quinta-feira, agosto 31, 2006

Sonic Youth "Murray Street" (2002)


Murray Street é uma das artérias de Nova Iorque. Reza a lenda que foi num estúdio desta rua que os Sonic Youth estavam aquando do desastre do 11 de Setembro de 2001, gravando este álbum. Um destroço de avião aterrou às portas do estúdio. Também consta que este marco da História moderna influenciou de algum modo a gravação do álbum. E, se assim foi, abençoado 11 de Setembro, no que a este contexto concerne.
Bem, a influência do 11 de Setembro pode não ser devidamente aferida, mas a introdução de um novo guitarrista, Jim O’ Rourke, pode sê-lo de uma forma mais concreta. As canções de “Murray Street” constituem, sem grandes dúvidas, um renascer da banda, que em 2002 perfazia 20 anos de actividade – sendo, pois, pouco consentânea com a “Youth” do seu nome. Thurston Moore, Kim Gordon e Lee Ranaldo já eram quarentões orgulhosos e Steve Shelley já lá está nesta altura.
Este é o mais instrumental dos álbuns dos Sonic Youth, onde as palavras dão decididamente lugar às guitarras. Diferente dos registos que os guindaram ao mega-estrelato indie, seja lá o que isso for, de “Sister” e “Daydream Nation”, lá no final dos anos 80, ou do flirt discreto com o mainstream de “Goo” e “Dirty” ou ainda das tonalidades artístico-épicas, quase impenetráveis, de “A Thousand Leaves”. Aqui a banda preocupou-se com a melodia, como nunca visto dantes.
O álbum é parco em termos de faixas, por isso é possível falar sobre elas uma a uma. As três primeiras faixas contêm Moore no papel principal. Todas elas são essencialmente faixas de calmaria, de guitarras doces e de esporádicas pisadelas no pedal. Algo anormal nos Sonic Youth, portanto. A mais emblemática, a grande faixa deste álbum, o sol que ilumina estes Sonic Youth é a quase instrumental “Rain On Tin”. Um trabalho melódico improvável nos Sonic Youth, porque até parece saída de alguma jam session entre os membros da banda, possível talvez apenas pela introdução de O’ Rourke, um carrossel de emoções que raia os oito minutos sem nunca parecer demais, um momento bastante agradável para qualquer ouvinte casual que aprecie o chamado indie rock e nunca se tenha sentido atraído pelos devaneios demasiado ruidosos, cacofónicos, que caracterizam este grupo. Ao vivo, “Rain On Tin” é um momento quase hipnótico, com o fumo dos cigarros a perpassar os holofotes de diferentes cores que se vão acendendo e apagando, enquanto a banda permanece embrenhada nos seus instrumentos.
Na esteira desta grande faixa, temos uma canção com um preâmbulo ainda mais atmosférico a fechar o álbum, da responsabilidade de Gordon, igualmente suave, igualmente progressiva, com o contador a atingir os nove minutos. Mais uma vez, o tempo passa lentamente, como se o relógio quisesse parar para escutar mais um pouco, a ver a que porto leva esta faixa.
“Karen Revisited” é a faixa de Ranaldo para este álbum (ele pica sempre o ponto em qualquer álbum) e remanescente de “A Thousand Leaves”. De facto, esta faixa parece encaixar-se melhor nos delírios experimentalistas barulhentos desse álbum do que na textura pouco abrasiva de “Murray Street”. Somente para filósofos apegados à beat generation e para usos puramente ambientais, especialmente a partir dos quatro minutos e meio – e a faixa passa dos onze…
As faixas mais comedidas não perdem por sê-lo, mas não se enquadram directamente no evidenciado pelas restantes, que são claramente mais trabalhadas e menos directas. A prova é que “Radical Adults Lick Godhead Style” fecha com um bom ruído à lá Sonic Youth dos velhos tempos e “Plastic Sun” é mais um remoque de Gordon às belas e fúteis divas estreladas da América. Agora que Madonna já não é tão adolescente quanto isso (os anos passam, não é, Kim?), o alvo escolhido foi Mariah Carey. É a faixa onde a raiva dos “jovens” Sonic Youth se mostra mais desinibida, consubstanciada na cavalgada do baixo de Gordon e na percussão nervosa.
É fácil não se gostar dos Sonic Youth. A banda perde muito tempo a fugir do formato tradicional da canção, nunca poderá passar na rádio (exceptuando raros momentos, como “Sunday” e “Sugar Kane”, e mesmo assim em versões editadas) e dá mesmo a ideia de retirar prazer em aborrecer todos aqueles que pretendam ver o imediato, não querendo entender que eles estão basicamente ali por uma questão estética e não pelo virtuosismo musical. Duvido que haja alguém que ouça muitas vezes repetidas alguns dos álbuns dos Sonic Youth, certas faixas são pura e simplesmente sons insanos com uma validade artística no mínimo questionável. “Murray Street”, contudo, é francamente acessível para os parâmetros da banda e mostra como eles conseguem ser audíveis e artísticos simultaneamente, que é possível distorção e melodia casarem-se sem que isso signifique sacrificar a sua filosofia nem rodar pelos circuitos comerciais. Pois, eles não devem estar para aí virados.
Eis uma banda com total vitalidade após 20 anos de carreira e praticamente sem alterações na formação, onde dois dos elementos são casados entre si e cuja filha de ambos figura na capa deste álbum. Dinossauros sem o jeito de muitos mas com um cariz intelectual inabalável.
Classificação: 8/10
Faixas a Reter:
"Rain On Tin";
"Sympathy For The Strawberry";
"The Empty Page"

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