sexta-feira, junho 01, 2007

Debandemos Em Massa

É uma chatice viver em Portugal. Pessoas aborrecidas e desinteressantes, invejosas e mesquinhas, sem perfil de liderança nem capacidade de obediência. Albert Uderzo retratou os Lusitanos em Astérix como sendo indivíduos baixinhos e gordos (“Todos os imigrantes portugueses que conheci eram assim”, referiu). Simples, mas eficaz, Uderzo não estava louco e acertou em cheio. Bem que podíamos absorver um pouco da sua serenidade e seriedade analítica.
Não há paciência para “reality shows” estapafúrdios, “talk shows” inenarráveis, danças folclóricas boçais, chico-espertismo como a modalidade nacional preferida antes do futebol, génios adiados, poetas decadentes, pontas-de-lança inexistentes para tanta fartura de extremos e fraco espírito comunitário.
Se somos pessoas de bem, devíamos ter vergonha em ser portugueses. O que é que temos para mostrar, para além das belezas naturais que nada fizemos por merecer? Um elevado despesismo público e clientelismo nas esferas do poder? Ferraris a conviver com bairros sociais impenetráveis? Pão e vinho sobre a mesa da casinha bem-cheirosa e com o fado de Alfama a ecoar no incontornável bidé presente em qualquer WC? Os Jerónimos? O último lote de estrelas d’ “Os Morangos Com Açúcar”? Um seleccionador nacional estrangeiro? Estarmos perto de Espanha? Estarmos na Europa, nem que seja a fugir Atlântico adentro? A nossa miraculosa hospitalidade, que, por acaso, nunca é mostrada ao compatriota mais próximo na rua? A tendência para os homens ficarem gordos, carecas e bigodudos enquanto se acumulam nas tabernas para esquecer as suas mulheres gordas e sorumbáticas que se agregam em torno da televisão, por entre mais uma refeição desleixadamente confeccionada? O que temos, afinal? Não temos nada.
Vamos emigrar. Debandemos em massa. Vamos maturar-nos enquanto seres humanos para fora daqui e voltarmos apenas em Agosto com um DVD do Tony Carreira no porta-luvas do Mercedes.
Mas não emigremos ao desbarato, para sítios pejados de portugueses de primeira, segunda, terceira e sabe-se-lá-até-quando gerações. Locais banalíssimos como Paris, Londres, Dortmund, Newark, Lausanne, Luanda, etc.. Assim não dá: os portugueses parecem só dar-se bem quando isolados, quando aquele sentimento estranho de identificação nacional finalmente cresce dentro do português solitário, quando a saudade se transcende e passa de pieguice para valentia estóica. Isto tudo depois do mesmo indivíduo ter reiteradamente espezinhado esse mesmo sentimento de amor à Pátria durante toda a sua vida na terra natal, dizendo cobras e lagartos de todo o mundo lusitano, como justificação para os seus desatinos e azares (excepto quando joga a selecção, ocasião em que somos todos totalmente patriotas). Todavia, isolado dos compatriotas, o português é como milhafre ferido na asa – junta as suas forças e, mesmo gordo e oleoso, acaba por surpreender. No meio de semelhantes, o desmazelo é total e insanável. O rebanho divaga por críticas mútuas e culpabilização ostensiva sem nunca concretizar a intenção de partir em busca de novos prados. No fundo, como este texto que se limita ao óbvio e ao fácil: critico porque sim, porque me desresponsabiliza enquanto cidadão, porque incrimino o abstracto sem ferir nenhuma susceptibilidade particular e porque não estou para ter trabalho em pesquisar a verdadeira origem do mal. Prossigamos.
Tenho duas novidades a comunicar aos portugueses: duas terras onde a sua vergonha pode ser devidamente enterrada, onde a luz lusitana pode finalmente fulgir, qual Estrela Polar no firmamento. Duas terras onde, espero, nenhum português habita (quanto muito, haverá um brasileiro que jogue à bola).
A primeira é a simpática localidade de Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch, ou se quiserem abreviar, apenas Llanfairpwllgwyngyll. Esta vila do País de Gales, com as suas 58 letras, nas quais se encontram várias consoantes seguidas, de acordo com a boa escola galesa, certamente que será um excelente porto de abrigo ao português farto de vulgaridades como Almada ou Valongo. O nome significa “igreja de Santa Maria no fundão do aveleiro branco perto de um redemoinho rápido e da Igreja de São Tisílio da gruta vermelha”. Isto é, não sabemos bem ao certo o que significa, mas certamente que significará qualquer coisa – nem que seja um sinal de perigo, pela sua extensão e pela proximidade que nos apercebemos que existe entre o redemoinho, duas igrejas e uma gruta colorida num tom vermelho que, suponho, só poderá ser sangue, tal a gravidade do étimo.
Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch tem uma estação de caminhos-de-ferro. Reza a lenda que a vila obteve o seu longo nome propositadamente, de forma a ser reconhecida como “a estação ferroviária com a placa mais extensa de todo o Reino Unido”; normalmente, os galeses nem são assim tão absurdamente idiotas. Turistas deslocam-se lá de propósito, de forma a serem fotografados junto à enorme placa, ou seja, é tudo parte dum embuste publicitário e de uma orquestração turística. Para além do mais, a vila divide-se em Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch-uchaf, ou “vila-de-cima”, e Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch-isaf, ou “vila-de-baixo”. Uma forma engenhosa de multiplicarem placas ainda mais extensas e mais apelativas.
Sei que Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch pode não agradar aos portugueses em busca de novas sensações; afinal, trata-se de uma pequena vila com 3000 habitantes e no mesmo continente que o nosso. “Não é grande mudança; para isso, mudava-me para Santa Marta de Penaguião ou, num desvario sem precedentes, até mesmo para Aldeia Nova de S. Bento”, protestam alguns descrentes. Pois bem, querem coisas mesmo exóticas e insólitas, mudanças radicais… então tomem lá com Taumatawhakatangihangakoauauotamateaturipukakapikimaungahoronukupokai-whenuakitanatahu. (Não tem hífen, mas foi preciso colocá-lo por motivos de formatação).
Ah, pois é, não há desculpas. Ou melhor, a única desculpa que existe é não conseguirem ler o nome da terra para onde se mudaram. É que, apesar de existirem mais vogais do que em Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch, o nome que mencionei não deixará de colocar muito boa gente sem fôlego.
Em rigor, Taumatawhakatangihangakoauauotamateaturipukakapikimaungahoronukupokai-whenuakitanatahu nem sequer é uma terra, é um monte. Um banal monte de 300 metros de altitude. Mas não vejo nenhum inconveniente em habitar-se no sopé de um pequeno monte, se pensarmos que o objectivo final é fugir o mais longe possível do último resquício português. Este monte é neo-zelandês, nos antípodas deste cantinho, logo, o mais afastado possível do nosso rectângulo. O nome significa, traduzido do maori indígena, “o cume da colina onde Tamatea, o homem de joelhos grandes, que desceu, escalou e engoliu montanhas, [para viajar pela terra], que é conhecido como comedor de terra, tocou flauta nasal para sua amada”.
Os maoris não são, portanto, homens sintéticos. Para um monte vulgar, prestam homenagem a um homem de joelhos grandes (uma espécie de Mantorras após uma vintena de operações e injecções), descrevem as suas actividades quotidianas (percorrer e depois deglutir acidentes geográficos), as suas preferências gastronómicas (enfardar porções de terra) e actividades lúdicas (tocar flauta nasal – nasal, atente-se bem) como serenata à sua gaja. Sim, porque isto de comer terra e percorrer locais acidentados não amacia nem o mais empedernido coração de gigante. E as mulheres apreciam, para além de grandes protuberâncias corporais (os joelhos, não esquecer), um pouco de sensibilidade musical. Tudo isto concretizado num nome dum monte, que, refira-se, deve ter a altura aproximada duma mera colina de Lisboa.
A placa identificativa que bordeja o monte também já é famosa, mas, ao contrário de Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch, Taumatawhakatangihangakoauauotamateaturipukakapikimaungahoronukupokai-whenuakitanatahu parece não ter tido origem em manobras comerciais e sim em tradições locais. É, oficialmente, o étimo topográfico mais extenso do mundo, com as suas 92 orgulhosas letras. Garantem-me que não há nenhum português por perto.
Portanto, forneci duas boas indicações como destino, dois sítios nada corriqueiros. Outros podiam ter sido sugeridos, mas, por restrições de espaço, deixo apenas estes dois. Refúgios quase perfeitos, onde a portugalidade poderá dar largas às suas qualidades e ambições. Por cá, curvamo-nos perante a insignificância de possuir um otorrinolaringologista anticonstitucionalissimamente colocado em Vila Real de Santo António. Agora, basta marcar o voo…e boa viagem!
(Fonte: Wikipedia)

8 comentários:

Muntubila disse...

CIA - Portugal

Background:

Following its heyday as a world power during the 15th and 16th centuries, Portugal lost much of its wealth and status with the destruction of Lisbon in a 1755 earthquake, occupation during the Napoleonic Wars, and the independence in 1822 of Brazil as a colony. A 1910 revolution deposed the monarchy; for most of the next six decades, repressive governments ran the country. In 1974, a left-wing military coup installed broad democratic reforms. The following year, Portugal granted independence to all of its African colonies. Portugal is a founding member of NATO and entered the EC (now the EU) in 1986.

Disputes - international:

Portugal does not recognize Spanish sovereignty over the territory of Olivenza based on a difference of interpretation of the 1815 Congress of Vienna and the 1801 Treaty of Badajoz

Illicit drugs:

seizing record amounts of Latin American cocaine destined for Europe; a European gateway for Southwest Asian heroin; transshipment point for hashish from North Africa to Europe; consumer of Southwest Asian heroin

Economy - overview:

Portugal has become a diversified and increasingly service-based economy since joining the European Community in 1986. Over the past two decades, successive governments have privatized many state-controlled firms and liberalized key areas of the economy, including the financial and telecommunications sectors. The country qualified for the European Monetary Union (EMU) in 1998 and began circulating the euro on 1 January 2002 along with 11 other EU member economies. Economic growth had been above the EU average for much of the 1990s, but fell back in 2001-06. GDP per capita stands at roughly two-thirds of the EU-25 average. A poor educational system, in particular, has been an obstacle to greater productivity and growth. Portugal has been increasingly overshadowed by lower-cost producers in Central Europe and Asia as a target for foreign direct investment. The budget deficit surged to an all-time high of 6% of GDP in 2005 but was reduced to 4.6% in 2006. The government faces tough choices in its attempts to boost Portugal's economic competitiveness while keeping the budget deficit within the eurozone's 3%-of-GDP ceiling.

(Fonte: Central Intelligence Agency www.cia.gov)

Rodrigues disse...

Se a CIA diz isso, então é tudo verdade.

Muntubila disse...

Devias fazer também um post só de witty answers.

Rodrigues disse...

O excelentíssimo Abrupto, do não menos excelso José Pacheco Pereira, publicou algo sobre a terra galesa em 21/06/07 - 21 dias após o Outra Louça.
Até incluiu a mesma foto e um tal de Eduardo Tomé esteve na Wikipedia à busca do seu significado, tal como eu.
Sinto-me... visionário. Ou na vanguarda da vanguarda. Ou espiado. Ou simplesmente no meio duma coincidência.
Não deixa de ser engraçado, o Outra Louça e o Abrupto de mãos dadas a dissertar sobre o País de Gales.
E assim acontece.

Rodrigues disse...

Na mensagem anterior, queria dizer 20 dias de diferença - só para não pensarem que só incrivelmente mau a matemática.

Rodrigues disse...

...e no post anterior queria dizer "(...) pensarem que sou incrivelmente (...)".
Acho que se percebe agora.
Estou a errar muito porque ainda estou deveras excitado com este paralelismo com o Abrupto.
Acho que não cometi nenhum erro desta vez...

Anónimo disse...

(LOL) sim sim também reparei, embora não cheguei a perceber bem a premissa da J.P.Pacheca (e agora não me apetece lá voltar) mas parece claro que os leitores do abrupto tiveram uma co-incidência espacio-temporal com o teu caminho cosmológico, ou então andam a gamar ideias à descarada. Vanguarda sim, linha da frente da vanguarda mais futurista, mais nostradamista, mais visionária, mais vanguardista da vanguarda mais linha da frente. Aliás nem devíamos estar a comentar isto porque não se sabe quem andará a pesquisar 'pacheco pereira' e 'cia', quem sabe o próprio, em fúrias clippianas, e lá se vai o nosso master plan. Pacheca: és uma marioneta nas nossas mãos; a seguir vais por uma merda qualquer dum poema de merda e chamar-lhe 'early morning blog'. Dance, Pacheca, dance!

Anónimo disse...

Pelo contrário, não queres é dizer, mas és é incrivelmente bom a matemáticas.