segunda-feira, julho 30, 2007

Formosura Perdida

Abro a janela de par em par ao mundo. Num registo confessional, sibilo a nostalgia e a mágoa que me consomem em pleno Blogger.Este era eu com 32 anos, num raro momento de recato no meu domicílio, junto ao computador. Googlava por práticas de consubstanciar os lípidos e os glícidos em massa corporal na, então, novel Internet. Sim, eu sei que era sexy. “Too sexy for my shirt”, eu sabia bem que sim. E é esse o motivo porque agora, que o meu fulgor é apenas uma memória distante, me apresento publicamente em tronco nu – tudo o que vós sempre quisestes de mim, tudo o que vós sempre ambicionastes observar nos vossos mais acesos delírios voyeuristas, aqui têm. Descansai a vossa memória e poupai a vossa imaginação. Soltai “Aleluias” e hossanas ao Senhor. Bem sei que é de perfil; mas não sejais tão alarvemente obscenos e deliciai-vos com este perfil tão artístico quanto belo.
Como compreendia a vossa inveja, comuns mortais. Como devia ser triste para vós olhar para este corpinho torneado sem recurso ao “photoshop” e depois verem-se ao espelho e reconhecerem as vossas fracas figuras: se eu estivesse na vossa posição, tinha recorrido imediatamente ao aborto retroactivo da minha pessoa. Eu semeava invejas por onde passasse e estava plenamente consciente de tal facto. Era difícil resistir ao “sex-appeal” do meu peito assombroso, da minha cândida barriguinha, do meu rabinho macio, todos me diziam e eu sabia-lo bem.
Esqueçam o pormenor da minha barba branca – foi apenas uma brincadeira que tive com giz. Giz e farinha. Giz, farinha e cocaína. Pronto, confesso: era apenas cocaína. Leram bem, cocaína: eu era um “party animal”. Fazia jus ao meu nome. Hoje em dia, receio, sou apenas uma caricatura daquilo que era.
Bons velhos tempos. Ainda me lembro do meu estilo de vida arrepiante naqueles loucos anos-zero. Era Bungle para aqui, Bungle para ali, Bungle vem cá, Bungle não fiques aí. As solicitações não paravam. Entre um bidão de cerveja Cristal e um pernil de porco fumado, lá ia eu, mais uma festa de arromba, mais um cocktail fantástico num iate luxuoso algures nas Caraíbas, mais uma capa de revista, mais uma aventura amorosa, mais um super-lanche reforçado cheio de patés e molhos tão gordurosos quanto abundantes. Todas as revistas queriam o meu peito. Sim, uma foto das minhas maminhas ao léu, era tudo o que a imprensa queria.
E, analisando bem, à sombra da distância temporal que me separa dessa época gloriosa, é fácil perceber porquê. Qual Alexandra Lencastre, qual Dolly Parton, qual Alberto João Jardim: eram minhas as mamas que todos queriam ver. Mas eu resisti. Disse-lhes sempre, “passem cá mais logo”, “não me chateiem mais”, “quero lá saber do cachet de 10 milhões de euros”, “deixem cá os chouriços e o requeijão mas vão-se embora”, e os paparazzi nunca me conseguiram apanhar. Deixei de frequentar a praia, deixei mesmo de ir ao solário, passei a aceitar convites apenas dos melhores amigos para festas muito selectas. E fui sucedido. Nunca me apanharam e eu sei bem o quanto tentaram, esses pobres coitados.
Mantive uma roda-viva de encontros sociais, era desejado aquém e além-mar para todos os eventos mediáticos, princesas e reis de todo o mundo admiravam-me enquanto passeava garbosamente os meus quilos de formosura nas passerelles do jet-set e nos clubes privados de Saint-Tropez a Santa Monica, preferencialmente sentado numa cadeira de rodas para não queimar calorias vitais. Retirei e proporcionei toneladas de prazer a quem comigo partilhava as galas mundanas e as prémières de Cannes, Berlim e Veneza, calquei passadeiras vermelhas que ficaram permanentemente marcadas com o meu peso e deformei bancos traseiros de limusinas duma forma irreversível – sofá onde me sentasse ficava irremediavelmente inutilizado e era imediatamente colocado em leilão na Christie’s. Tudo isto sob o brilho incessante dos flashes, que me fotografavam enquanto mastigava meia gazela embebida em mostarda ou espezinhava a Victoria Beckham em LA, mas que nunca me captaram em topless ou sequer a cor da minha pele quatro dedos acima do joelho. Eles, aí por volta de 2008 ou 2009, começaram a desistir, perante a minha capacidade em manter-me discreto, embora terrivelmente famoso. Largaram as câmaras em desespero no chão e içaram um pano branco – “Mad Mad Bungle, atestamos a nossa inépcia em fotografar os seus seios morbidamente obesos”, assinaram eles num edital oficial afixado na Junta de Freguesia de Marbella. E eu ri-me, sem porém evitar engasgar-me em dois leitões assados e passar uma noite mal dormida no Hospital da CUF.
Porém, a cobiça desmedida atraiçoou-me. Iludido pela gordura fácil, deixei de ser tão sedentário, fiando-me em malditos comprimidos e ampolas de hormonas milagrosas que, disseram-me, me fariam engordar rapidamente. Abandonei os hábitos carnívoros que eram a minha imagem de marca e passei a comer saladas de espinafres e rabanetes estufados. Passei a beber sumo de laranja ao pequeno-almoço e deixei de ter 7 ou 8 refeições diárias. Ganhei o hábito perverso de me banhar em cremes de beleza e loções tonificantes. Aquilo foi-me mudando progressivamente. Enredei-me em grandes sarilhos, pressenti a ruína iminente do meu status. Não conseguia parar, aquelas drogas demoníacas eram mais viciadoras que a própria cocaína e caí em desgraça. Todo eu tornei-me num aglomerado de estrogénios. Já ninguém queria saber de mim. Aos 38 anos, estava irreconhecível. As pessoas que dantes me admiravam afastaram-se. Ao sentir-me abandonado, tentei, num assomo de desespero, afirmar-me com a minha nova imagem através duma infame sessão fotográfica para a revista de Sábado do “24 Horas”, hoje cabalmente reconhecida como a mais risível de sempre duma celebridade. Eis apenas um lamiré da mesma:Já não era eu. Isto não era eu. As pessoas perceberam e largaram-me definitivamente a partir daí. Eu morri para o grande público naquela altura. E se hoje choro a minha tristeza perante vós é para que não esqueçam o meu exemplo. Comei. Devorai enormes quantidades de snacks e carnes vermelhas sem pudor. Exibi. Revelai todos os vossos atraentes atributos físicos, se é isso que o público quer. Sentai-vos e afastai-vos do esforço físico. Não façais como eu, que perdeu a oportunidade de fazer uma grande maquia com as minhas maminhas que hoje já não são desejadas, apenas por pensar que tanto estas como o mistério que elas encerravam seriam eternos. Fiquei sem mamas decentes e o mistério tornou-se desinteressante. Perdi tudo. E hoje, por fim e perante vós, revelo-vos o grande mistério. Vede. Vede bem. Apreciai. E rogai para não cair no erro que eu cometi. É esta a minha mensagem para todos vós. Agora despeço-me, que tenho ali mais um pratinho de ervilhas para comer. Chuif.

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