quarta-feira, julho 25, 2007

A Marcha do Orgulho Heterossexual

Foi com um turbilhão de reacções variadas que Trancoso recebeu a sua primeira Marcha do Orgulho Heterossexual. Os habitantes da pacata vila beirã não ficaram indiferentes ao evento, nem os curiosos e adeptos do Movimento Heterossexual (MH) que se deslocaram propositadamente à simpática localidade para manifestar a sua solidariedade à iniciativa. A Marcha tornou-se o grande evento turístico desta região neste ano e equaciona-se a repetição da Marcha em 2008.
“Queremos acabar com os tabus”, referiu-nos o líder do MH, José Manuel António Francisco (JMAF). “Nós sabemos que não somos tão evoluídos cultural e intelectualmente como os homossexuais, mas merecemos ser tratados com respeito, especialmente aqui no interior, onde a solidão e a pressão social própria dos meios pequenos acaba por ser angustiante e asfixiante”, esclareceu JMAF, a propósito das motivações da Marcha. “Também somos seres humanos”, adiantou a mesma fonte, “afinal, sabemos fazer contas do tipo 2+2=4 e soletrar todas as letras do alfabeto, embora com dificuldades em relação ao K, ao I grego e àquela letra parecida com um V a dobrar, como todos os homossexuais. Alguns de nós até já leram autores estrangeiros, veja lá”.
Cerca de 10 carros alegóricos e 60 heterossexuais desfilaram no centro da vila, ou, dito de uma forma mais concreta, desde a casa da D. Glória até ao Talho Central e daí até ao busto do Dr. Miranda, durante cerca de 1 hora. Entre garrafões de vinho, preservativos queimados e músicas do Quim Barreiros e do Tony Carreira, a Marcha incluiu dezenas de homens bigodudos e mulheres de seios avantajados em semi-nudez, violência conjugal explícita, grávidas de 9 meses assediadas por homens babados de gabardina, uma família bastante numerosa, peixeiras, taxistas, um ou outro toureiro ou fadista e o Hugh Heffner, representado pelo seu procurador português. Alguns slogans apresentados foram “Amo quem quiser/ Desde que seja mulher”, “Para rapar o meu tacho/ Nada melhor que um bom macho”, “Pénis com vagina/ Resulta aqui e na China” e “Não sabemos multiplicar nem dividir/ E não temos armário por onde sair”.
Muitos curiosos acompanharam o desfile. Pelo lado mais tolerante, a D. Gertrudes, confessou-nos “achar graça ao evento”. “Desde que a minha Celeste morreu que não tenho mais ninguém… e nem quero ter: hoje em dia, já não me esfregam como deve ser. Nem a Dina lança discos nem nada”, comentou, em jeito de desabafo. A D. Gertrudes explicou-nos o porquê do seu apoio: “Deixem lá esses rapazes e raparigas à vontade, o importante é haver amor. Nem sempre houve amor entre mim e a Celeste e lamento o tempo que perdemos a discutir sobre as propriedades afrodisíacas do Denim e a cursar camionagem. Eles que aproveitem, comigo não terão problemas”.
Outros, porém, mostraram-se desagradados. Foi o caso do Paulino e do Faustino, um casal homo e metrossexual deveras ofendido. “É uma vergonha” e “O mundo está perdido” foram duas frases muito repetidas pelo casal, visivelmente agastado com o que consideravam ser uma “provocação de mau-gosto”. “Ouça lá, mas tem algum jeito amar uma mulher? Pindéricas sem jeito, só sabem dar gritinhos… Não têm músculos de homem nem nada que se pareça. Um horror!”, deixou escapar Paulino, com uma expressão de asco a moldar-lhe a cara. “É ridículo o que esta gentinha faz para ter atenção. Deviam estar em casa, a tratar da depilação e do bom filme francês que anda por aí, em vez de se meterem em cobóiadas com o sexo oposto. Meu amigo, isso é passé, é demodé, caiam na real e evoluam. Ser gay é a única evolução possível. Porcos! Tarados!”, comentou Faustino, enquanto resistia a arremessar um tomate na direcção dum sósia do Zé Povinho. Faustino lá refreou os seus ânimos agitados, voltando-se para o seu companheiro: “Se calhar é melhor não, ainda sujo a minha camisa de lantejoulas e depois quem a limpa, amor?”. A Elsa e a Vanda, um casal composto por uma lésbica e um transsexual que já se chamou Roberto Aguiar, também estavam veementemente contra a Marcha, que fizeram questão de acompanhar com uivos e apupos de desaprovação. “Fascistas! Reprodutores! Tradicionalistas!”, foram alguns dos insultos do mais enervado do casal, o ex-Roberto. Mais calma, Elsa não deixou de vincar o seu desconforto: “Faz-me impressão pensar que Portugal está assim tão heterossexual… isto é por causa das coisas que se vêem na televisão, naqueles canais codificados, e da excessiva propaganda da igreja, que é, como todos sabemos, uma canalha de padres rebarbados que alienam a nossa juventude e a conduz para os maus caminhos. Por exemplo, sabemos que o pároco daqui proibiu jovens que estão em pleno processo de se assumir como homossexuais de ouvir Scissors Sisters e George Michael, bem como a vetar a participação dalgum jovem numa boys ou girls band. É a mais pura repressão dos instintos naturais, julgava que hoje em dia seria inimaginável!”.
JMAF assegurou-nos que a autarquia exibiu desde cedo a vontade de colaborar para que nada corresse errado: “A autarquia até nos disse que iria entregar vibradores a casa dos homossexuais, se tal fosse necessário para impedir retaliações”. Algo que desagradou profundamente a Elsa: “Não é com vibradores que nos compram; aliás, nós somos seres tão evoluídos que não nos conseguem corromper por nada. Só admitiria negociações se me apresentassem a Shakira”. O representante da edilidade minimizou as críticas – “Estamos abertos a todas as raças e credos e achamos que a comunidade heterossexual portuguesa tem tanto direito à manifestação como outra minoria qualquer” –, refutando a alegada tentativa de aliciamento: “É falso que a autarquia tenha tentado demover qualquer contra-manifestação, para mais recorrendo à oferta de vibradores. O orçamento é demasiado limitado, mesmo a aquisição de baldes de vaselina para as grandes orgias da assembleia municipal é-nos proibida”.
Um heterossexual, que não se quis identificar, levantou o véu sobre o estado da arte em Portugal: “É lamentável que se eu quiser passear normalmente com a minha mulher no parque tenha de ir vestido com calças de cabedal justo e mala a tiracolo, lendo um livro sobre a vida do Oscar Wilde e ela tenha de usar calças de ganga com a carteira no bolso de trás e cabelo à tigela para passarmos despercebidos. Nalgumas zonas do país, nomeadamente nalgumas tabernas, até chapadas podemos mandar nelas, mas na maior parte do país somos claramente discriminados e apontados como elementos estúpidos e não desviantes”. Maria das Dores, uma heterossexual extravagante, declarou, alto e em bom som, “eu gosto muito de homens morenos e altos, excitam-me”, o que provocou desagrado e algumas risadas mais ou menos incrédulas do público que assistia à Marcha. “Sim, gosto deles, e adoro que me dêem uma carga de pancada de vez em quando. Sou assim, gosto de ser servil. E adoro ter filhos. Já vou em 6”. Pela sua natureza a roçar o caricatural, Maria das Dores foi das mais visadas pela turba homossexual em fúria, que lhe presenteou vários mimos, chegando quase a vias de facto. Felizmente, a GNR local estava preparada e organizou, em colaboração com a organização “SOS Heterossexualidade”, uma sessão de depilação grátis para os gays e um jogo de demonstração da Martina Navratilova para as lésbicas, o que colocou água na fervura e evitou males maiores.
E como reage JMAF às acusações de que os heterossexuais provocam “escândalos gratuitos”, ao juntar homens e mulheres de mãos dadas, ostensivamente aos beijos ou à pancada na via pública e em trajes menores? “Reajo com indiferença. As pessoas têm o direito a serem como são e esse é o meio que encontraram para se expressar”. Paulino e Faustino não concordam: “É apenas para provocar, esses homens de família e essas mulheres assanhadas apenas querem tirar-nos do sério. Mas Frankie Goes to Hollywood continuará a ser a minha banda favorita, continuarei a flirtar com homens sensíveis e depilados, homens a sério!, nos jardins da Gulbenkian em plena luz do dia e o arco-íris estará sempre à porta da minha casa. Peludos! Gordos! Depravados!”, invectivou Paulino, enquanto Faustino avisou: “Meus amigos, se um dia forem tão bons como eu em ciências sociais e políticas, se algum dia conseguirem apreciar a verdadeira arte moderna e se se mantiverem solteiros e sem filhos a vida toda, talvez algum dia possa ter uma conversa a sério com alguns desses gajos e gajas… Mas duvido muito… Trogloditas!”.
A finalizar, JMAF reforçou o apelo: “Heterossexuais, uni-vos e lutai pelos vossos direitos! Organizemos um lóbi forte como o deles! Homens: façamos amor com as nossas mulheres e, se elas não quiserem, vamos agredi-las! Mulheres: sejam promíscuas e pensem muito em sexo e em criar grandes famílias! Passo a passo rumo a uma sociedade livre!”.

PS: Para quê outro aeroporto? Para quê tanta confusão? Veja-se este exemplo: até Trancoso, pode ler-se no site oficial, já é “servido” por 3-três-3 aeroportos! A saber: Porto (200 km), Lisboa (350 km) e Madrid (395 km – não 350 nem 400 km, mas cirúrgicos 395 km). E isto apenas “a nível internacional”. A nível nacional deve estar servido por mais de uma dúzia de aeroportos e heliportos – a abundância deve ser tanta que só a vergonha pode explicar o facto do “nível nacional” estar omisso na webpage. Outra curiosidade: para três aeroportos apenas existem 2 estações ferroviárias na proximidade… mas uma delas está no “concelho”… e disponibiliza o serviço Intercidades! Valha-lhes isso.

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