quarta-feira, junho 27, 2007

A Promessa do Defeso

A nova promessa do futebol mundial aterrou em Portugal neste defeso. Aparenta um ar perdido, embora se note a desinibição própria da juventude. Quiçá equivocado pelos anúncios solarengos e fabulosos do Allgarve, embrenhado nas maquinações do seu empresário contra outro empresário rival, iludido pelas promessas dum futebol competitivo e escorreito, atraiçoado pelo desejo do sucesso fácil e pela sua falta de informação associada à sua irreverência juvenil, a verdade é que ele está cá. Este médio ofensivo, que também pode jogar na frente de ataque num esquema 4-3-3, ou no eixo da defesa, devido à sua boa capacidade de antecipação e forte jogo aéreo, tendo mesmo iniciado a sua carreira como guarda-redes pela sua enorme agilidade, provém dum clube obscuro da Roménia, ou da Bulgária, ou mesmo da Ucrânia, não se sabe bem ao certo, e foi votado no seu país como “a mais jovem promessa do futebol europeu e asiático da segunda semana de Abril de 2007, mais concretamente entre os 30 e os 45 minutos iniciais da partida contra o Dínamo de Zakarpattia” pelos adeptos, como “a mais jovem promessa a promessa” pelos jornalistas e como “um puto cheio de estilo, com enorme gosto para óculos Gucci e madeixas louras, e que, por acaso, também sabe fazer passes que rasgam a 40 metros”, pelos treinadores. O seu nome: Radöi Guzmailyev, 1,80 metros e 76 kg. de talento em bruto. Um facto assombroso: Radöi já domina o português como poucos cidadãos dos PALOPs dominam e chega mesmo a expressar-se melhor que muitos indígenas lusos. “Cresci a admirar o vosso país, o vosso clima e o vosso campeonato, tal como o meu empresário me instruiu para dizer à chegada”, revelou, desconcertante. Os jornalistas acercaram-se, curiosos perante a nova atracção.
- Radöi, como se define? Quais são as suas ambições?
- Eu sou um jogador fisicamente atraente, deixo sempre passar três dias para fazer a barba, já namorei com várias modelos do leste europeu e participei num clip musical da maior sensação pop da Moldávia. Tenho boa presença nas passerelles e já sei que há uma discoteca com esse nome por cá. Gosto de carros desportivos de alta cilindrada e também de jogar nas costas da linha avançada. Daqui a alguns anos, imagino-me a fazer anúncios para a Pepsi e a vender mais posters que o Cristiano Ronaldo, que, no fundo, imita descaradamente o meu estilo. Se surgir a oportunidade, também gostava de jogar na liga inglesa, a imprensa de lá pode dar-me a expressão mediática que os jornaizecos daqui não dão. Encaro Portugal como um trampolim. Ou umas meras molas nas chuteiras. Ou apenas uma daquelas bolas saltitantes. O que for menos ofensivo para o vosso orgulho.
- Radöi, é verdade que pode preencher cerca de 6 posições distintas no campo?
- Jogo onde, quando e como o treinador quiser. Sinto-me mais à vontade a jogar Pro-Evolution no hotel dos estágios com o joystick que adquiri numa feira em Timisoara. Mas também jogo a sério no relvado.
- Radöi, qual é o seu pé preferido?
- Qualquer jovem pé feminino entre o tamanho 36 e 38 comporta em si uma carga erótica tremenda. Dos que me ocorrem assim de repente, talvez o da Soraia Chaves, porque é provavelmente a única parte do seu corpo que ainda encerra mistérios para mim. A câmara fixa muito o peito e raramente desce abaixo dos joelhos. Eu sou ambidextro, mas dou-me melhor com o pé esquerdo. Convém esclarecer que tenho apenas 4 dedos no pé direito, antes que critiquem a minha técnica de remate.
- Radöi, considera que vai haver um bom entendimento entre si e o Tininho Carioca, o indiscutível matador do plantel?
- Não, acho-o francamente estúpido. Não devemos falar, pois eu interesso-me pelos grandes pensadores económicos e ele interessa-se por picanha. Não temos, definitivamente, egos convergentes. Ainda por cima, ele cheira mal, sua muito. Depois de o ver a apanhar um sabonete com as nádegas num vídeo caseiro, mudei de opinião. Mas a opinião continua a ser negativa. Eu jogo com quem tiver de ser, estou aqui para mostrar os meus atributos físicos às adolescentes lusitanas e granjear apoios extra-futebol. E também para mostrar o meu valor futebolístico, porque não?
- Radöi, sente-se mais à vontade num esquema 4-4-2 losango, 4-4-3, ou na anarquia táctica total?
- O 4-4-3 permite-me uma liberdade que não consigo obter jogando na anarquia total. Tive um treinador que pretendeu inculcar na nossa equipa o gosto de jogar anarquicamente, mas não gostei. Havia muito vidro partido no balneário, muito confronto corporal, muitos cocktails molotov junto às faixas laterais e isso magoou-me. Já o 4-4-2 losango possibilita-me brincar aos polígonos. Pessoalmente, gosto mais do 4-2-2-2 hexágono. Parece-me mais evoluído. Mas é só impressão minha.
- Radöi, o que mais lhe impressiona no seu novo clube?
- Cheguei agora, conheço pouco do clube. Sei que é o maior clube do mundo, que luta e ganha todas as provas onde está inserido, que o presidente é um ex-autarca que gosta de sacos azuis e recibos verdes, que a massa associativa tem uma falange de extrema-direita altamente violenta que intimida os atletas quando as coisas correm mal, que o balneário é um pré-fabricado provisório há 3 anos e que o nosso lateral-direito é maçónico e Atleta de Cristo. Espero coisas boas deste clube e, na medida do possível, contribuirei para servir de intermediário na compra de outros jogadores do meu país. Se a comissão for agradável para mim, como é evidente. Também espero revelar a todos os aficionados aquilo que julgo ser uma conspiração monárquica para depor o regime republicano deste país, algo que está a ser orquestrado pelo roupeiro e pelo treinador de guarda-redes desde os treinos do final da temporada transacta. Mas enquanto tudo não passar de um rumor, não vou especular publicamente sobre este assunto.
- Radöi, qual vai ser o número que irá envergar na camisola? Parece que o nº 10 está disponível…
- Gosto do nº 69 (risos). Isto tem conotações sexuais, como é óbvio. Eu sou uma pessoa muito sexual. Adoro mulheres, elas adoram-me, há aqui uma reciprocidade que quero reforçar nesta passagem por Portugal. Para mim, até pode ser o nº 10, o mais importante é que a cor do equipamento não seja em tons amarelos, acho que é uma cor que não me favorece e me torna pálido. Seria negativo para a minha imagem. Incluí uma cláusula no contrato especificamente dizendo: “Não jogo de amarelo”. Posso rescindir com justa causa por incumprimento. Portanto, são os dirigentes que têm de decidir: se é para o mau gosto estético, não contem comigo.
- Radöi, já escolheu onde vai morar?
- Para já, não tenho muita escolha: vai ser na Pensão Marialva, que fica apenas a 3 minutos do estádio. Se tudo correr bem, vou conseguir chegar aos treinos com apenas 40 minutos de atraso, visto que sou muito solicitado para dar autógrafos e demoro-me muito nos lavabos, tanto a tratar da higiene como da imagem, que não pode ser minimamente descuidada. Se não houver ninguém a quem dar autógrafos, eu arranjo. Não tenho dificuldades em abordar desconhecidos na rua nem a extorquir-lhes qualquer coisa, em Plovdiv aperfeiçoei essa técnica.
- Radöi, como falou em pensadores económicos, gostava que nos desse a sua opinião sobre a teoria de Mundell sobre…
- Por favor, hoje só falo de futebol. Se me perguntassem algo sobre tácticas e gestos técnicos, tudo bem, mas a economia não está dentro desse contexto. Obrigado.

Sem comentários: