domingo, julho 02, 2006

O Infernal dos Santos


O arquétipo do rigor. A raiz do medo. A mais cruel forma de repressão.
A sua constante luta pelo extermínio de jogadores no relvado não conheceu paralelo. A sua infame reputação é tão abrangente que nem sequer se encontram fotografias digitais dele na Internet. Falamos, obviamente, de Martins dos Santos, árbitro da AF Porto, também ele portador de orgulhoso bigode.
Para muitos, é uma felicidade que Martins dos Santos seja, agora, um ex-árbitro. Porque dos Santos era decididamente impetuoso, não tinha pudor em imiscuir-se no jogo, cegava-se pelo brilho do protagonismo e destruía o que podia ser um jogo, vamos lá, razoável. Enquanto dos Santos pavoneava-se pelo tapete verde, apito fulgindo ao sol ou sob os holofotes, sentia sempre aquele estranho ardor nos bolsos, uma súbita vontade de também ele exibir todos os seus dotes, como os artistas que corriam com uma bola. E à falta de argumentos futebolísticos, dos Santos intrometia-se apitando, esbracejando e sancionando com cartão o inconformado jogador.
Martins dos Santos retirava prazer com a amostragem de cartões. Oh!, orgasmos incontidos de cor!, de justiça! Como gozava ele, esticando o braço cartonado aos céus, como oferta aos deuses. Noventa minutos de pura afirmação de poder. dos Santos várias vezes ultrapassou a barreira dos 15 cartões, compôs hinos de apito, verdadeiras sinfonias ininterruptas de silvos de intensidades diversificadas. O público inquietava-se, insultava, gesticulava veementemente, arremessava objectos diversos para dentro das quatro linhas; os jogadores enervavam-se, os treinadores no banco agitavam-se, e também eles seriam levados de enxurrada pela fúria justiceira de dos Santos – mas o incansável árbitro não parava, fazia-se ouvir bem alto, fazia-se mostrar bem valente.
Este terrível Ivan dos campos de futebol possuía, como todos os rangers, o seu calcanhar de Aquiles. dos Santos tinha dois amores. Tal e qual como Marco Paulo, e também não conseguia decidir do qual gostava mais – se do amarelo, se do vermelho. Falamos de cartões. E os cartões não eram assim tão despiciendos – sim, porque neles residia a sua essência. Um apito é bonito, sim senhor, exala autoridade por aquela abertura com a bolinha lá dentro, aprisionada; mas os cartões é que definiam o que é ser um árbitro implacável.
dos Santos, nalgumas situações, sentia um pouco de pena por ver o cartão vermelho ali tão sozinho no seu bolso dos calções, acomodado contra o seu rabo, e logo se preparava para dar descanso ao cartão amarelo, já gasto de tanta amostragem; e às vezes, dando uma fugaz folgazinha ao cartão vermelho, mostrando a complacência pontual dum grande líder que também sabe ser pacificador, repreendia apenas com o cartão amarelo um jogador que fizesse a sua 12ª falta. Tentava dar a mesma atenção aos seus dilectos cartõezinhos. Os resultados práticos eram variáveis, mantendo porém as usuais queixas dos treinadores e dirigentes de ambas as equipas, numa rara comunhão de opiniões e num evidente reconhecimento universal do conceito muito particular de justiça de dos Santos.
Mesmo com este dilema, dos Santos retirou-se tranquilamente da arbitragem, envolvido num estranho sentimento de paz, ele que foi anos a fio o mais sanguinário dos protagonistas em campo. Ao pé dele, Paulinho Santos é um rufia, Estaline um modelo. Martins dos Santos impôs o devido respeito nos relvados.

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