quinta-feira, julho 13, 2006

A Época Parva


Chegou o calor. Com ele, a época parva (aportuguesamento da expressão anglo-saxónica “silly season”), propensa a dislates da mais variada ordem.
No Parlamento, assistiu-se à demissão em bloco da oposição. “Está muito calor”, justificou o líder da bancada parlamentar do maior partido da oposição. “Eu não sei qual é a vossa opinião sobre este facto, mas nós estamos melhor no Algarve a ver as bifes em topless do que a discutir coisas menores, como o desemprego entre licenciados, numa sala sem ar-condicionado”, ajuntou esse mesmo responsável. “Quero é curtir!”, mencionou o líder parlamentar de outro partido da oposição, no espaço dos Passos Perdidos. “Ainda não fui à praia este ano e estou com uma corzinha de meter dó”, afiançou. Indagado sobre a moralidade desta tomada de decisão, que uniu num insólito consenso quase todo o hemiciclo, da esquerda à direita, o responsável argumentou que “ninguém se importa de ver o João de Deus Pinheiro a jogar golfe 360 dias por ano, por isso não se venham queixar agora”. Deixou ainda um aviso: “Eu quero ir à Kadoc e a uma festa de trance em Ibiza com o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares”.
As movimentações não se ficam por aqui. Tem sido veiculado que um deputado do PCP está a ser assediado pelo CDS-PP. Os rumores ganham mais consistência se constatarmos que esse deputado está em final de contrato e, muito importante, reside numa vivenda no eixo Lisboa-Cascais. Confrontado com estes boatos, o CDS-PP reagiu. “É verdade que fizemos uma proposta que julgamos irrecusável”, confirmou um porta-voz que não o oficial, mas que é oficioso por diversas vezes. “Propusémos o pagamento da jóia de admissão, três almoços mensais no restaurante «A Valenciana» e um livro ilustrado sobre a Opus Dei. O deputado ficou de pensar”, assumiu sem rodeios. Contudo, o deputado comunista apenas admitiu que “foram levadas a cabo conversações nesse sentido”, mas que pretendia negociar “os almoços n’ «A Valenciana», já que nem gosto muito de frango assado, e dispenso o livro sobre a Opus Dei, pretendendo antes a biografia sobre Álvaro Cunhal escrita pelo Pacheco Pereira e um busto em gesso do Lenine. Quanto ao resto, não me oponho”. Desconhecem-se a reacções do PCP. Aliás, desconhece-se quase tudo sobre o partido, mas certamente que estarão contra. Contra tudo e todos e qualquer coisa. Não é por estarmos na época parva que eles irão mudar. Felizmente, há coisas que nunca mudam…
O governo não estranhou a decisão da oposição, nem deixou de estranhar. As mulheres da bancada maioritária do Parlamento estavam entretidas a trocar receitas de bacalhau entre si, e uma ex- Ministra da Educação ruborizou quando se apercebeu que só tinha receitas de doces conventuais para a troca. Os homens estavam embrenhados numa polémica e acesa discussão sobre o último Mundial de futebol, com os deputados eleitos pelo círculo de Braga a manifestarem-se violentamente contra o estilista escolhido para desenhar os fatos de gala da selecção da Ucrânia. Nenhum destes deputados sentiu a falta da oposição. Os trabalhos finalizaram já a noite estrelava lá fora.
Ainda no futebol, expôs-se aquilo que todos julgávamos evidente há alguns anos: o Benfica tornou-se, incontestavelmente, o clube mais rico do mundo. Vendeu Paulo Almeida e Artur Futre ao Dragões Sandinenses, que venceu ao “sprint” o Chelsea e Real Madrid, por cerca de 386,5 milhões de libras cada, e comprou Shevchenko e Ronaldinho Gaúcho por dois bilhetes de cinema no Quarteto e três garrafas de 20 cl de Sumol ananás. Shevchenko, emocionado com o quilate da oferta, exigiu humildemente pagar do seu próprio bolso as garrafas de Sumol. Por sua vez, a alegria de Ronaldinho em saber que iria envergar o “jersey” encarnado foi tal que até renunciou à selecção da Nike (ou do Brasil, não se sabe bem ao certo) para se concentrar a fundo no clube. Também preferiu não abusar da sorte e dispensou as idas a cinema, para além de se ter prontificado a suportar os bilhetes anuais dos cerca de 30 milhões de cativos que anualmente lotam o Estádio da Luz.
Questionado sobre a racionalidade da sua exorbitante oferta, o líder dos Dragões Sandinenses reforçou que “se os jogadores estavam a aquecer o banco nesse extraordinário e surrealmente espectacular clube, então devem ser mesmo fantásticos. Nós precisávamos de alguém com capacidade de aquecimento, visto não termos recursos para um esquentador no balneário. Não estou arrependido e considero que fizemos um grande negócio. Já viram os preços dos esquentadores? Nem sequer digo um Vulcano, mas um Junkers ou um Vaillant?”.
Para finalizar, uma notícia de última hora dá conta de vários focos de incêndio em Vila Nova de Poiares, ateados por homens disfarçados de árvores. Um pinheiro bravo foi visto a pegar fogo ao quartel dos bombeiros e as únicas boutiques de pronto-a-vestir da vila foram vandalizadas e queimadas por duas mimosas munidas com latas de gasolina. Um eucalipto que foi detido e presente às autoridades referiu que esta onda de incêndios “é uma resposta enérgica dos ambientalistas chocados com as acções vergonhosas de combate e prevenção de fogos florestais verificadas em anos passados”, prometendo alastrar a sua guerrilha para “Lousã, Arganil, Mação e até S. Pedro do Sul, se for preciso”. Enquanto era encaminhado para a esquadra da GNR, iniciara-se mais um incêndio na Casa do Povo do Entroncamento de Poiares por um enlouquecido castanheiro com lança-chamas a tiracolo. Presume-se que o Rancho Folclórico da vila não tenha ficado contente com a perda dos seus bombos e ferrinhos, mas até agora não foi possível captar as reacções do mesmo – pensa-se que o Rancho ainda esteja a finalizar a visualização do programa da manhã da TVI.

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