sexta-feira, agosto 18, 2006

O Arcanjo Gabriel

Jorge Gabriel já não é um homem. Isso era dantes. Jorge Gabriel é agora um arauto de Deus. Descobrimo-lo quando Jorge Gabriel passou a exibir a sua faceta de comentador. Portanto, críticas sobre Jorge Gabriel são vistas como heresias e eu, pecador, me confesso.
Nós já desconfiávamos: Gabriel, ao ser escolhido pelo banco do milénio para um spot publicitário com óbvias referências a um concurso por ele apresentado, tinha já revelado uma expressão facial de quem não estava para aturar as mediocridades proferidas por castas inferiores, que são afinal os vulgares indivíduos diferentes dele. Relembro que nesse spot, Gabriel cruza os braços e franze o sobrolho, esticando o beiço inferior para fora e baixando a cabeça, quando confrontado com uma charada da sua convidada, supostamente difícil de resolver e totalmente inesperada. A convidada, estóica, aguenta-se com um sorriso durante todo o spot. Mas Gabriel não, para não resvalar na parvoíce e para conservar uma postura adequada ao seu imensurável prestígio. Gabriel ficou sério e respondeu sem sequer dar tempo para o cronómetro começar a contar, com um rigor e uma prontidão assinaláveis, algo que tão bem se enquadra na sua personalidade assertiva. A convidada não teve como fugir, amarelecendo o sorriso: “Ah, afinal o banco do milénio também é o seu banco…”. Gabriel explodiu, mas na versão final do spot não mostraram qual foi a sua real reacção. Ela foi: “Mas é claro que é, ó totó! Só podia ser! És mesmo duh! Já não aguento tanta vulgaridade!”
Ele é dotado de inteligência superior, provavelmente ofertada por alguma entidade divina como corolário de tanto tempo a divertir os comuns mortais ao leme de ilustres programas, vide “Praça da Alegria” ou “O Preço Certo”. Gabriel teve a paciência, o céu deu-lhe a sapiência. Gabriel achou mais do que merecida esta inteligência que possui e julga que mais ninguém terá mérito para sequer chegar-lhe aos calcanhares.
Mas é ao futebol e aos comentários de Gabriel que queremos chegar. É que Gabriel não fala de futebol, o futebol é que fala por Gabriel.
Gabriel antevê o que se vai passar. Ele atira-nos, sem qualquer pudor, evidências à cara, problemas há muito alertados e que esses banais homens do futebol não quiseram ouvir. O Benfica está em crise? “Mas é isso que eu venho a dizer desde 1985!”. O Sporting está mergulhado no labirinto dos balanços e orçamentos? “Eu avisei que não iria demorar muito tempo para que tal sucedesse!”. O FC Porto é a equipa mais beneficiada pelas arbitragens? “Se virem o programa da 3ª semana de Janeiro do ano passado, poderão constatar que eu já tinha feito referência a essa questão!”. Não conseguimos surpreendê-lo. Ele acerta em tudo. Tem uma capacidade de previsão que só mesmo os seres superiores conseguem. E os seus colegas de painel aguentam-se à bomboca. Deviam aprender com Gabriel. Gabriel deixa que eles aprendam, desde que eles não o aborreçam muito, pois Gabriel tem muito que fazer. Gabriel só quer salvar o futebol, se alguém, que apenas precisa de ser minimamente clarividente, lhe deixar.
Carlos Daniel tenta, em vão, lançar polémicas para cima da mesa. Gabriel nem sequer petisca essas polémicas. Gabriel declara-as estragadas, impróprias para consumo. “Essa não é a questão fulcral. O que é essencial é outra coisa”, diz-nos, com um olhar esclarecido e ao mesmo tempo perplexo de tanta ignorância que fareja ao seu lado. Expele sopros de quasi-indignação, convicto das suas ideias. O resto do painel que se deleite com essas problemáticas menores. E nem pensem em contrariar o grande Gabriel. Não faz sentido discutir com Gabriel, se Gabriel tem razão.
Foi penalty? Gabriel acha que não. “Não”, diz-nos, pragmático, envolvido numa calma deslumbrante, como na foto que podemos ver. Quem disser o contrário é tão reles que nem merece qualificação. Desta vez, foi Rui Moreira quem ousou discordar, ele que também ambiciona subir os degraus que Gabriel palmilhou, mas que ainda tem que comer muita papa. Gabriel esboça um sorriso superlativo, ajeita-se na cadeira e pensa consigo “Mas que gajo tão estúpido! O que estou aqui a fazer neste lodo mental?”. Tudo o que Moreira possa dizer só irá reforçar em Gabriel a ideia da miséria intelectual de toda a gente que não perfilhe a sua opinião. Gabriel acabará por sacudir a poeira dos ombros e Carlos Daniel pedirá calma a Rui Moreira, pedindo-lhe moderação, não vá Gabriel passar-se de vez e abandonar o programa. O que seria do programa sem a eloquência cerebral de Gabriel?
Gabriel tem a escola toda. Sabe os melhores onzes, os melhores árbitros, as melhores tácticas. E se nem tudo corre como o planeado, então foi porque não ouviram bem o Gabriel. Ele até foi bastante acessível para um Deus e até disse o que tinha que ser feito. Não o terem feito dá azo a que Gabriel riposte com aquelas caras carregadas de jactância e polvilhadas com o fastio dos predestinados tão caracteristicamente suas. Costumam ser fatais essas expressões, sobretudo se combinadas com a ironia e o sarcasmo que Gabriel tão bem dispõe. Posto algebricamente, temos: “Pergunta com resposta evidente” + “Painel levemente discordante de Jorge Gabriel” = (“Jorge Gabriel corrosivo” + “Jorge Gabriel com a solução certa” ) x “Cara de poucos amigos”.
Lamentavelmente, Gabriel é do meu clube. Gabriel achará muito bem e ai de mim se pensasse o contrário – seria imediatemente repreendido (e bem), posto em sentido pelas suas sobrancelhas e respostas incisivas. Mas eu pergunto se alguém terá por aí um kit de sócio que lhe ofereça.

1 comentário:

. disse...

Preparem-se sportinguistas, o Jorge Gabriel já é "mister"!

http://www.record.pt/noticia.asp?id=717989&idCanal=1089