quarta-feira, julho 05, 2006

Um Pouco de Pornografia


Às vezes, a mulher agarrava-se semi-despida ao homem, envolvendo-o com o braço. O homem grunhia:
- Agora não, que o Benfica está a jogar.
Noutras ocasiões, a mulher arregaçava o vestido de dormir ao esticar as pernas despidas sobre a mesa, mordiscando um morango de forma lasciva. O homem cortava todas as hipóteses.
- Não, que a malta já me deu dois toques para o telemóvel e tenho de ir ao café.
No caso de Abílio, nada se passava assim. Quando o Benfica jogava era a mulher que via o jogo e quando as amigas lhe davam toques para o telemóvel era ela que ia às compras. Abílio que se arranjasse.
A mulher de Abílio era de reconhecidos dotes, um pouco cheia, aspecto feminino amadurecido, embora de instintos anormalmente masculinos. Quando Abílio lhe presenteava com um ramo de flores após mais um aniversário da sua relação, a sua mulher arrotava alarvemente a cerveja que comprara em promoção numa cadeia de supermercados alemã. Abílio, por respeito à florista, preferia colocar o ramo na jarra mais escondida da cozinha ao invés de trocá-lo por um pacote de pevides.
Era Abílio que tratava dos animais de estimação. O gato ronronava ao sentir as carícias de Abílio e eriçava o pêlo ao sentir o bafo da sua mulher, que mostrava pouca hesitação ao pontapear o bichano, praguejando “Rai’s partam o gato!”. O periquito escondia-se por detrás do choco ao vê-la entrar pela porta, encolhia-se sob as suas coloridas penas, mas rejubillava quando Abílio enchia o recipiente de alpista.
E quando Abílio sentia-se excitado, com uma vontade irremediável de contemplar as formas femininamente gostosas da sua mulher, vê-la despida sob o chuveiro em delícias obscenas, ela fazia os possíveis para trazer Abílio de volta ao subterrâneo da felicidade, ao porão do êxtase:
- Ó Abílio, corta-me mas é as unhas dos pés, que acho que essa aí está a ficar encravada – e acendia um cigarro que fazia questão de besuntar com batôn vermelho.
Abílio cortava-lhe as unhas com perícia, nunca deixava cair nada para a carpete. Nessas alturas, sonhava com um lindo dia de sol lá fora, crianças aos saltos com cordas e a brincarem com cãezinhos formidáveis. A mulher devia estar a pensar em quem iria o presidente do Benfica acusar de afronta ao clube nesse dia.
Abílio devorava as telenovelas da noite. Soçobrava facilmente às lágrimas quando se descobria que o amor tórrido de Jaciara e Maiquel era afinal impossível – descobrira-se que tinham sido irmãos siameses separados pelo próprio pai, o Dr. Rovérsio, e que a malvada madrasta, a Dona Clotilde, fizera o possível para ostracizá-los. A mulher de Abílio, contudo, ria-se, gargalhava mesmo; chegava-se a engasgar com os aperitivos que devorava, mostrando o mínimo de sentimentalismo possível. Pobre Abílio, no conforto das almofadas meditava sobre o temperamento da sua mulher. Como a amava… suportava todos os seus joanetes e enxaquecas, o seu hálito alcoólico e a sua tendência para roupa cor-de-laranja aos quadrados, mais as suas dúzias de visitas ao cabeleireiro semanais e o típico resmungar matinal. Nem por isso conseguia sentir menos apreço por ela. Ela nessas alturas ressonava, e fazia-lo bem, subtil que nem um martelo pneumático.

Um dia destes, a mulher de Abílio ficou fascinada com estórias irreais que ouviu no salão do cabeleireiro. Contos fabulosos sobre fantasias sexuais diversas. Uma amiga que tinha praticado sexo oral no elevador com o filho da vizinha, um jovem mecânico analfabeto, mas bem musculado; ou outra amiga que supreendeu o marido com outro homem e que não foi de modas, entrando na orgia – consta que até envergando chicote de couro e lingerie preta. Ela ficara embasbacada, embaraçada consigo mesmo. Nunca se tinha apercebido que havia algo mais do que ver jogos do Benfica, do que beber umas cervejolas em frente à TV, do que a sua aparência física conservada religiosamente para algum objectivo incerto, mais do que sentir-se bem ao olhar para o espelho – havia, sim senhor. Havia sexo.
Ela nunca gostou de se sentir nua por cima ou por baixo de um homem. Nunca gostou desses júbilos carnais. Não gostava de se desnudar perante ninguém. Era extremamente púdica, nem gostava de se despir sozinha às claras, preferia fazê-lo na anónima escuridão, e não apreciava ir à praia. Não sentia uma atracção particular por formas fálicas, embora gostasse de um corpinho bem feito, das pernas torneadas, dos abdómens trabalhados, dos ombros fortes. Mas o sexo puro e duro, feito de pujantes penetrações e lubrificações viscosas impregnadas de odores animais, não lhe dizia nada. Praticara-o uma vez ou duas com Abílio.
- Será que o Abílio poderá dar-me um novo sentido à vida? – questionava-se a si mesma, atarantada com as conversas do salão. Fez sentir esta dúvida a Abílio, que estava a podar uma planta trepadeira na marquise.
- Querida, eu tenho qualquer coisa de novo para ti, sim.
Abílio encaminhou a mulher para o quarto, tremelicante. Mal podia caber em si de contente, estava ansiosíssimo, cheio de fulgor, de vigor. Sentira uma poderosa e irreversível erecção mal ela o abordara com o intuito de sexo. Sexo casual. Intenso desejo fortuito. Atracção libidinosa descontrolada.
Ela, expectante, deixou que Abílio se agarrasse ao leme do prazer e a guiasse, que ela não tinha a bússola neste mundo de luxúria que é o sexo desbragado. Viu-se embrulhada em algum receio ao encontrar Abílio tão alvoroçado, olhos arregalados quando ela descalçou os sapatos e ele já nu, com um pau enorme que nem sonhava que existia. Preferiu evitar pensar onde aquele mastro iria ser enfiado, dentro dela, do seu corpinho. Achou melhor nem sequer considerar que aquele órgão abjecto lhe iria cuspir segregações malignas para dentro do seu imaculado útero. E disparou o sacramental pedido:
- Abílio, apaga a luz e tem calma.
Abílio estava seco demais para beijá-la, estusiamado demais para afagá-la primeiro, quis entrar forte e feio nela, brutalmente, como leão feroz a irromper na savana. Nada iria parar Abílio. A sua mulher pensava “Se as minhas amigas gozaram, eu também vou gozar. Caramba, elas não podem ser melhores que eu!”
Por detrás da parede do quarto escutou-se nesse instante:
- GOOOOOOOOOOOOOOOOOOLO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Tinha sido o vizinho, fanático adepto vermelho. A mulher de Abílio ergueu-se bruscamente, logo tapando-se com o lençol. Ela ficou perdida. Esqueceu-se imediatamente de se comparar com as suas amigas.
- Foi do Rui Costa, de certeza! Foi o Rui Costa! Merda, esqueci-me que hoje jogava-se a Taça Amizade!!!!!!! Traz-me as cervejas, Abílio. Vamos para a sala!
- E… então e… - tentou reagir Abílio. Notava-se que o clímax se tinha esfumado, como se tivesse sido ele o guarda-redes a buscar o esférico ao fundo das malhas.
- Então… fica para outro dia! – e já ela vibrava com a repetição na TV – Foi mesmo o Rui Costa! Ganda jogador! Ganda remate! Os tripeiros estão lixados com o regresso do NOSSO Rui Costa!!!!! – exultou.
Abílio sentia-se tentado a torcer pelo FC Porto. Mas não o fez. Quiçá por amor, quiçá pelo seu desprezo pelo futebol. Entreteve-se com filatelia até o jogo acabar, refazendo-se da frustação ao observar com a lupa selos checoslovacos dos anos 60. O jogo, porém, deve ter sido muito bom. Por mais que uma vez a sua mulher berrara da sala:
- Vai ser… vai ser… Ahhhhhhhhhh!!!! Ao poste!!!!
Abílio estava farto de ver a sua vida a bater nos postes. Mas amáva-la, o que fazer?

2 comentários:

. disse...

Há é pouco futebol feminino. A selecçõm está feita p'ras gajas. E depois vão p'ró choco, fazer amor, a fantasiar com o joelho do Miguel, com a camisola suada do Zidane ou com as entradas de rompante do Cristiano pelas alas. Valha-nos a fuça do Idalécio para nos lembrar o que é que é realmente o futebol.

Rodrigues disse...

O Idalécio é pouco. Fazem falta o Nito, o Dinis, o Jaime Cerqueira, o bom velho futebol às 3 da tarde num pelado perto de si...
Mas, vá lá, que as gajas ainda façam amor já é bom; se se perderem a contemplar os jogadores e apenas suspirarem é que não.
Abaixo o Mundial, viva a III Divisão!