidão procura ainda mais braços para abraçar o grande Manel, com os seguranças a desdobrarem-se em pisões e empurrões que permitam Manel respirar.
- Manel, Manel, que pensa desta recepção? – consegue um repórter perguntar à estrela nacional.
- Muito feliz por mim e pelo grupo – responde, sem retirar os óculos escuros, cercado pelos seguranças e outros repórteres que o isolaram temporariamente dos vulgares adeptos – Estamos todos de parabéns. Fizemos os possíveis para enxovalhar ainda mais a imagem do nosso país e conseguimos, com dignidade. Enojámos todo o mundo, que já nos olhava de lado, dando uma chapada de luva branca na cara desses senhores que diziam que não éramos capazes de ser tão porcos como os grandes porcos do Mundo.
- E quem são esses senhores?
- Não quero alimentar polémicas nesta altura – Manel fora envolvido por um cachecol ao pescoço. Mal consegue ouvir as perguntas e responder, tal o ruído de cânticos vitoriosos à sua volta – Mas ficou provado que conseguimos ser realmente energúmenos quando queremos e que praticamos flatulência de excelente qualidade. O facto de termos perdido logo na primeira ronda não ofusca em nada a mal-cheirosa participação portuguesa, antes pelo contrário.
- Não acha que fomos mal preparados para este Mundial dos Peidos? A equipa alemã parece que foi mal estudada…
- É rotundamente falso – indigna-se Manel – O nosso treinador, Carlos Alberto Clister, avisou-nos para o facto deles comerem muita chucrute e isso possibilitar-lhes peidos de longa distância e bastante asquerosos, já sabíamos que ia ser assim. Infelizmente, o árbitro penalizou aquele arroto dado pelo João Imperial e sofremos um peido esquisito, que fez com que desmaiássemos, algo que só acontece uma vez na vida. É assim…
- Acha que o árbitro influenciou o resultado?
- Não, não, acho que não – atira prontamente Manel. Os fãs exibem cartazes de apoio a Manel, eleito o peidador oficial da nação. Depois, Manel detém-se em 2 ou 3 segundos de silêncio antes de concluir – Toda a gente viu que o João é boa pessoa, estava precavido, sabia que não podia arrotar, porque era contra as regras do torneio… infelizmente, somos muito pequenos, temos pouca influência, e aquilo que se passou foi que o João apenas soluçou após mais uma imperial de “penalty”. O árbitro entendeu que foi um arroto e expulsou-o… - lamenta Manel, encolhendo os ombros.
- Manel, foi criticado por libertar demasiado gás metano, talvez por influência de feijão cozido em excesso. Quer agora responder aos críticos?
- Não, não, a esses senhores respondo nos lavabos – explica Manel, sério e compenetrado, pronto a defender o seu brio profissional – Liberto tanto gás metano como butano e julgo ainda este ano ter condições para me lançar no gás propano. Esses senhores nem sabem o que é uma Coca-Cola com grão, portanto não me venham dar lições sobre a porcaria.
Nesse instante, uma senhora anafada e roliça fura a cobertura dada a Manel e abraça-se ao repugnante craque do peido português, beijando-o freneticamente, espalhando o buço de inspiração piaçábica na lisa pele de Manel.
- És o maior, Manel! És o maior! Dá uma bufa de pantufas só para mim! Dás-me, Manel? Manel? – sendo arrastada para longe de Manel, invectivando tudo e todos num sotaque nortenho bem audível. Antes de Manel recolher ao camião do lixo para ser levado à Tasca das Bifanas, conforme estava programado, o jornalista faz-lhe uma última questão.
- Manel, vai continuar a praticar a sua jogada preferida, isto é, o encostar do isqueiro junto ao esfíncter anal na altura da libertação do gás, o chamado “lança-chamas”?
- Obviamente – assegura Manel, já agarrado ao corrimão traseiro do camião, pronto a balouçar-se ao vento pelas ruas apertadas da cidade, aclamado pela multidão que zurra o hino com as bandeiras levantadas ao céu – É a minha jogada de marca, os meus adversários terão de me aturar por mais uns tempos, que os meus intestinos ainda estão em desenvolvimento!
Manel vai-se embora, deixando a plebe órfã do ídolo. Vários rolos de papel higiénico são arremessados carinhosamente na direcção do camião que parte, ao que Manel responde com acenos e beijinhos. Antes de regressar ao estúdio, as câmaras captam ainda uma embevecida mamã a revelar a fralda suja do seu bebé no meio do povo eufórico.
- Um dia, este há-de ser o novo Manel! Vejam só este serviço!... PUR-TU-GAL! PUR-TU-GAL! PUR-TU-GAL!

1 comentário:

. disse...

Excelente. "Liberto tanto gás metano como butano e julgo ainda este ano ter condições para me lançar no gás propano."... No ponto, os peidos de todo um país.